Máquinas de sexo, seres humanos e entre ambos
Chris Gray |
Dildônica "Agora era minha vez. Na verdade, eu estava um pouco apreensiva, apesar de tudo que já haviam me falado. Pensei: "Deve ser incrível como ter uma broca pneumática dentro de você". Meu marido me segurou e Dave ligou a eletricidade, bem devagar. No começo eu senti absolutamente nada. "Grande negócio - pensei - é como na primeira vez que eu transei: e então, é só isso?" Mas logo ele aumentou a força, e a sensação me atingiu. Eu me vi numa montanha russa, subindo devagar e descendo numa velocidade alucinante. Eu passei dos limites. Múltiplos orgasmos borbulhavam em meu corpo. O tempo, o espaço, as pessoas na sala deixaram de existir. Havia apenas lábios, mãos e uma coisa humana insaciável dentro de mim, penetrando mais e mais."
Jessica West
"Em cinco anos, o pênis estará obsoleto."
- Um negociante do ramo da corpomorfia,
personagem da novela Steel Beach, de John Varley A "coisa insaciável" dentro de Jessica West não era exatamente "humana". Mas sim um realístico pênis de borracha, acoplado num assento de vinil - parte de uma máquina de sexo chamada Sybian. O nome vem da cidade de Sibaris, na Grécia Antiga, famosa por seus cidadãos, amantes do prazer. A máquina é complexa, tem um motor de dois cavalos com controles separados para vibração e rotação, e custa US$1.395. Segundo seu inventor, um pioneiro instrutor de dança chamado Dave Lampert, foram necessários quatorze anos para projetá-la. Ele rejeita o rótulo de "brinquedo sexual" para o que na verdade é um pênis robótico com capacidades muito acima das de qualquer membro natural. "É o que há de mais avançado em intercurso artificial!", ele proclama. O que pode ser verdade, mas não é nem o primeiro nem a último. A maioria das visões do sexo cibernético são virtuais, e concentram-se nas tecnologias de telefonia e modem de computador, e nas promessas futuras da teledildônica, com casacos sensíveis e luvas de dados. Porém, o acontecimento mais importante no desenvolvimento sexual hoje em dia é a proliferação e a crescente sofisticação do sexo entre homens e máquinas. Os instrumentos sexuais têm uma longa história. Próteses penianas de metal, chifre e madeira são descritas já no Kama Sutra. Os gregos e romanos antigos, por sua vez, usavam consolos (olisbos em grego) de couro tanto para penetração hetero como homossexual. As mulheres em Lisístrata, de Aristófanes, que encenavam uma greve de sexo para forçar seus homens a acabarem com a guerra, lamentavam que: "Desde o dia em que os habitantes de Mileto nos deixaram na mão, não deixei de pôr os olhos em nenhum olisbos que pudesse nos dar seu auxílio carnal". Mesmo há milhares de anos atrás, brinquedos sexuais também eram instrumentos de política. Muitas culturas inventaram consolos, inclusive os bisayan das Filipinas, os hausa da África e os japoneses. Eles podem ser feitos de qualquer metal do ouro ao chumbo, de marfim ou chifre de búfalo, ou ainda de madeira - desde que sejam anatômicos e limpos. Várias argolas ou um tubo inteiro, seguro por um cinto, podem ter sido usados como prótese para fortalecer e aumentar o pênis (lingam, símbolo fálico usado no culto ao deus Shiva), também. O Kama Sutra vai ainda mais longe, ao recomendar que eles podem ser projetados para se ajustarem a vaginas específicas. E para o caso de alguém ser pego "despreparado", o livro observa, tranqüilizadoramente, que um apradravya pode ser improvisado com materiais que estejam à mão, como um junco, um porongo ou um galho de macieira. Falos ritualísticos são até mais comuns, e muitos deles são usados para atos sexuais, tanto sagrados como profanos. É apenas um pequeno passo, de modelar o pênis com um consolo ou fortalecê-lo com uma prótese, para modificá-lo por meio de cirurgia e implantes. Na literatura erótica e antropológica, próteses penianas, consolos para atos sexuais, mutilações e enxertos penianos são quase sempre descritos conjuntamente. Mutilações e ampliações do membro masculino variam desde perfurar simples buracos até um processo complicado de espancá-lo com os pêlos de "certos insetos que vivem em árvores", lubrificando-o com óleo e suspendendo-o através de um buraco em um balanço, por um período de dez dias para fazê-lo aumentar permanentemente. Esses dois grosseiros processos são mencionados no Kama Sutra. Tatuagens, cicatrizes e a inserção de cristais, ossos e metais de vários tipos e formas eram também muito difundidos em várias culturas e estão retornando quase que por completo no mundo industrial. Hoje qualquer um pode encontrar salões de piercing na maioria das grandes cidades do mundo e em muitas cidades do interior norte-americano e europeu - até em Great Falls, Montana. São os consolos que têm sofrido as mais espetaculares mudanças através do tempo. O falo artificial, até então inerte, tem sido aperfeiçoado, começando com a tecnologia a vapor e água, há mais de cem anos atrás. Os primeiros vibradores à vapor e água foram inventados para mecanizar o tratamento padrão para histeria feminina: orgasmos fisicamente assistidos. Masturbar o clitóris e/ou a vulva de pacientes do sexo feminino como tratamento para a histeria e outras moléstias femininas é algo que remonta a tempos clássicos, no mínimo. A meta era produzir um "paroxismo histérico" para liberar energia represada. Isso era muito comum nos séculos XVIII e XIX e consistia em uma tarefa complicada para alguns médicos que acolheram vibradores a vapor como o "Manipulator", inventado na década de 1860, e várias duchas pélvicas como hidroterapia. Estes tratamentos não eram vistos como sexuais, pois não envolviam penetração vaginal. Contudo, uma minoria de médicos era contra estas práticas por não considerá-las, de fato, uma espécie de tratamento, mas sim um ato sexual. E muitos outros advertiam que esse era um procedimento que apenas médicos da mais alta moral poderiam praticar. A década de 1890 viu o desenvolvimento do vibrador elétrico, que era muito mais barato do que as máquinas a vapor-e-água. Pelo fato da histeria ter sido geralmente aceita como uma condição real e porque o consolo era apenas uma dentre tantas máquinas eletroterapêuticas, seus aspectos sexuais permaneceram "camuflados" por muito tempo, até que a venda de consolos para o público em geral e o colapso dos diagnósticos de histeria acabaram com esse pretexto. Por volta de 1913, anúncios em algumas revistas femininas como Modern Priscilla ofereciam vibradores que proporcionavam "30 mil estremecedoras, revigorantes, penetrantes e revitalizantes vibrações por minuto....você sentirá um irresistível desejo de possuir um e sentir o vívido e pulsante toque de seu movimento rítmico e vibrante". Vibradores eram ainda vendidos como "massageadores suecos" e como auxílios quase-medicinais até a revolução sexual dos anos 60 (dependente das tecnologias de contracepção em vigor) - tornar possível proclamar abertamente sua função sexual. Essa transição da terapia sexual para brinquedos eróticos marca uma mudança na forma como o prazer é concebido na sociedade ocidental. Ele passou de um problema médico para uma questão de escolha do consumidor. Na China antiga, algumas almas aventureiras inventaram as bolas ben-wa, esferas de certos tamanhos, composições e pesos específicos, que se movimentariam dentro da mulher ao ritmo do seu corpo, produzindo prazer. Elas foram modificadas hoje em dia a fim de incluir ovos sexuais à controle remoto, o primeiro exemplar de maquinaria sexual sem um análogo orgânico. A maioria dos brinquedos sexuais são biônicos, quer dizer, baseados em órgãos naturais existentes capazes de respostas sexuais. Mais tarde, graças aos avanços na modelagem de plásticos, houve uma proliferação de vaginas, pênis e outros órgãos, artificiais, ainda que fiéis, copiados das estrelas pornô, incluindo bonecas em tamanho natural como a Milk Maid (Ordenhadora), com seios que esguicham, bem como com dois buracos vibráteis com "sucção profunda". Existe também a Ms. Perfection (Senhorita Perfeição), uma "réplica perfeita de uma mulher real", com ação rotatória vaginal, por apenas US$93,95. A Ms. Perfection, como pode ser notado, é apenas uma vagina e um ânus. É assustador pensar que isso possa ser a versão de perfeição feminina ou de uma mulher real para alguém. Brinquedos sexuais podem ser auxílios maritais, eles podem confortam a solidão, e estão ainda relacionados com as próteses penianas discutidas no capítulo 7, mas o seu uso mais importante é simplesmente como uma útil interface para humanos que, em consenso mútuo, buscam comunhão. Uma mais drástica intervenção é possível para aqueles que buscam harmonia entre seus gêneros físico e psicológico. É o que chamamos cirurgia de mudança de sexo. Transexualidade "Talvez seja apropriado não caracterizar o movimento intersexuado como outra espécie de identidade política, mas de preferência como um projeto tecnológico libertador buscando mais e melhores opções para o consumidor no mercado da modificação corporal."
- Stephanie Turner
Uma professora da Universidade do Texas em Austin, Allucquere Rosanne "Sandy" Stone demonstra em suas apresentações acadêmicas as implicações de movimentar o clitóris para a palma da mão. Imagine quão surpreendente é observar este belo e dinâmico ciborgologista transexual seduzir uma massa de professores resistentes e de estudantes acadêmicos mais solícitos com várias brincadeiras e insights (o que poderia significar apertar as mãos?) convertidos em um cântico sustentado ritmicamente enquanto esfrega a palma da mão em direção a um dramático orgasmo. Uma das (muitas) questões de Stone é tentar levar seu público a confrontar-se com a realidade do que transições ciborgues como cirurgias de mudança de sexo significam para o nosso futuro, sexual ou de outro modo. Sua insistência é muito mais poderosa por causa de sua própria transição de homem para mulher. Um de seus principais focos é a relação entre personalidades virtuais e a construção da subjetividade que a cirurgia transexual possibilita. Ela argumenta que o ciberespaço permite às pessoas manipular sua identidade sexual assim como na cirurgia de mudança de sexo, e ambos combinam-se para desafiar aquelas hipóteses chaves da cultura Ocidental - que "biologia é o destino" e que o destino é binário: ou menino ou menina. Uma atenção cuidadosa para as realidades biológicas já tem minado com rigor essa visão de mundo binária. Anne Fausto-Sterling, uma analista de vanguarda das categorias sexuais, tem demonstrado por anos que existem pelo menos cinco sexos: macho, fêmea, e três tipos de hermafroditas, verdadeiro (true), pseudo macho (merms) e pseudo fêmea (ferms). Ela admite que mesmo esses são um tanto arbitrários e que "sexo é um contínuo vasto, infinitamente maleável que desafia as limitações dessas cinco categorias". Alguém pode considerar que qualquer uma dessas arranjos biológicos pode dizer respeito a pessoas cujo desejo é homossexual, bissexual, ou heterossexual, e que qualquer uma dessas disposições também pode pertencer a pessoas cujo gênero não se ajusta a sua biologia. Muito bem, uma matemática bem simples diz que cinco vezes três, vezes dois é igual a trinta. E então você criou celibatários, aqueles que não gostam destas categorias, aqueles que não se encaixam nelas, e assim por diante. E então existe a ciência ciborgue, pronta para mudar gêneros ou mesmo criar outros novos. Uma variedade de influências tem desafiado nossas crenças culturais sobre a imutabilidade do gênero e do sexo, incluindo a rejeição feminista aos papéis sexuais, ajudada e instigada pelo "novo" homem que troca fraldas e tem sentimentos; a expansão do ciberespaço, onde as pessoas podem escolher seu próprio gênero; o movimento dos direitos dos homossexuais, mais ameaçador de todos para aqueles que se sentem ameaçados por seus próprios desejos; o movimento transexual; e a revolta dos intersexuados. Os intersexuados são hermafroditas, pessoas que nasceram com uma genitália ambígua e/ou anomalias cromossômicas ou hormonais. Estimativas sobre o quão comum isto é geralmente começa em 4% e por aí avança. É uma categoria inexata. Os médicos fazem a cirurgia de mudança de sexo em bebês garotos cujos pênis são muito pequenos (6 mm), e em garotas cujos clitóris são muito grandes ou quem de outro modo tem uma genitália misturada. Contudo, se uma garota parece capaz de reprodução, ela geralmente é deixada intacta. Os pais das crianças que são consideradas boas candidatas à intervenção cirúrgica são pressionados para realizar essa cirurgia o mais rápido possível - aparentemente "para o bem da criança", mas a confusão social também parece ser um fator importante. A instituição médica dá muito peso para a teoria de que na medida em que o gênero é socialmente construído, uma criança poderia ser socializada de modo a aceitar qualquer gênero que o cirurgião escolha. Mas consideremos o famoso caso de um garoto, gêmeo, cujo pênis foi amputado depois de uma infecção resultante de sua circuncisão. O gêmeo ileso cresceu como um garoto. Seu irmão mutilado foi submetido à cirurgia de mudança de sexo (a remoção dos restos de sua genitália masculina e a construção de uma vagina), tratado com hormônios femininos, criado como uma garota; parecia ter dado certo. Mas ninguém se preocupou em acompanhar a pequena "menina" depois de seus primeiros anos, até que o Dr. Milton Diamond and Keith Sigmondson a encontrassem, já adulta. Descobriu-se que ela sempre tinha se sentido como um garoto, que cresceu e exigiu seus registros médicos, procurou a reafirmação sexual através de hormônios, casou com uma mulher e se tornou um padrasto. Tanta coisa por se impôr gênero a alguém com um bisturi afiado. Esta revelação se tornou o âmago de uma crescente revolta de crianças que descobriram que haviam nascido "intersexuadas" e lhes havia sido atribuído um gênero ou outro, dos pais destas crianças, e das pessoas intersexuadas cujos pais haviam resistido ao modelo médico de determinação. Em 1996 a Sociedade Intersexual da América do Norte realizou um protesto no encontro da Academia Americana de Pediatria contra a imposição da determinação de sexo, proclamando-se a si próprios como "Hermafroditas com Atitude". Eles encontraram aliados dispostos entre alguns profissionais médicos, entre certo número de acadêmicos que estudam os gêneros, e entre muitas feministas, especialmente um grupo de ativistas transexuais que haviam se organizado ao redor dos direitos dos transexuais de controlar seus destinos médicos e suas auto-definições. Se você despende tempo suficiente com transexuais, bissexuais e "bebês" lésbicos, experienciando a partir de ideais feministas, celibato, ativismo transexuais e assim por diante, você começa a pensar fora dos termos binários. Você não supõe que o companheiro de alguém seja do "sexo oposto". Você não tenta arranjar suas amigas com "homens solteiros" ao menos que você saiba que é isso que elas querem. Você não tenta adivinhar a opção sexual das pessoas (exceto se for uma brincadeira) porque o funcionamento de gênero e política é algo bastante complicado. Anne Balsamo, em Technologies of the Gendered Body afirma que a proliferação de gêneros potenciais na realidade reforça a antiga dicotomia macho/fêmea e o sistema patriarcal sustentado por esta: "em hardware, software, e wetware torna-se claro que a liberação de poucos é adquirida ao custo de muitos. Estes estágios tecnológicos são de fato profundamente conservadores." Até agora poucas tecnologias são puramente reacionárias ou libertárias, pois tecnologias não são mais puras do que os humanos e ciborgues que as constróem. Em outras palavras, elas não são puras em seu todo. A visão de Balsamo é indelicada e parcial. Em alguns casos, algumas vezes, as tecnologias ciborgues reificam as relações sociais, conservando as hierarquias de gênero, classe e raça. Mas justo com freqüência elas agem ao contrário, como o trabalho (e a vida) de Sandy Stones prova. Pat Califia confecciona uma extensa argumentação em Sex Changes: The Politics of Transgenderism que também refuta as reivindicações de Balsamo. Ela demonstra que a transexualidade é profundamente política, não em termos de um grupo "oprimido" atingindo sua liberdade, mas sim de indivíduos encontrando o potencial libertador em novas maneiras de pensar a respeito de suas identidades sexuais. A tecnologia é uma prótese mental. Simplesmente a possibilidade da cirurgia de mudança de sexo serve como uma ferramenta psicossocial para que as pessoas repensem suas identidades sexuais, mesmo que muitos não precisem desta cirurgia. Este é apenas o começo. Uma vez que a transição de homem para mulher seja rotina, as pessoas vão facilmente avançar e recuar. Jonh Varley explorou um futuro possível com acesso fácil à cirurgia transexual em seus romances e contos, especialmente em Steel Beaches e "Options". "Options" apresenta dois amantes que mudam seus sexo por motivos tanto positivos como negativos, experienciando alienação, realização, e a complexidade do gênero. Não é horrível mas antes excitante. Se isto parece estranho, compare com os exóticos possíveis futuros do sexo. Sexo no Futuro Os humanos através dos tempos têm construído coletivamente os valores que dão forma aos corpos que temos hoje. Ainda que regras e rituais tenham variado amplamente, entre diversas culturas diferentes, os corpos que elas produziram foram idênticos e os gêneros que elas construíram foram quase similares. Hoje, a construção de gênero é mais do que cultural, porque a produção de corpos se dá com a adaptação de dispositivos mecânicos. No futuro, muitos sexos diferentes são prováveis de serem produzidos, impelidos pelo desejo (de criar e viver) e do medo (da morte e da esterilidade). Se a engenharia e a invenção são valorizadas acima de tudo, é porque elas são vistas como verdadeira procriação; se a morte é tão temida, é devido à morte da fé; e se a guerra é assumida como inevitável, é porque a masculinidade ainda é determinada em torno dela. Esse deslocamento na ênfase da produção de gêneros para a mudança e inovação sexual conduziu para uma nova variante do complexo do corpo americano, com sua própria "dupla lógica de próteses... pânico e excitação". Entre os homens, especialmente, pânico e excitação descrevem muitas experiências sexuais, embora emoções mais mundanas provavelmente predominem. Mas se as próteses nos aceleram em direção ao futuro, haverá, de fato, uma alteração inevitável do corpo, e novos gêneros, novos sexos, serão elaborados a partir de seus novos corpos. Como isso pode ser? Está a anatomia pronta para ser dominada? Certamente sim. Como Thomas Laqueur aponta em sua história seminal, Fazendo sexo: corpo e gênero desde a Grécia até Freud, a anatomia não é destino; ela é ambigüidade e aporia. Em sua pesquisa, ele descobriu "a incoerência fundamental de categorias fixas e estáveis de dimorfismo sexual, de macho e/ou fêmea". Por muito tempo da história ocidental houve apenas um sexo (macho), do qual a fêmea era apenas uma variação. A regra da existência de dois sexos e a idéia de que "genitálias importam como marcas de oposição sexual" foram apresentadas às "tradições milenares da medicina ocidental... apenas na semana passada". Laqueuer mostra que em tempos diferentes vários códigos sexuais foram impostos, seja a "biologia de hierarquia" de um sexo, ou a "biologia de incomensurabilidade" de dois sexos, ou, como em alguns argumentos feministas, "o clamor de que não há nenhuma diferença sexual publicamente relevante, que não existe isto que se costuma chamar de 'sexo'". Hoje, a erótica dos ciborgues promete a verdadeira construção biônica de diversas sexualidades e sexos. Com a cirurgia transexual, com complicados auxílios sexuais mecânicos e com a mágica virtual da teledildônica, a identidade sexual é mais plástica do que nunca. Assim como anatomias são modificadas, também os são os gêneros, pois "anatomia é epistemologia", como afirmam Lisa Moore e Monica Clark. A espistemologia ciborgue é "tese, antítese, síntese e prótese"; gêneros binários são derrubados por anatomias ciborgues. Os modelos de um-sexo ou dois-sexos foram definidos pelo machismo. Tanto modelos assexuados como de muitos sexos brigam por uma nova série de relações de poder em torno do corpo erótico, com possibilidades para incríveis deslocamentos e prazeres. Com a ascensão do corpo ciborgue, a significação do corpo está novamente aberta à contestação. Anna Tsing, a antropóloga, publicou uma chamada para "Fetiches Responsáveis" na Conferência Antropológica Americana de 1998. Nós podemos ser escravos de nossas paixões, o que não significa que devemos exercê-las sem responsabilidade, honestidade, tolerância, humor e humildade. Mark Dery dá um bom exemplo ciborgue de fetichismo responsável quando ele escreve sobre o movimento underground de fãs para rever/revelar o personagem Borg de Jornada nas Estrelas como gay. Eles são os Slash Borg e seu slogan é: "Resistência é fértil!" Seu lema: "Diversidade infinita em combinação infinita", bem poderia ser um grito para gêneros tolerantes e fluidos ao invés de uma guerra dos sexos. Os homens podem ser de Marte e as mulheres de Vênus, mas há o resto do universo para se pensar a respeito. Ciborgues são de todos os outros planetas. Não importa a preferência ou fetiche, nós devemos agir responsavelmente para termos um futuro tolerável. Se a tecnociência contemporânea continua em seu curso ciborgue, nós podemos confortavelmente predizer os muitos caminhos que serão tomados. A julgar pelos sonhos de escritores e cientistas e os planos de burocratas e oficiais, nós podemos esperar guerra e ciborgues espaciais para realizar aquelas fantasias do "homem de aço" forjadas nos campos de batalha da guerra moderna. Nós também podemos predizer que a medicina irá nos presentear com ciborgues machos e fêmeas reparados e aperfeiçoados, incluindo tanto homens mais "machões" e fêmeas "supermães" assim como uma transição corporal muito mais fácil entre os dois sexos e, talvez, com possibilidade de retorno. Finalmente, o ciborgologismo poderia muito bem ser uma ponte para diferentes tipos de pós-humanos, alguns com corpos masculinos, outros claramente femininos, outros que ainda são hermafroditas, e ainda pessoas que serão quase sem gênero. E haverá novos sexos. Tem havido uma grande vantagem evolucionária para os seres que desfrutam do dimorfismo sexual, com os quais se produz novas e evolutivas combinações úteis. Agora que os humanos estão caminhando para a evolução participativa, existem aqueles que vão dizer que nós não mais precisamos de corpos masculinos e femininos. Devemos ser orgulhosos de tal atrevimento. A maioria das pessoas não é capaz nem mesmo de planejar, predizer ou controlar seu próprio futuro, pois que deixem a trajetória evolutiva das espécies dominantes do planeta seguir por si mesma. Apesar de todos seus problemas, os corpos masculino e feminino permanecem como as situações-chave para a procriação e recreação humana, bem como para todos os novos sexos. Macho/ fêmea pode ser apenas um código, mas isto constitui parte de nossos prazeres e nosso futuro. Nós podemos adicionar novos gêneros a eles, mas não podemos descartá-los antes do tempo. As inacreditáveis fantasias tecnoeufóricas a respeito do sexo no futuro contrasta com a expansão do que Arthur e Marilouise Kroker chamam o "cinismo" ou o "pânico" sexual sob o signo da AIDS. Uma maneira dos Krokers expressarem tais emoções conflitantes como a euforia e o cinismo é através de suas pirotecnias retóricas. Não se preocupe se for difícil de decifrá-las numa primeira leitura; deverá ser, se tiver alguma relação com a nossa complicada realidade: "O resultado é a produção de um sexo cínico, do sexo por si próprio como uma situação ideológica de desacumulação, perda, e do sacrifício como o signo perfeito de uma cultura niilista onde o corpo promete apenas a sua própria negação; onde a conexão previamente reflexiva entre sexualidade e desejo é destruída pela visão sedutora do sexo sem órgãos - um sexo hiperreal, substituto e telemático como aquele prometido pelo sexo por telefone computadorizado do sistema Minitel na França - como a última experiência fora do corpo para o fim do mundo; e onde o terror das superfícies arruinadas do corpo manifesta-se imediatamente em seu oposto: a êxtase da catástrofe e as boas-vindas de um sexo sem secreções como um sinal irônico da nossa libertação." Mas isto não é realmente "um sinal irônico da nossa libertação", e sim um sinal de uma libertação irônica. O sexo no futuro sem dúvida conterá o pânico de catástrofe e sexo sem secreção, mas também pode oferecer muito mais. Então qual é a última fantasia ciborgue? Perversidade polimórfica? Ultrapassar o corpo? Para muitos é simplesmente recuperar o que foi perdido, como a mania do Viagra de 1998 revelou com slogans como "Deixe a dança começar", e "Seja capaz de responder naturalmente mais uma vez". Isto na verdade soa mais apelativo do que o descabido sonho de sexo do autor Anton Wilson com uma Marilyn Monroe virtual ou mesmo as mais novas ciber-fusões que foram tão bem visualmente representadas no filme O passageiro do Futuro (Lawnmower Man). Mas cada caso, um caso. Depois disso tudo, existe um espaço virtual chamado FuzzyMoo, onde todos os avatares são pequenos animais com fetiches sexuais lindos e carinhosos, como raposas que desejam hamsters e coisas do tipo. Se o presente é confuso, o futuro será muito mais. A líder extropiana Natasha Vita More supõe: "Na sociedade de hoje existem bissexuais, transexuais, homossexuais, assexuados e intersexuados. Em breve existirá os negasexuados, solosexuados, tecnosexuados, pós-sexuados, multisexuados, RVsexuados ou mesmo as velhas e comuns sexualidades que permanecem nostálgicas no século XX... A possibilidade é que poderemos ter tantos gêneros quanto as cores do arco-íris ou tantos tipos de genitália como a diversidade das flores." Talvez a sexualidade irá simplesmente "passar de fase", ela medita. Mas, conclui, o pênis não poderá se tornar obsoleto, no fim das contas - ao menos pelas próximas décadas. O termo de Freud "perversidade polimórfica" parece se aplicar mais ao futuro do sexo adulto do que sua aplicação prévia à sexualidade na infância. Talvez existirá uma reação puritana à proliferação da escolha sexual. Poucas coisas assustam algumas pessoas tanto como o prazer sexual. Os estudos que mostraram que os mais violentos homófobos homens estão reprimindo seus próprios desejos homoeróticos são um caso em questão. Imagine o que estes homens pensam quando os cientistas implantam pequenos aparelhos de medição de ereção em seus pênis, e então, por conta própria, insistem em excitarem-se com as fotografias de homens nus. Se assim é como um pequeno auto-conhecimento afeta algumas pessoas, o recuo contra as promessas e desestabilizações do sexo ciborgue pode ser radical. Afinal de contas, Wilhelm Reich e outros demonstraram que a energia sexual reprimida abastece o fascismo. Tenhamos esperança que a raiva e a insatisfação encontrem outras vazões, assim como as injustiças do trabalho ciborgue, que é o tema do próximo capítulo. Traduzido por Alan Neiva dos Santos e Carolina Beal com colaboração de Guilherme Pilla. |
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