Comunidade e Identidade na "Aldeia Eletrônica"

Derek Foster


A Internet � claramente a principal entre as novas tecnologias de informa��o a prometer impactar significativamente as circunst�ncias cotidianas de todas as rela��es sociais. A Internet � um exemplo real de uma rede de computadores ampla e extensa, que permite a cada usu�rio ter igual voz ou, pelo menos, a mesma chance de falar. Descobrindo-a, um n�mero crescente de pessoas se encanta com sua capacidade tecnol�gica de divulgar legitimamente suas pr�prias express�es individuais, tanto quanto pela liberdade que ela fornece em rela��o �s tradicionais barreiras de tempo e espa�o. Quest�o central a seu respeito � se, como se costuma afirmar, esse poder e a capacidade de entrar cada vez mais facilmente em contato com um n�mero sempre crescente de pessoas com afinidade de pensamento fortalecem o sentimento de comunidade.

Obviamente, comunica��o e comunidade s�o express�es que possuem uma linhagem comum. "Comunica��o vem do latim communis (comum) ou communicare (estabelecer uma comunidade ou uma 'comunalidade')" (Merill & Lowenstein 1979, 5). Apesar da comunica��o servir de base ao conceito de comunidade, todavia n�o dever ser equiparada a ele. Um indiv�duo pode se comunicar com outro sem consider�-lo um membro de sua pr�pria comunidade. Com isso, atinge-se a principal quest�o deste ensaio: at� que ponto pode-se dizer que a Internet facilita a forma��o de "comunidades"?

A Internet, para nossos prop�sitos, � o que fornece uma infra-estrutura tecnol�gica para comunica��es mediadas por computadores (CMC) atrav�s do tempo e espa�o. O espa�o conceitual em que esta comunica��o ocorre ser� referido como ciberespa�o, um ambiente em que a comunica��o face-a-face � imposs�vel. Atrav�s dele, por�m, surge uma forma de co-presen�a virtual, resultante das intera��es eletr�nicas entre os indiv�duos, que n�o se restringe aos tradicionais limites de tempo e espa�o: esta � a base do que � geralmente referido como "comunidade virtual".

Howard Rheingold define estas comunidades virtuais como "as agrega��es sociais, que emergem da rede quando pessoas em n�mero o suficiente levam estas discuss�es p�blicas longe o suficiente, com suficiente sentimento humano, para formar redes de relacionamentos pessoais no ciberespa�o" (Rheingold 1993, 5). � esta vis�o sobre a Internet que eu proponho interrogar neste texto. Qualquer sentimento de comunidade encontrado na Internet, eu defendo, precisa ser necessariamente virtual, mas pode n�o ser suficientemente comunit�rio. Rheingold atribui sentido social aos encontros ciberespaciais e nos mostra como uma dial�tica individual flui sem problemas a partir do coletivo. Questiono o grau em que a id�ia tradicional de comunidade est� de fato presente nas "comunidades virtuais". Quanto mais pessoas forem atra�das para os novos meios de comunica��o, mudan�as concomitantes no conceito de comunidade e identidade v�o emergir inevitavelmente.

A natureza "virtual" das comunidades virtuais deveria nos prevenir em rela��o a fazer qualquer caracteriza��o simples de suas exist�ncia. Os observadores dessa forma de comunica��o costumam associar o termo com os pr�prios titulares de atos comunicativos. Destarte, freq�entemente ouve-se falar de uma forma particular de comunidade � associada aos MUDs (multi-user dungeons) ou mesmo a grupos de discuss�o da Usenet. Outros, por�m, escolheram uma abordagem diferente. Kumiko Aoki, por exemplo, dividiu o estudo de comunidades virtuais em tr�s agrupamentos: 1) aqueles que coincidem totalmente com as comunidades f�sicas; 2) aqueles que coincidem com comunidades reais em algum grau; e 3) aqueles que s�o totalmente separadas das comunidades f�sicas (Aoki, 1994). Cada uma destas abordagens tem seus m�ritos. Para nossos prop�sitos, entretanto, as comunidades virtuais n�o s�o necessariamente produtos de um meio particular de estruturar a comunica��o, nem mesmo aquelas explicitamente organizadas em rela��o com um espa�o f�sico. Pelo contr�rio, enquanto "corpos" ou "ocupantes" do espa�o conceitual as "comunidades virtuais" devem ser reconhecidas como construtos ideais.

Imagined Communities, de Benedict Anderson, �, nesse sentido, elucidativo: "Todas as comunidades maiores do que as aldeias primitivas, de contato face-a-face (e talvez at� estas), s�o imaginadas. Comunidades devem ser distinguidas, n�o por sua falsidade ou genuinidade, mas pela forma em que s�o imaginadas" (Anderson, 1983, 6). O contexto das comunica��es por computador necessariamente enfatiza o ato de imagina��o que � necess�rio para criar a imagem de comunh�o com outros que, geralmente, n�o tem rosto, s�o moment�neos, ou an�nimos. Questionar-se sobre os aspectos s�cio-psicol�gicos dessa esp�cie de comunica��o � de fundamental import�ncia. As quest�es a seu respeito nos permitem colocar as referidas "agrega��es sociais" de Rheingold em perspectiva e perguntar em que grau estas podem ser vistas como express�es p�blicas ou privadas.

"Comunidade" � termo amplamente utilizado para se referir a um tipo ideal de rela��es sociais conhecido como Gemeinschaft e cujo embri�o se acha nas rela��es individuais de parentesco. (T�ennies 1957, 37). Definido sucintamente, o termo engloba um conjunto de rela��es volunt�rias, sociais e rec�procas, que est�o unidas por um imut�vel "sentimento de de ser um n�s". Gemeinschefat contrasta tipicamente com a Gesellschaft, ou associ��o impessoal. A Gesellschaft � geralmente � referida em rela��o ao sentimento utilitarista que caracteriza a vida moderna, industrial e urbana. A comunidade, ao inv�s, pressup�e a solidariedade entre todos aqueles que a integram: � uma entidade que � vista como "resultado do compromisso, envolvimento, responsabilidade e respeito m�tuos entre a sociedade e seus membros" (Walls 1993, 156).

Destarte, a comunidade � constru�da por um fluxo de informa��o suficiente e significativo de "n�s". Este "n�s", ou a identidade coletiva dele resultante, estrutura-se em volta de "eus" que se v�em como semelhantes. Neste sentido, a comunidade, como qualquer forma de comunica��o, n�o � inteiramente compreendida sem a id�ia de "eu". Essencialmente, isso implica que "o que � necess�rio para a forma��o do indiv�duo � uma organiza��o de atitudes comum pr�pria a um grupo. Uma pessoa � uma personalidade porque ela pertence a uma comunidade" (Mead 1993, 158). Reflete-se nesta perspectiva a tradi��o agostiniana de interioridade, segundo a qual "a identidade mais profunda de uma pessoa � aquela que une a pessoa a seus companheiros humanos: h� algo comum em todos os homens, e ter contato com este elemento comum � ter contato com o seu verdadeiro eu"(Rorty 1991, 196).

Obviamente, assim como a autodefini��o individual motiva nossas rela��es com os outros, ela tamb�m estrutura nossas comunidades: a maneira como se organiza o eu fundamenta o cada esfor�o comunicativo. Ent�o, torna-se muito pertinente a quest�o em saber como as comunica��o por computador afeta a organiza��o do indiv�duo. As comunidades virtuais podem ser vista de maneira mais adequada como formas que se estruturam em volta da identidade pessoal ou da identidade da comunidade? Gostar�amos de crer que a segunda alternativa � a correta: que na cria��o da solidariedade, que atribu�mos a Gemeinschaft, n�s nos tornamos mais sens�veis para com a situa��o alheia. A procura de comunidade torna mais dif�cil marginalizar as pessoas diferentes de n�s. Em contrapartida, a comunica��o por computador pode libertar os indiv�duos do jugo das coa��es tradicionais devido ao acesso � informa��o; projetos individuais e campos espec�ficos de interesse podem ser objetivas de maneira mais f�cil atrav�s de focaliza��es cada vez mais estreitas. Neste contexto, busca-se o eu, mas n�o, como se pensa, na completa ignor�ncia a respeito do outro. Apenas o outro � relegado a condi��o de substrato do eu, do si-mesmo. "Ent�o, o sujeito empenhado entra em conversa��o apenas com a finalidade de firmar a si mesmo de forma verdadeira. A pessoa se relaciona consigo mesma, mesmo quando parece estar se relacionando com os outros" (Taylor, 1991,17).

Parece-nos que este � um perigo particular da comunica��o via computadores. O solipsismo, a preocupa��o extremada e tolerante de uma pessoa com as suas pr�prias inclina��es, � potencialmente engendrado nessa tecnologia. Ocorre uma reifica��o do espa�o privado, quando a vis�o a respeito do mundo pr�pria de uma pessoa age como uma redoma protetora contra a violenta do admir�vel mundo novo da informa��o. Trata-se de uma no��o na qual o outro ainda existe. A import�ncia de nossas rela��es com outros para a afirma��o de nossa auto-identidade jamais cessa, porque "a autoconsci�ncia pressup�e o reconhecimento de si pr�prio na pessoa do outro"(Taylor 1991, 18). Contudo, quando o privado se torna mais abrangente e a imagem de mundo pr�pria de uma pessoa se torna mais fortalecida, pode-se perder a vis�o do outro.

Al�m disso, a interface homem/computador mesma obscurece o palco em que os indiv�duos contracenam: "O 'conte�do' de um meio de comunica��o pode ser comparado ao peda�o de carne suculento que o ladr�o leva para distrair, no caso, o c�o de guarda da mente"(McLuhan 1964,32). A conectividade que as comunidades virtuais formadas via computador nos confere esconde do observador o real car�ter da tecnologia - seus usu�rios existem como indiv�duos que projetam seus eus atrav�s da rede de computadores, mas isolados pela media��o do tubo de raios cat�dicos e do teclado. Disso n�o se deveria extrair conclus�es tais como a de que as comunidades virtuais s�o abrigos de condutas anti-sociais. Nem inferir que as comunidades virtuais atraem pessoas alienadas, ou fomentam um estado geral de anonimato. A �ltima situa��o se aplicaria �s condi��es em que "a maior parte das pessoas n�o mais cr� que est� chegando a lugar algum em rela��o ao que deseja" (Clinard 1964, 5). O fato dos indiv�duos estarem procurando comunicar sua vis�o de eu publicamente � prova em contr�rio. O eu n�o � tudo o que existe. A auto-absor��o ego�sta, conforme a comunica��o via computador pode encorajar, contudo incorpora uma situa��o em que "o outro n�o � realmente outro, mas, na verdade, apenas um momento no meu pr�prio processo de via-a-ser (Taylor 1991, 17).

Nesta situa��o, o sujeito mediado pelas redes, embora consciente, carece da devida autoconsci�ncia.

Assim, as comunica��es via computador revelam um potencial capaz de reificar a identidade pessoal e a da comunidade, e fazer a distin��o entre as duas pode at� ser redundante. Em um trabalho pioneiro no campo da teoria psicanal�tica da comunica��o, observou-se que a comunica��o sempre envolve uma dial�tica entre tend�ncias centr�fugas e centr�petas inconscientes relativamente � auto-express�o (Spitz, 1957). As comunica��es em foco ampliam esta capacidade de forma a, simultaneamente, expressar o "eu" e o "outro", o indiv�duo e a comunidade.

Enfocando o assunto de outro ponto de vista, pode-se dizer que esta dial�tica envolve uma "oscila��o cont�nua entre abertura relativa e fechamento - uma forma flex�vel de ajustar a entrada de informa��o ou mudan�a de entropia" (Klapp 1978, 17). As formas positivas de abertura incorporam os dogmas da solidariedade conforme os entendem o liberalismo: os indiv�duos expressivos e bem informados se beneficiam mutuamente do cruzamento de seus conhecimentos. Assim como existem m�s formas de abertura - quando procede-se � comunica��o de forma indiscriminada e sem dire��o - tamb�m existem, por�m, as boas formas de fechamento. Tratam-se das formas que envolvem a habilidade dos "cidad�os virtuais" (net.denizen) em exercer um auto-controle, em lograrem ser discriminadores e seletivos frente a tanta informa��o. Por outro lado, tamb�m ainda a possibilidade do mau fechamento, quando o indiv�duo se torna insulado, intolerante e isolado.

Baudrillard tem uma vis�o �nica a respeito desta forma de mente fechada, quando afirma que, assim, "todo indiv�duo se v� promovido ao controle de uma m�quina hipot�tica, isolado em uma posi��o de perfeita soberania"(Baudrillard 1988, 15). As comunica��o por computador oferecem, de fato, uma forma deste �xtase de comunica��o. A capacidade rec�m descoberta de se comunicar com um grande n�mero de pessoas com afinidade de pensamento, apesar das barreiras de tempo e espa�o, encobre a� uma "encefaliza��o eletr�nica" de n�s mesmo �s custas dos outros (Baudrillard 1988, 17).

Tentei at� agora iluminar um pouco do conflito entre os conceitos de comunidade e individualidade e dissuadir o leitor de fazer quaisquer suposi��es f�ceis sobre qual dos dois necessariamente se coaduna com a apresenta��o p�blica dos nossos eus privados. Sendo poss�vel tirar alguma conclus�o, provavelmente seria a de que � artificial o "sentimento de sermos um n�s" resultante das comunica��es via computador e sob condi��es de n�o-presen�a. Em geral, � muito f�cil � pessoa, neste caso, ignorar as diferen�as e atribuir sua pr�pria imagem ao outro, ao inv�s de definir sua imagem com refer�ncia a esse outro. Quando a imagem do eu comunit�rio de uma pessoa �, todavia, distorcida, qualquer esperan�a de rela��o verdadeira no estilo Gemeinschaft est� de fato perdida.

Partindo desse ponto, examinaremos em maior profundidade as ramifica��es sociais dessa forma de comunica��o, deixando em segundo plano seus efeitos psicol�gicos individuais, que tiveram maior �nfase at� agora. Deixaremos de lado a �nfase na privatiza��o do p�blico sob um vi�s psicol�gico, visando coment�-la como um fen�meno social. Como disse Baudrillard, "o corpo como um cen�rio, a paisagem como um cen�rio e o tempo como um cen�rio est�o lentamente desaparecendo. Isso tamb�m vale para o espa�o p�blico" (Baudrillard 1988, 19).

Acontece o que com o espa�o p�blico, quando esse � confrontado com um espa�o de conex�o enorme e ef�mero ? Para responder, recorremos agora � no��o de esfera p�blica de Habermas:

"Por esfera p�blica entendemos sobretudo um terreno de nossa vida social onde algo semelhante a uma opini�o p�blica pode ser formado. O acesso � garantido a todos os cidad�os e partes dessa esfera se criam em cada conversa onde indiv�duos privados se re�nem para formar um corpo p�blico." (Habermas 1989, 136)

Habermas projeta sua defini��o de opini�o p�blica no plano da discuss�o informada e da argumento racional. Ao fazer isso, presume que os membros da esfera p�blica est�o aptos a pensar racionalmente por eles mesmos, a organizar suas pr�prias rela��es e a desenvolver opini�es cr�ticas independentes. Destarte, por�m, a esfera p�blica � empobrecida sempre que h� remo��o do discurso p�blico. A eleva��o do privado � algo que ocorre �s custas do p�blico e da capacidade de se chegar a uma opini�o p�blica. A conseq��ncia � uma redu��o das possibilidades de se criar rela��es no estilo Gemeinschaft, se as reconhecermos como origin�rias dos discursos que trocam os membros autoconscientes de uma comunidade.

A garantia de acesso para todos � um importante aspecto da esfera p�blica. Pensando no p�blico como uma forma de vida compartilhada comunitariamente, chega-se � conclus�o de que o ideal desta divis�o s� pode ser obtido atrav�s da a��o comunicativa - a capacidade dos indiv�duos se envolverem em discursos p�blicos substantivos. Nesse caso, a esfera p�blica pode ser vista como uma esp�cie de fa�a ideal da comunidade, imposs�vel de ser obtida se indiv�duos forem exclu�dos do discurso p�blico.

Tentando averiguar a relev�ncia das comunica��es via computador, Garth Graham (1995) afirmou que, nela, o acesso universal inclui a liberdade de se comunicar. A interatividade tem a ver a� com as conex�es humanas, tem a ver com conversa��o, serve para comunidades e indiv�duos, n�o para audi�ncias massificadas.

Tal vis�o de Graham � �til, porque sua no��o de comunidade transcende a daquela formada pelo simples acesso aos meios de comunicar. Tamb�m inclui a afirma��o da opini�o p�blica, a elimina��o dos privil�gios, e a discuss�o e a a��o das normas costumes existentes. Sua vis�o de comunidade eletr�nica �, ao mesmo tempo, igualit�ria e descentralizada. Para ele, n�o se deve deixar o primeiro elemento obscurecer o segundo, porque uma vez obtido algo que se assemelhe ao acesso universal, estaremos enganados pensando que obtivemos tamb�m a forma��o de uma opini�o p�blica, ou do Geist da Gemeinschaft.

O esp�rito de comunidade � algo essencial � vitalidade das comunidades virtuais. Aquilo que mant�m intacta uma comunidade virtual � o crit�rio subjetivo do "estar-junto", um sentimento de conectividade que confere um sentimento de pertencimento aos indiv�duos. As comunidades virtuais s�o pois algo que requer muito mais que o mero ato de se conectar. "Parece que a chave para a forma��o de uma comunidade virtual � a intera��o humana que os computadores e o espa�o para eles designado pelo grupo fomentam" (Lapachet, 1995a).

A qualidade desta intera��o, contudo, deve ser questionada, especialmente � luz dos argumentos anteriores sobre a invas�o do privado sobre o p�blico facilitada pela transforma��o do espa�o social induzida pelas comunica��es via computadores.

Recapitular brevemente uma tentativa pioneira de criar uma forma de comunidade virtual pode nos ajudar a ilustrar o ponto. A Rede Eletr�nica P�blica de Santa M�nica (PEN) foi uma tentativa de estabelecer uma comunidade online, mas uma cujo sentimento de comunidade, visto bem, nunca foi t�o agudo que lhe permitisse ser chamada de comunidade online. Os objetivos da mesma inclu�am o que esperamos encontrar nas comunidades virtuais: um novo tipo de espa�o de encontro p�blico, onde todas as vozes s�o iguais, qualquer um pode falar a qualquer momento, e nenhum pode ser silenciado. Projetados para suprir as necessidades locais da comunidade geogr�fica existente, os sistemas de comunica��o interativa e de informa��o p�blica foram fornecidos atrav�s de uma rede de computador. PEN representou, nesse sentido, "uma rede de computa��o comunit�ria [que] tentou integrar-se na comunidade real a que servia" (Cisler, 1993).

Certamente ela forneceu acesso aos meios de comunica��o. Embora apenas 64 pessoas podiam usar o sistema ao mesmo tempo, existiam mais de 20 terminais p�blicos localizados em bibliotecas, centros comunit�rios, asilos e pr�dios municipais (Valey 1991, 44). O sonho era que um "di�logo entre cidad�os, entre cidad�os e pol�ticos, entre cidad�os e servidores p�blicos [pudesse] ser realizado utilizando-se esse tipo de rede e com menos depend�ncia aos fatores tempo e espa�o" (Alexander 1991, 5). Originalmente, muitos acreditavam que um sistema como este era um passo suficiente para o revigoramento da Gemeinschaft: "Se os cidad�os puderem ao menos se comunicar mais, a discuss�o finalmente se encaminhar� para um consenso" (Dutton & Guthrie, citado em Alexander 1991, 7).

Contudo, como deve ser �bvio agora, a comunica��o sozinha n�o constitui uma comunidade. De fato, existem poucas evid�ncias, se � que existiu alguma, de qualquer coisa que se aproxime de um consenso atingido via esse tipo de experi�ncia. Depois de dois anos de opera��o, apenas dois porcento da popula��o de Santa M�nica usavam o sistema (Alexander 1991, 10). Alguns chegaram a reclamar que a rede n�o era "nada mais que um brinquedo de alta tecnologia, mantido vivo por entusiastas de computadores que n�o t�m nada melhor para fazer" (Varley 1991, 44). A PEN tamb�m foi prejudicada pela falta de envolvimento das autoridades escolhidas para administr�-la. Estas compreendiam uma parte fundamental do todo para quem a PEN foi planejada. Acabou ocorrendo que ela se tornou "objeto das metas competitivas de uma variedade de atores, incluindo grupos de interesse, vereadores, cidad�os e a equipe da prefeitura. Cada um dos atores visava objetivos diferentes" (Alexander 1991, 10).

Desta forma, o di�logo que deveria acontecer entre os diferentes jogadores, como de costume, converteu-se em um mon�logo. Podemos ver, assim, como a pluralidade p�blica dos espa�os privados que a comunica��o via computador facilita se evidencia mesmo num ambiente comunit�rio do ciberespa�o. Os diferentes jogos que cada grupo trouxe para a rede em foco encorajaram a constru��o de "ciberespa�os m�ltiplos", mesmo que dentro de um s� espa�o urbano (Santa M�nica). Vendo atrav�s das lentes do modelo da "presen�a social" para a comunica��o eletr�nica (Short et al. 1967, 65), constatamos que h� uma pluralidade de espa�os onde quer que ela, e n�o apenas no n�vel et�reo da chamada aldeia global:

"Estes ciberespa�os n�o ser�o todos iguais, e n�o ser�o todos abertos para o p�blico geral. [Qualquer] rede � sempre uma plataforma conectada para a conex�o de diversas comunidades, mas ela mesma � apenas uma comunidade muito heterog�nea." (Progress & Freedom Foundation, 1994)

A Gemeischaft (comunidade) obviamente torna qualquer rede mais atrativa do que aquelas que apenas fornecem acesso � informa��o ilimitada. Tal aspecto de uma rede implica, por�m, que a conversa com os outros possa moldar a cultura e a sociologia do espa�o conceitual onde vive o interlocutor eletr�nico. Como o caso da PEN demonstra, no entanto, "as comunidades virtuais n�o s�o aldeias eletr�nicas... muitas comunidades virtuais podem freq�entemente ajudar a criar uma aldeia eletr�nica, mas comunidades virtuais seriam mais voltadas para a comunica��o e para as pessoas, enquanto as aldeias eletr�nicas s�o mais voltadas para o hardware e a conex�o" (Lapachet, 1995b).

Inclusive nestas aldeias eletr�nicas existem formas muito peculiares de comunidade. Observando-as, deve-se perguntar se o problema est� na tecnologia ou no uso que indiv�duos fazem da tecnologia. A tecnologia pode ser considerada a raiz do problema, se as comunidades virtuais forem consideradas uma forma de espet�culo p�s-moderno - ao levar as pessoas para dentro de casa e faze-las pensar que as comunidades virtuais s�o verdadeiras comunidades. Cren�as como essa todavia ocultam o fato de que toda realidade � essencialmente uma quest�o de percep��o e de que isso inclui o grau em que associamos aspectos de nossa vida di�ria com um sentimento de pertencer a uma comunidade.

Por outro lado, tamb�m n�o � totalmente apropriado negar o elemento individual. De qualquer forma, as comunidades virtuais oferecem um meio onde os indiv�duos podem buscar uma nova forma de comunidade, ao inv�s de apenas refugar as existentes. Baudrillard segue em ponto de vista, quando "v� a comunica��o eletr�nica como parte de uma ilus�o hiper-realista na qual nos tornamos prisioneiros no curso de nossa fuga tecnologicamente simulada das ru�nas das comunidades humanas" (Rheingold 1993, 225).

As comunidades virtuais podem ser encaixadas no hiper-real, se admitirmos que, embora carecendo de suas caracter�sticas fundamentais, elas oferecem a apar�ncia de uma comunidade. Freq�entemente se ouvem vozes lamentando a perda das formas tradicionais de comunidade no discurso sobre as comunidades virtuais. Uma das queixas mais populares � a de que "n�o resta mais lugar onde as pessoas possam discutir as realidades que lhes importam, porque elas n�o podem mais se libertar de forma duradoura da presen�a esmagadora do discurso midi�tico e das v�rias formas organizadas de retransmiti-lo" (Debord em Rheingold 1993, 298). Muito desta ret�rica remete a The Great Good Place, de Ray Oldenburg, um trabalho preocupado com a perda do lugar e a fragmenta��o do tecido social na vida americana moderna. "Deixando de lado as oferecidas pela fam�lia, pelo trabalho e pelo consumismo passivo, � pequena e est� se reduzindo a estrutura das experi�ncias compartilhadas", escreve Oldenburg. Conforme escreve Rheingold, "a experi�ncia essencial da vida em grupo est� sendo substitu�da pela autoconsci�ncia exagerada dos indiv�duos" (Rheingold 1991, 25).

Aqueles que trombeteiam a capacidade de mudan�a das comunidades virtuais as v�em como espa�os de uma vida p�blica informal revigorada. No entanto, acreditando haver algum m�rito no questionamento s�cio-psicol�gico das comunidades virtuais por n�s conduzido, n�o se chega t�o docemente a essa conclus�o. Os fatores que fazem a comunica��o via computador t�o atrativa para as pessoas, sua capacidade em nos fazer brincar com a identidade, o anonimato e o distanciamento de tempo e espa�o, s�o os que, nela, impedem a ascens�o necess�ria do Gemeinschaft sobre o Gesellschaft . As comunica��es via computadores medeiam nossas intera��es de forma que nossos eus ciberespaciais sejam muito mais uma extens�o de nossos eus do que uma representa��o de nosso modo de ser autoconsciente. Para sermos autoconscientes, precisamos dar import�ncia ao outro, e n�o h� motivos para acreditar que isso � mais f�cil em um ambiente comunicativo claramente "de muitos para muitos" do que isso o era nas condi��es anteriormente existentes de comunica��o. As pessoas "querem explorar do seu jeito o espa�o social que as envolve" (Debord 1977, 24): isso � muito mais f�cil de ser logrado nas condi��es de uma introspec��o ego�sta. Neste caso, as situa��es de conviv�ncia informal que se apresentam n�o pouco podem fazer para aprofundar uma vis�o mais comunit�ria. Ao contr�rio, a natureza mediada e necessariamente n�o presente das comunica��es via computador pode mesmo promover o estado solips�stico da consci�ncia lamentado por Oldenburg.

Nesse enfoque, parte-se da id�ia de que, quando indiv�duos mudam-se para novos lugares, eles aprendem novas coisas a respeito de si mesmos com algum ceticismo. Garth Graham (1995) afirma que isso ocorre nos estranhos lugares do ciberespa�o - as pessoas optam por entrar e sair de muitas comunidades, com muitas normas e valores diferentes. Integrar cada uma destas comunidades requer que o indiv�duo fa�a ajustes pessoais. Destarte, ao inv�s de simplesmente aceitar que a adapta��o cultural � ben�fica, a pessoa pode preferir ficar circulando por espa�os que n�o lhe pare�am t�o estranhos, engajando-se em um processo de pura e simples auto-legitima��o. Para reduzir a disson�ncia cognitiva, as pessoas envolvidos em experi�ncias de aprendizado potencial tendem a se comprometer apenas com uma exposi��o seletiva individualizada.

A exposi��o seletiva provavelmente �, com efeito, o mecanismo heur�stico ou atalho mental mais comum que os indiv�duos usam para simplificar o processamento de informa��o que recebem do mundo. Costuma-se us�-la para criar um ambiente de informa��es de apoio, enquanto persegue-se uma orienta��o concordante com nossas atuais vis�es de mundo. Faltam motivos para crer que as pessoas agiriam diferentemente do usual quando se confrontam com as informa��es do ciberespa�o. A natureza desta informa��o, que freq�entemente aparece fora de contexto, pode fazer o processo de cria��o do balan�o cognitivo ainda mais f�cil. Para criar esse balan�o, em termos t�picos, ou se ignora a informa��o que � contradit�ria em rela��o ao que j� � sabido, ou de alguma forma se adapta a informa��o recebida de forma a se encaixar em nosso corpo de conhecimentos.

Surpreende que, suplantando sua primeira caracteriza��o de comunidade online, Graham (1995) fa�a refer�ncia ao seguinte aspecto da comunica��o via computadores: "Talvez de forma inconsciente, nossas escolhas s�o tomadas conforme o grupo. Em outras palavras, at� a forma como ele � percebido, a sua 'fisicalidade' �, at� certo grau, auto-selecionada." O diagrama apresentado abaixo � parcialmente calcado nesta cren�a; � uma adapta��o do modelo desse autor sobre a forma como se deve apresentar uma comunidade estruturada via comunica��o por computadores:






Para nossos prop�sitos, podemos considerar o eixo do processo como o que lida com as din�micas sociais, ou a extens�o em que o que est� em jogo � Gemeinschaft ou Gesellschaft . J� o eixo do contexto lida com a estrutura��o dos interesses. Podemos considerar esse esquema para resumir a dial�tica entre o eu e o outro, ou o privado e o p�blico. O ponto central de equil�brio � uma meta ut�pica, o ponto em que o indiv�duo se realiza completamente dentro da comunidade.

Graham (1995) aponta que, em um n�vel b�sico, tal modelo descreve qualquer discuss�o informal, mas seu lugar no ciberespa�o revela que "as conversas mediadas por computador s�o auto-referenciais... [As comunica��es via computador revelam] a natureza din�mica da estrutura de uma comunidade que se auto-organiza."

Como qualquer tentativa de mapeamento precisa admitir, o modelo acima s� pode ser preciso se servir como entendimento do espa�o conceitual em que nos envolvemos. Obviamente, as descri��es dos quatro setores que ali aparecem n�o s�o fixas, porque qualquer intersec��o de dois pontos diferentes pode configurar uma impress�o diferente da natureza da comunidade envolvida. Portanto, conviria que n�o nos content�ssemos com uma representa��o rudimentar das agrega��es sociais; precisamos combin�-la com a representa��o de como se foram essas unidades sociais. "A sociedade n�o apenas continua a existir pela transmiss�o, pela comunica��o, mas pode ser dito com justi�a que existe na e pela transmiss�o, na e pela comunica��o" (Dewey, 1916, 5).

Podemos dizer que isso tamb�m serve para a comunidade. Destarte, a cultura das comunidades virtuais pode ser formalmente averiguada relacionando-se o ato comunicativo ao ambiente mais amplo em que ele ocorre. Relacionar a comunidade ao ato simb�lico de comunicar � algo �til, porque a conting�ncia da comunidade est� ligada � conting�ncia da identidade, e a identidade, como j� foi indicado, depende dos meios pelos quais nos comunicamos.

Habermas pode nos ajudar neste ponto, visto seu tratamento da comunica��o tamb�m ser dividido em quatro dom�nios:






Ao consideramos as comunica��es por computadores, precisamos tratar com muita seriedade o mundo interno da pessoa que se comunica, o reino da subjetividade, principalmente quando se descobre ser ilus�ria situa��o dos atores autoconscientes que exercem uma "soberania no processo de informa��o". Nesta situa��o, os pensamentos, os sentimentos e as percep��es mais internos dos atores produtores de cultura s�o algo muito importante. Mesmo assim, conviria notar que n�o se pode simplesmente reduzir as comunidades virtuais a uma dial�tica entre as formas de observa��o subjetiva e objetiva da realidade s�cio-cultural. Diferente das comunidades "reais" f�sicas, a "verosimilhan�a" das comunidades virtuais � problem�tica: o "virtual", no termo, implica a obriga��o de [cada um] internalizar a defini��o de comunidade e que essa n�o pode ser externalizada em algo objetivo e espec�fico.

Assim sendo, baseado em que mais propriamente se estruturam as comunidades virtuais? Embora a linguagem e as normas sociais certamente contribuam para a concep��o do termo, elas n�o o esgotam totalmente. Sem d�vida, o campo da natureza externa � desprovido de qualquer utilidade pr�tica para tanto, e restringir o termo "comunidade virtual" ao campo da subjetividade dos atores sociais tampouco � aconselh�vel: neste caso, abrimos guarda �s inevit�veis cr�ticas � doutrina da relatividade absoluta da verdade. Talvez, ent�o, a compreens�o mais completa do termo possa ser alcan�ada situando-o no pr�prio ato comunicativo. Se, como vimos repetidamente, a natureza da comunica��o mediada por computadores afeta as rela��es sociais de seus participantes, talvez se possa realmente dizer que o "meio � a mensagem."

Neste ensaio, tentou-se mapear um extenso territ�rio n�o demarcado. O car�ter �nico da infra-estrutura das comunica��es por computador as novas formas de rela��es sociais por ela ensejadas levantam quest�es urgentes acerca da comunica��o e da comunidade, que precisam ser criticamente interrogadas. Isso precisa ser feito, contudo, de uma maneira que deixe espa�o para a negocia��o com a tecnologia e que n�o atribua de modo excludente a eventual forma superior de consci�ncia nem as situa��es de conectividade comunit�ria, nem as situa��es que tipificam o individualismo isolacionista. Antes disso, as comunidades virtuais precisam ser vistas como entidades codeterminadas pelas for�as tanto da Gemeinschaft quanto da Gesellschaft. � esse aspecto que as torna lugares cruciais em que se redefinem, ao mesmo tempo, o p�blico e o privado, o "eu" e o "outro"; lugares cruciais, portanto, para a investiga��o posterior das sempre crescentes possibilidades de intera��o humana.




Tradução de Ana Luisa Callegari Basso e Morgana Rissinger. Revisão de Francisco Rüdiger.




"Community and identity in the electronic village". In David Porter (org.): Internet culture. Nova York: Routledge, 1997, p. 23-37. Derek Foster é Ph.D em estudos de comunicação pela Carleton University.




Volta à página inicial