Gozando Futuro Afora* Sadie Plant |
O sexo virtual tem sido definido como algo seguro e s�rdido, sustent�culo maior de um prazer descarnado, livre de contato e sem secre��es, que existe em uma zona de total autonomia. Tratar-se-�a de um ambiente livre de efeitos colaterais e das complica��es das verdadeiras rela��es sexuais: DSTs, gravidez e abortos, al�m das tristes obriga��es das necessidades emocionais. Um circuito fechado, selado em outra parte, um espa�o virtual para ser acessado � vontade. Se a pesquisa e desenvolvimento t�cnicos continuam a ser preenchidos por tais esperan�as ut�picas, conv�m notar que h� tamb�m um sentimento no qual o sexo cibern�tico parece "anticlim�tico" mesmo antes de ter come�ado e que soa como um contratempo para o seu avan�o. O cl�max � o que sempre ir� faltar na ponto cibern�tico, que � menos um auge do que um plat�. O auge da experi�ncia � a novidade de ontem. Quanto � comodidade e � seguran�a do cibersexo: sexo em "MOOs" pode ter perigos imprevistos em si pr�prios, mas o sexo cibern�tico e tudo aquilo que ele envolve � t�o c�modo e contido quanto a uma guerra virtual. da qual j� � um efeito colateral. O cibersexo introduz o apagamento da interface homem-m�quina, uma imers�o que lan�a o antigo indiv�duo em uma rede pulsante de mudan�as, que n�o � nem clim�tica e limpa, tampouco segura. Qualquer um que acredite que as telas de computadores se fundam para produzir um ambiente seguro deveria ler o cyberpunk mais uma vez: "� tudo o que l� estava: apenas linhas", disse Travis. "Conectemo-las diretamente entre si. Redes, sangue, mijo, e merda. Do jeito que a camareira do hotel os encontrou" (Cadigan, 1991: 275). Mesmo com aus�ncia de simstim [est�mulo sensorial] completo, o cibersexo � tecnicamente bem avan�ado: o hardware � fetichizado, o software � porn�, e vastas propor��es dos sistemas de telecomunica��es s�o consumidas pela erotiza��o. Mas esses s�o somente os mais evidentes - e talvez os menos interessantes - exemplos de uma degenera��o generalizada do sexo "natural". Assim como as hard e os wetwares desabam sobre os softwares, estranhas muta��es arruinam o contexto sexual. A simula��o sexual converge com a desordem de toda a economia sexual, a corros�o de suas liga��es com a reprodu��o, e a decad�ncia de sua especificidade: o sexo dissipa-se em drogas, transe e 'dan�as de acasalamento'; androginia, hermafroditismo e transsexualismo tornaram-se percept�veis de modo crescente; parafilia, modelagem do corpo (body building), sexo ex�tico, e o que Foucault chama de "slow motion do prazer e da dor" do sado-masoquismo - "sexo de alta tecnologia" (Califia 1993a: 175) - proliferam. A cibern�tica revela um organismo cortado transversalmente por uma vida inorg�nica - pela comunica��o bacteriana, a infec��o viral, e os estudos biol�gicos inteiros de formas replicadoras, que subvertem mesmo a mais perversa no��o do que � "fazer sexo". A reprodu��o funde-se com replica��o e perde o seu apoio na "s�ndrome do prazer". O cl�max distribui-se de forma plana, o auge da experi�ncia fica num plat�. O futuro do sexo n�o ocorre de uma vez por todas. Hoje em dia, h� um retrocesso a um passado em que o sexo em si estava destinado � reprodu��o. As rela��es eram, ent�o, circuitos dissimulados, a imers�o sempre conduzia � reprodu��o. O sexo n�o era 'n�o-comercializado', e o prazer sempre foi apenas uma parte de uma equa��o com dor, que encontrava sua solu��o na intensidade. Isso tudo ocorria em um mundo cuja estabilidade dependia de sua habilidade de confinar a comunica��o aos termos de uma transmiss�o patrilineal de organismos individualizados. As Leis e genes compartilhavam de uma via de m�o-�nica, a unilateral ROM[A], pela qual as tradi��es judaico-crist�s transmitiram-se atrav�s de gera��es. Trata-se de fam�lia de um s� pai do homem, para a qual mesmo a M�e Natureza foi concebida por Deus como a supermodelo da alta costura, perfeitamente formada, sem a qual tudo seria desatinado. O Humanismo determinou a cria��o de um "espelhismo" (mirrorism), mas o espelho ainda reflete a imagem de Deus. O projeto: 'refletir e especular'; supervisionar e vigiar. Deus e homem convergem em um circuito fechado de in�cios e fins, �nico e o mesmo, homem a homem. Cria��o e procria��o. Surgiu o 'avan�ar' e o multiplicar, das quais a cultura patriarcal toma a sua inspira��o. A concep��o imaculada do mundo tem sido sempre sujeita �s incertezas que formam as bases das reivindica��es de paternidade. Mas � somente agora, que a intelig�ncia material come�a a ruptura suave da barreira formal dessa jornada, na qual a confian�a do costume patriarcal j� estava minada. Ele nunca ir� saber se elas fingiam ou n�o, fosse a respeito de seus orgasmos, fosse sobre quem era o autor da paternidade. Contudo, o que � novo a respeito de sua inseguran�a � que agora ela come�a a ser sentida. Como, Deus, saber� ele se � o pai? O problema que se coloca � outro: como os processos de auto-organiza��o atacam desde o interior n�o est� mais uma quest�o, tornaram-se um problema t�tico, uma quest�o t�til, um acontecimento material. A cibern�tica inicia o aparecimento de uma complexidade material que, finalmente, usurpa a linha procriativa do ser humano. Mesmo em sua vers�o mais moderna e autorit�ria, a cibern�tica derruba a distin��o entre m�quinas e organismos: os sistemas de Norbert Wiener funcionam indiferentemente se seus wares s�o hard, soft ou wet. As fus�es de humanos e m�quinas das pesquisas de Wiener nos tempos de guerra fazem mais do que discutir os limites da esp�cie: elas tamb�m reescrevem sua hist�ria. 'Organismos biol�gicos... tornam-se sistemas bi�ticos, esquemas de comunica��o como outros. N�o h� uma separa��o ontol�gica e fundamental em rela��o a nosso conhecimento formal de m�quinas e organismos, de t�cnico e org�nico.' (Haraway, 1991: 177-8). O ciborgue n�o tem hist�ria, mas est� escrito nos humanos como seu passado. Nos anos 60, se tornou �bvio para McLuhan que a despeito - ou ironicamente, por causa dessa neglig�ncia a seu respeito, a esp�cie humana estava destinada a ser os '�rg�os sexuais da m�quina do mundo, como a abelha o era da planta-mundo, tornando-se apta a fecundar e desenvolver sempre novas formas.' (McLuhan, 1964: 56). Os escravos, trabalhadores, mulheres e rob�s nunca estiveram sozinhos em seus fun��es ciborgues. Nem estiveram simplesmente trabalhando para o chefe, cuja soberania foi sempre uma fraude. O Homem e seu Deus eram essenciais, apesar de serem uma parte, e talvez definitivamente dispens�vel, componente de uma futura muta��o que estavam construindo o tempo todo. O organismo moderno � h� muito um replicante, que escapou da linha de produ��o de uma disciplina que 'estipula para cada indiv�duo seu lugar, seu corpo, suas doen�as e sua morte, seu bem-estar'. Segundo Foucault, as disciplinas incluem at� mesmo a 'determina��o definitiva do indiv�duo, do que o caracteriza, do que pertence a ele, do que acontece a ele' (Foucault, 1977: 197). Desde ent�o, o org�nico e o social afundam ou nadam juntos. A modernidade � marcada por 'uma explos�o de numerosas e diversas t�cnicas para atingir a subjuga��o de corpos e o dom�nio de massa, marcando o in�cio de uma era de biopoder" (Foucault, 1978: 140), na qual o 'homem ocidental foi aprendendo gradualmente o que significa ser uma esp�cie viva em um mundo vivo, a ter um corpo, condi��es de exist�ncia... . Pela primeira vez na hist�ria... a exist�ncia biol�gica passou a ser refletida em uma exist�ncia pol�tica.' (Foucault, 1978: 142). A humanidade ruma em dire��o a um corpo organizado, o corpo com �rg�o, o membro viril. O humano moderno � melanc�lico, t�o distante de emo��es quanto o poss�vel, formatado em g�neros e sexos em um mundo solidificado no molde da fraternidade e da heran�a patriarcal. O corpo feminino, nele, est� enfermo, no caminho dos limites da vida, enquanto o falo funciona como s�mbolo de um grupo, ou como propriedade - para os interesses pr�prios de um indiv�duo, de uma sociedade, de alguma esp�cie. O membro masculino funciona como o 'elemento mais iespeculativo e ideal' desse sistema social, org�nico e seguro. Como Deleuze e Guattari dizem, '� suficiente fazer mulheres, crian�as, lun�ticos, e mol�culas rirem' (Deleuze e Guattari, 1988: 289): o falo � um 'ponto imagin�rio', o produto da 'capacidade de prender a aten��o nos corpos e em sua materialidade, suas for�as, energias, sensa��es e prazeres' (Foucault, 1978: 155). Mas � tamb�m o suficiente para garantir a constitui��o da 'arboresc�ncia', a 'submiss�o da linha ao ponto' (Deleuze e Guattari, 1988: 293). O ponto � algo que � preciso sempre lembrar: desmembrar-se n�o � permitido. Nisso, como aponta Donna Haraway, tamb�m reside a situa��o em que o orgasmo feminino sai cena: 'antes da segunda metade do s�culo XVIII, na Europa, a maioria dos escritores da �rea m�dica assumiram que o prazer sexual feminino org�smico era essencial para a concep��o'. Desde ent�o, por�m, os 'orgasmos femininos v�m parecendo n�o-existentes ou patol�gicos, do ponto-de-vista da medicina ocidental'. E 'perto do fim do s�culo XIX, os cirurgi�es retiravam o clit�ris de algumas de suas pacientes como parte de uma reconstitui��o das pacientes, para que elas se tornassem propriamente femininas, indubitavelmente diferente dos homens, a ponto de parecer quase outra esp�cie.' (Haraway, 1991: 356). Assim, a intensidade � acumulada em um �nico ponto, monopolizada pelo membro masculino e identificada como orgasmo. Toda sexualidade � masculina, escreve Freud. A sexualidade feminina e o orgasmo feminino s�o, da mesma forma, contradi��es em termos, varia��es empobrecidas do tema f�lico. Orgasmos s�o apenas o que esses organismos t�m. Ambos s�o algo que se possui, algo de pr�prio, funcionando para restaurar o equil�brio e assegurar a identidade do corpo organizado, isto �, a integridade org�nica do indiv�duo ocidental. Os genitais da mulher s�o simplesmente ausentes, mascarados, fechados em sua casca. O "Nada" [zero] � ignorado e escondido. 'Algu�m teria que cavar muito fundo para descobrir sob os tra�os dessa civiliza��o, sob sua hist�ria, os vest�gios de uma civiliza��o mais arcaica capaz de dar algum ind�cio � sexualidade feminina.' (Irigaray, 1985: 25). Contudo, se houvesse tal sexualidade a ser encontrada em um profundo e distante passado, por tr�s de telas reflexivas, o seu descobrimento seria sempre uma quest�o de retro-especula��o, um olhar para o passado com olhos programados pela 'l�gica que tem dominado o ocidente desde os tempos dos Gregos'. Al�m disso, indubitavelmente teria um alfabeto diferente, uma linguagem diferente. N�o se deveria esperar que 'os desejos da mulher falassem a mesma l�ngua que a do homem' (Irigaray, 1985: 25). O homem � o indiv�duo que relata seus desejos; seu sexo � extremamente narrativo. O dela, em vez disso, tem sido uma "bobagem" nas hist�rias que ele conta. No final do s�culo XX, os 'orgasmos nos termos pr�prios do indiv�duo' tornaram-se motivo de um lamento coletivo para um feminismo crescentemente consciente da extens�o na qual a sexualidade feminina estava sendo confinada. 'O orgasmo do homem significava auto-conten��o e auto-transcend�ncia simultaneamente, caracterizado pelo para si e pela transcend�ncia do corpo, atrav�s da raz�o e do desejo, pela autonomia e �xtase'. Havia um sentimento de que se as mulheres n�o estivessem mais "presas entre o normal e o patol�gico, os orgasmos m�ltiplos, indistintos, a maior parte das mulheres poderia encontrar nelas mesmas a posse da raz�o, do desejo, da cidadania e da individualidade' (Haraway, 1991: 359). Precisamos perguntar por�m se isso n�o resulta em um molde masculino para uma 'sexualidade feminina' que bem poderia estar correndo para outro lugar. Foucault critica de maneira severa a extens�o em que tais projetos de libera��o revelam a subjei��o que eles ostensivamente contestam. Para ele os orgasmos s�o duvidosos como a chave para a auto-apropria��o. Como Pat Califia, ele est� mais interessado no que ele chama de orgasmo sado-masoquista, uma intensidade de sexo genital desconectado e comprometido somente com o desmantelamento da subjetividade. Toda a sexualidade tende para essa cibersexualidade: uma quest�o de cuidado na constru��o de cenas, o ajuste de contextos, a perfei��o do toque, a constru��o da comunica��o. N�o � a orgia, mas o orgasmo � que acabou. N�o que as intensidades, uma vez buscadas atrav�s de sexo, estejam desaparecendo. Longe disso: elas apenas come�aram. 'A apologia ao orgamos, feita pelos reichianos, ainda me parece uma maneira de determinar possibilidades de prazer no sexual', escreve Foucault (Macey, 1994: 373). O cl�max � pr�prio da integridade org�nica; oragasmo � o que os organismos fazem: 'Eu desmembrei seu corpo. Nossas m�os carinhosas n�o estavam juntando informa��es ou escondendo segredos, elas eram tent�culos de invertebrados desatentos; nossas barrigas, flancos e coxas estavam inclinados em um contato que apreende e mant�m-se em nada. O que os nossos corpos fizeram ningu�m fez' (Lingis, 1994: 61). Desmembramento: a castra��o de Dion�sio. Contra-mem�ria. Esque�a para que � isso e aprenda o que isso faz. N�o concentre-se em orgasmo, o significado pelo qual o sexo permanece escravizado � teleologia e � sua reprodu��o: 'fa�a de um corpo um lugar para a produ��o de prazeres extraordinariamente polif�rmicos, enquanto, simultaneamente, separe-o da valoriza��o da genit�lia, e, particularmente, da genit�lia masculina' (Miller, 1993: 269). Foucault fez experimentos com decomposi��es do corpo, desmantelamento do organismo, fez experimentos t�cnicos com servid�o e libera��o, energia e resist�ncia em uma '�tica sadomasoquista de multiplica��o e apropria��o de corpos' e da �tica de 'uma cria��o de anarquia dentro do corpo, onde suas hierarquias, suas localiza��es e suas designa��es, sua "organicidade", se desejar, est� em processo de desintegra��o' (Miller, 1993: 274). O masoquismo p�e em consider�vel risco a antiga cren�a no princ�pio do prazer conebido por Freud. Se os processos mentais s�o governados pelo princ�pio do prazer, de tal maneira que seu primeiro alvo � evitar o desprazer e obter prazer, ent�o o masoquismo torna-se incompreens�vel'. Se ambos, 'dor e prazer, n�o podem ser simples avisos mas, na verdade, s�o objetivos, paralisa-se o princ�pio de prazer' (Freud, 1984: 413). Contudo, na �poca em que escreve "O Problema Econ�mico do Masoquismo", Freud sabe que o masoquismo nem sempre � uma rea��o ao controle de tipo s�dico. O masoquista n�o � mera v�tima escravizada: esta � a 'bobagem machisita' de um discurso que n�o admite nada al�m de subje��o, uma perspectiva que n�o pode aceitar nenhuma outra rela��o (ou melhor, n�o pode aceitar nada al�m de rela��es). O masoquismo excede tais rela��es ao instituir a figura do dominador; de fato, isso vai al�m de todas as rela��es, n�o importa qu�o longe pare�am estar do aspecto paternal. Ela n�o � uma quest�o de reconhecimento, mas de sentimento: n�o � um desejo de ser prensado, mas um intenso desejo por comunica��o, por contato, por acesso, por estar em contato. O masoquista 'usa o sofrimento como uma maneira de constituir um corpo sem �rg�os e levar adiante um plano de materializa��o do desejo' (Deleuze e Guattari, 1988: 155). 'Parem de confundir servid�o com depend�ncia', escreve Jean-Fran�ois Lyotard. A 'quest�o da passividade n�o � uma quest�o de escravid�o, a quest�o da depend�ncia n�o � justificativa para ser dominado' (Lyotard, 1993: 260). Confundindo as coisas, os circuitos e conex�es s�o trazidos de volta �s rela��es de superioridade e inferioridade, sujeito e objeto, domina��o e submiss�o, atividade e passividade... e esses tornam-se p�los congelados de uma oposi��o que captura as reviravoltas e recuperam seus discursos. Beba-me, devore-me, use-me... "O que ela quer, quem pergunta isso na exaspera��o e aridez de cada parte de seu corpo, � a mulher-orquestra? Ser� que ela quer se tornar uma amante e tudo o mais? Vamos l�! Ela quer que voc� morra com ela, ela deseja que os limites de exclusividade retriccedam, sejam arrastados atrav�s de todos os tecidos, da imensa tactilidade, do tato de qualquer coisa que se feche em si mesma, sem que se torne uma caixa, e do que quer que, sem parara, nos leve al�m de n�s mesmos sem se impor como conquista." (Lyotard, 1993: 66) Tatilidade imensa, contato, possibilidade de comunica��o, um fechamento sem limites: um circuito, uma conex�o. 'O que interessa aos praticantes de sadomasoquismo � que o relacionamento seja ao mesmo tempo regulado e aberto', escreve Foucault: uma mistura de regra e abertura'. Uma incessante amplia��o: a procura do corpo � sua pr�pria sa�da. Importa tornar-se 'aquilo que n�o � �nico'; tornar-se uma mulher que 'tem �rg�os sexuais por toda a parte' (Irigaray, 1985: 1i). � isso que significa sair da carne? N�o � apenas deixar o corpo, mas ir al�m do orgasmo, a fim de alacan�ar a 'exulta��o de um tipo de autonomia das nossas menores partes, das menores possibilidades de uma parte do nosso corpo'. 'Use-me', escreve Lyotard, � 'uma afirma��o de vertiginosa simplicidade, n�o � m�stica, mas materialista. Deixe-me ser sua superf�cie e seus tecidos, voc� pode ser os meus orif�cios, minhas m�os e minhas membranas, n�s podemos nos perder, deixe de lado o poder e a esqu�lida justificativa da dial�tica da reden��o: n�s morremos. N�o diga, deixe-me morrer em suas m�os, como Masoch disse' (Lyotard, 1993: 65). 'O castigo sado-masoquismo da prostituta faz com que voc� sofra 'algo' em sendo seu cliente. Trata-se de algo que n�o tem nome. Est� al�m de amor e do �dio, al�m dos sentimentos, � um contentamento selvagem, misturado � vergonha, o jogo de submeter (-se) a algo e suportar o golpe de pertencer a algu�m, sentindo a si mesmo libertado da liberdade. Isto deve existir em todas as mulheres, em todos os casais, em um menor grau ou inconsciente. Isto � uma droga, � como ter a impress�o de que algu�m est� vivendo a mesma vida muitas vezes, demasiadamente de uma s� vez, com uma intensidade incr�vel. Os alcoviteiros, aplicando esses castigos, experimentam este "algo". Estou certo disto.' (Lyotard, 1993: 63) Trata-se da 'coisa sem nome' de Foucault, algo in�til, fora de todos os programas de desejo. � o corpo totalmente maleado pelo prazer: 'algo que se abre, que aperta, que lateja, que pulsa, que espanta' (Miller, 1993: 274). Quando ocorre, escreve Freud, � 'como se o vigia de nossa vida mental fosse tirado de a��o por uma droga' (Freud, 1984: 143). 'Eu despi o desejo e a pessoa que voc� era como nos despimos de colares e correntes' (Lingis, 1994: 61). O que permanece � m�quina, o inumano, algo al�m de emo��es, al�m da sujei��o: 'a ilus�o de n�o ter chance, o pavor de ser pego' (Califia, 1993b: 108). Pat Califia: 'Ele quis... tudo. A consuma��o, ser usado, ser completamente usado. Ser absorvido pelos seus olhos, sua boca, seu sexo, tornar-se parte de sua subst�ncia' (Califia 1993b: 108) Foucault descreve as pessoas envolvidas com sadomasoquismo como 'inventando novas possibilidades de prazer com partes estranhas do seu corpo... � um tipo de cria��o, uma aventura criativa, a qual tem como uma de suas partes principais o que eu chamo de dessexualiza��o do prazer' (Miller, 1993: 263). Sadomasoquismo � uma quest�o de multiplica��o e apropria��o de corpos', ele escreve: trata-se de 'uma cria��o de anarquia dentro do corpo, em que suas hierarquias, suas localiza��es e designa��es, sua "organicidade", se quisermos, est�o em processo de desintegra��o' (ibid.: 274). J� as 'pr�ticas de penetra��o com o bra�o s�o pr�ticas que algu�m pode chamar de desvirilizantes, ou, dessexualizantes. S�o, na verdade, extraordin�rias falsifica��es do prazer' (ibid.: 269), dores levadas ao ponto de se tornarem, tamb�m, um �xtase absoluto. Agulhas atrav�s da carne. Cera de velas ainda quente escorrendo sobre grampos de alicates. A mais extraordin�ria press�o nos m�sculos ou tecidos conjuntivos. A fronteira entre a dor e o prazer foi atravessada' (ibid.: 266). 'Mesmo sofrendo, por um lado, e tendo prazer, por outro: esta dicotomia pertence � ordem do corpo org�nico, da suposta inst�ncia unificada' (Lyotard, 1993: 23). Agora h�, pois, um plano, um plat� l�nguido. Os altos e baixos convergem para um mar calmo, um oceano silencioso. Encontram seus limites e se tornam ins�pidos: chegam ao ponto de fus�o. 'N�o sabemos o que um corpo pode fazer', mas isso j� � uma outra raz�o do 'porqu� n�s temos que nos libertar da sexualidade' (Macey, 1994: 373), de deixar o corpo aos seus pr�prios artif�cios, de despi-lo de seus controles formais, invalidar seus mecanismos de auto-prote��o e seguran�a (que ligam a intensidade ao prazer � reprodu��o). Que h� outras maneiras, outros procedimentos, al�m do masoquismo, certamente outros melhores, � algo paralelo a essa quest�o; � suficiente dizer que, para algu�m, este seja um procedimento seja agrad�vel(Deleuze e Guattari, 1988: 55). Custe o que custar o importante � acessar o plano. As necessidades n�o admitem proibi��o. A necessidade tem sua �lgebra, a velocidade, seu diagrama. Foucault n�o tinha d�vidas que certas drogas rivalizavam com os 'prazeres intensos' da experimenta��o sexual. Das drogas dos anos 90, o ECSTASY e o CRACK, foram ambas descritas como 'melhores que o sexo', enquanto o SPEED e PROZAC tendem a um efeito anorg�smico. Toda 'engenharia do corpo' tem algum componente qu�mico. Felix Guattari aponta que 'certas s�ndromes anor�xicas, sado-masoquistas, etc funcionam como um auto-v�cio', pois 'o pr�prio corpo secreta suas endorfinas, as quais, voc� sabe, s�o 50 vezes mais ativas que as morfinas' (Guattari, 1989; 20). Se o orgasmo indica prazer, 'as yellow pills ou a coca�na permitem que voc� exploda e difunda isso por todo o seu corpo; o corpo se torna um lugar de prazer total' (Macey, 1994; 373). Neste plano, o corpo se esquece de si mesmo, se retira para ser uma s� coisa. Estar fora de ordem e sob um controle que, 'em vez de agir permanece em guarda, um controle que bloqueia o contato com o lugar-comum e permite que esses contatos de tipo mais s�bitos e raros, exp�e o fio nos p�e em incandesc�ncia todavia nunca nos separa.' (Artaud, 1965: 33). Num caminho medido em escala fractal, 'pode-se estabelecer um tipo de ordem ou de progress�o aparente progress�o favor�vel aos segmentos em que descobrimos nosso vir-a-ser'. Trata-se de caminho em que 'come�amos e descobrimos nosso devir- mulher' (Deleuze e Guattari, 1988: 277), o qual j� � uma quest�o do devir-crian�a, -animal, -vegetal, ou -mineral; do vir-a-ser uma forma��es molecular, uma forma��o elementar qualquer. As fibras nos conduzem (ibid. 272) a mais caminhos que s� uma. � atrav�s de processo de delibera��o que o corpo come�a a separa-se de pr�pria autoridade externa: da posse e da auto-posse, do controle e do autocontrole. A carne aprende. Mas n�o � um problema de educa��o, que � sempre uma quest�o de restaurar informa��es passadas, uma lembran�a de alguma transcend�ncia origin�ria da autoridade. O referido aprendizado � um processo que consiste em esquecer o passado, � o abandono da verdade e o desmembramento da autoridade. Enquanto � 'necess�rio cavar profundamente, a fim de que se mostre como as coisas s�o historicamente contingentes, para tal e t�o intelig�vel por�m n�o necess�ria raz�o', tamb�m � o caso de se 'pensar que o que j� existe ainda n�o explorou todos os espa�os que podem ser explorados'. A aten��o deve ser voltada para o futuro. 'Deixe-nos fazer um desafio evidente, fora de questionamento: "em que podemos jogar, e como podemos inventar um jogo?"' (Miller, 1993: 259). Foucault lan�a-se no sexo virtual: o cen�rio do ciberespa�o, a �ltima novidade em termos de alucina��es consensuais. Poderia ser, ele pensa, 'maravilhoso ter o poder, a qualquer hora do dia e da noite, entrar em um lugar equipado com todo o conforto e com todas as possibilidades que um indiv�duo possa imaginar, e encontrar l� um corpo imediatamente tang�vel e fugaz' (Miller, 1993: 264). Mas n�o porque, como William Burroughs enfatiza, agora 'voc� pode "deitar" com a Cle�patra, Helena de Tr�ia, Isis, Madame Pompadour, ou Afrodite. O importante � que, agora, voc� pode "deitar" com Pan, Jesus Cristo, Apolo, ou com o pr�prio Dem�nio. Qualquer coisa que voc� gosta, tamb�m gosta de voc�, quando se pressiona os bot�es' (Burroughs, 1985: 86). Escolha o ciborgue, mais um objeto opcional de desejo. Fa�a conex�es, acesse a zona, selecione um avatar qualquer para encher o seu cen�rio: n�o resista, torne-se um ciborgue tamb�m. Alguns humanos se trancam, mas um replicante se move. Dependendo do tempo dispon�vel, o ciborgue que voc� se tornar� ser� mais ou menos sofisticado ou amplo; ser� mais ou menos conecta ao seu sistema nervoso central; mais ou menos relacionado � sua pr�pria abstra��o e � fase em que ambos se espalham. Seja o for, isso todavia ser� p�s-humano, coisa que voc� sempre o foi. Foucault mergulha de cabe�a nas saunas de S�o Francisco: 'L�, voc� conhece homens que s�o para voc� o que voc� � para eles: nada al�m de um corpo com combina��es e poss�veis produ��es de prazer. Voc� deixa de ser prisioneiro do seu pr�prio rosto, do seu pr�prio passado, de sua pr�pria identidade' (Miller, 1993: 264). N�o h� escapat�ria para uma regi�o de livre escolha. Uma delibera��o n�o � livre nem determinada: existe como o Tao. Tamb�m � impens�vel para uma autoridade constitu�da em termos de dominadores e escravos, de aut�nomos e aut�matos, domina��o e submiss�o, uns e outros, uns e dois... � isso que Lyotard chama de 'bobagens machistas' de um discurso que n�o admite nada al�m de sujei��o, de uma perspectiva na qual n�o pode ser aceita nenhuma outra rela��o (ou melhor, n�o se pode aceitar nada al�m de rela��es). Sabendo que tudo isso � um video game, fica mais dif�cil seguir jogando. Traduzido por Tatiana Rodrigues, com a colabora��o de Carolina Ouriques. Revis�o de Francisco R�diger.
Sadie Plant � autora de v�rios livros, dos quais h� tradu��o para o portugu�s de "Mulher Virtual".
* "Coming across the future". In Joan Dixon & Edward Cassidy (orgs.): Virtual futures: cyberotics, technology and post-human pragmatism. Londres: Routledge, 1998. |
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