O surgimento do Ciberespaço-tempo e o fim da sociedade organizada

Dan Thu Nguyen e Jon Alexander


Em adição às condições sob a qual a vida é dada ao homem na Terra, e parcialmente por causa delas, o homem constantemente criou suas próprias condições, que, apesar de suas origens e variabilidade humana, possuem o mesmo poder condicionador das coisas naturais.

Hannah Arendt, A Condição Humana (1958 : 9)


Ciberespaço e realidade virtual são idéias convincentes. Aqui fantasias literárias e feitos tecnológicos se encontram para projetar universos inteiros na interface da máquina-humana. Entretanto, elas tem até agora se provado insatisfatórias para análise política crítica. O campo de Estudo não tem fronteiras reconhecíveis ou parâmetros dentro dos quais os cientistas sociais possam usar abordagens tradicionais para formular critérios de análise. Um frenesi ansioso caracteriza mudanças no mundo eletrônico, e assim a análise quase sempre se reduz a descrições minúsculas de facetas segregadas do todo. Os componentes desse fenômeno operam de formas que tornam obsoletas todos as relações previamente analisáveis e facilmente compreensíveis. Em particular, relações que um tem consigo mesmo - a tecnologia do ser e da auto-construção - e as relações sociais entre as pessoas, e relações entre os humanos e suas ferramentas, todas se tornam problemáticas de novas maneiras. Nós precisamos entender a escolha que as pessoas estão fazendo de facto todos os dias de viver vidas "conectadas" e dividir um espaço discursivo. Nós estamos equipando nosso mundo com um sistema nervoso similar àquele em nossos corpos. O que então nós estamos nos tornando, individualmente e coletivamente? Como veremos, na Internet, as fronteiras - temporais, espaciais, associativas e formadoras de identidade - se dissolvem.

Nós atingimos o sonho humano da materialidade transcendente a um preço nunca visto. A meta de saber da nossa civilização (conhecimento perfeito) se transformou em um dilúvio de informação. Enquanto o conhecimento válido é inescapavelmente humano porque ele reside tatilmente e realmente em nossos corpos, o conhecimento reconhecido por máquinas é técnico. A tecnologia nos abstrai de nossa existência como seres físicos neste mundo. Nós ignoramos a quantidade de esforço que leva ao conhecimento. Sem limites, nós temos somente informação e dados. Isso altera a velha relação entre conhecimento e poder. Sem conhecimento, o que acontece com o poder? Sem conhecimento e poder centralizados no corpo, como podemos agir? Operações substituem poder. Essa mudança, nós argumentaremos, dissolvem nossas comunidades políticas, nossas sociedades organizadas.

Todas as tecnologias parecem mágicas no início. O fazendeiro aposentado Levitt Burris nunca teve um telefone. Ele nunca sequer usou um. Anos atrás, Jon Alexander perguntou a ele o porquê. Levitt disse:

Eu simplesmente não acredito neles, por isso. Veja dessa forma. Quase sempre, eu tenho certeza, eles são ótimos. Mas digamos que a Mama Bell [apelido da AT&T, companhia americana de telefonia] mandou sua voz para uma longa distância. Suponha que a energia do telefone seja interrompida. Como você vai ter certeza que terá a sua voz de volta?

Nós podemos sorrir da ingenuidade de Levitt, mas somos nós hoje mais sofisticados sobre como entender o ciberespaço, realidade virtual e a Internet? Em 1994 o pessoal de comando da Star Trek repetidamente experimentou problemas similares aos que Levitt temia. Falhas de software no holodeck [local da nave onde os personagens são desmaterializados e materializados] da Enterprise continuamente colocavam em perigo o retorno de funcionários da Federação do ciberespaço para a nave espacial. Como Levitt, eles e nós ainda carecemos de uma moldura de referência com que basear nossa por demais mutável existência.

A base para reenquadramento da análise crítica vai requerer certos pré-requisitos. Nós precisamos de uma nova delimitação e definição do campo de estudo. Nós também precisamos construir novas ferramentas analíticas. Em outras palavras, em última instância nós precisamos escolher alguns conceitos e pesquisar materiais sobre outros, e perseguir um ponto de Arquimedes de onde possamos começar a revisar o campo. Neste capítulo, entretanto, nós só propomos algumas voltas através do terreno do ciberespaço-tempo. Elas podem ajudar a criar algumas questões pertinentes em nosso elusivo domínio eletrônico.

 



O reino social entra "online"

Nós devemos restringir o ciberespaço ao reino habitado pelos usuários da Internet e das outras "nets"? É um universo do tipo maçom, reservado apenas para aqueles eletronicamente ligados aos outros? Ou é o ciberespaço uma realidade mais diversa e polimórfica, na qual a tecnologia do computador media praticamente toda ação humana, todo discurso, até pensamento? O Ciberespaço-tempo é muito maior que a Internet e as outras redes. Nós não entramos no ciberespaço-tempo sempre que planejamos um feriadão, compramos um pacote de viagem ou reservamos nosso vôo em uma companhia aérea? Muitas atividades mundanas são envolvimentos com o ciberespaço-tempo. Vamos lá quando visitamos um caixa-eletrônico, comprando por cartão de crédito, ou pagando contas via telefone. Agora também podemos assistir realidade virtual (VR) simulada e sua prima-em-primeiro-grau telepresença (TP) na TV.

Falando estritamente, realidade virtual é uma tecnologia específica. Ela nos permite nos permite imergir, ver e tocar (até disparar balas virtuais em) objetos-imagens gerados por computador. Para muitos de nós, entretanto, realidades virtuais já são esferas paralelas da existência há algum tempo. Apesar da resistência teimosa de nossos limitados corpos físicos, há muito nós temos tentado explorar, e tornar reais, domínios além dos nossos sentidos imediatos. Enquanto civilização, nós aprendemos a conviver com muitas realidades virtuais. Pense nas moléculas e átomos da nossa estrutura física e química. Pense na realidade virtual deste universo pulsante medido em anos-luz e cheio de buracos-negros e supernovas. Nós aprendemos a achar convincente realidade virtual do sofrimento de outras pessoas através de oceanos e fusos horários. Nossas telas de TV mostram todo o dia a contemporaniedade de todas as experiências humanas possíveis. Nós apreendemos uma caótica mistura de paz e guerra, prosperidade e miséria, riso e melancolia. Nós nos enfiamos tanto dentro deste caleidoscópio de realidades virtuais que esta mistura já não nos comporta mais.

Em 1994, ciberespaço, VR e TP causaram forte impressão na imaginação das pessoas. A Mídia de Massa começou a usá-los para canalizar a vontade do público de fantasiar. Um documentário britânico em TP de Desmond Morris (Nightlife 1994) sobre a biologia do amor atingiu um novo nível de ousadia. Ele mostrava gravações com microcameras do orgasmo humano, com planos dentro da vagina e sobre o pênis. Esse espetáculo dava aos espectadores informação carnal de cerca de sessenta cópulas. Um casal de São Francisco jurou seus votos de casamento em 1994 dentro de uma cerimônia VR no continente perdido de Atlântida (Southern Illinoisan 1994). O fotógrafo sueco Lennart Nilsson fez um novo filme em TP que acompanha a vida com uma perspectiva de dentro do útero. Vê-se cada fase da vida da concepção ao nascimento (Health 1994). Isso é realmente um útero com uma vista. ["a womb with a view", trocadilho com "A room wih a view", romance do britânico Edward Morgan Foster].

As crianças não estavam sendo deixadas de fora. As vendas dos produtores de videogame Sega e Nintendo sozinhos estavam superando o faturamento da indústria cinematográfica (Berg 1994). Ainda, no outono de 1994 o abismo entre as escolas e a mídia começou a desaparecer. Um ônibus mágico VR-TP entrou no ar na televisão PBS (Newsweek 1994):

O ônibus da senhorita Fizzle pode voar, encolher, submergir e se transformar em uma máquina do tempo, sua turma pode explorar o sistema solar, o interior de um vulcão, ondas de som, frentes frias, formigueiros e todo o sistema digestivo de um dos colegas. (...) A Srta. Fizzle comanda quando eles entram no intestino grosso: "De dois em dois, turma."

Como ensinou Marshall McLuhan, qualquer mídia nova forma um ambiente que faz profundas sombras culturais ao seu redor. As principais tecnologias se qualificam como mídia no momento em que elas provêem extensões para habilidades biológicas. O radar, o sonar e o avião estendem capacidades animais. Roupas e casas estendem a pele. Rodas estendem as pernas, rádio a voz e os ouvidos, câmeras o olho, gravadores e computadores o cérebro. O dinheiro guarda energia humana. Por tais tecnologias fazerem o que o corpo uma vez fez, eles produzem mutação cultural. Uma cultura é parcialmente uma ordem de práticas e preferências sensoriais. Um ambiente é um arranjo de condições equilibradas e imperceptíveis que limitam o mundo de um organismo a cada momento. Assim que nos damos conta de um ambiente, ele se transforma em um"velho ambiente". O velho ambiente se torna conteúdo para o ambiente atualmente operativo, o qual permanece inexistente para nós. Cada mídia-ambiente controla como as pessoas que o usam vão pensar e agir. Cada um afeta como as pessoas reagem ao que elas percebem. O novo ambiente ajuda a decidir o que nós e nossas sociedades vão se tornar. McLuhan diz (1962 : 22-3):

Aqueles que experimentarem o primeiro sinal de uma nova tecnologia, seja ela o alfabeto ou o rádio, responderá mais enfaticamente porque as novas medidas de sentido estabelecidas uma vez pela dilatação tecnológica do olho ou da orelha, presenteiam os homens com um surpreendente mundo novo, que evoca uma vigorosa nova "barreira", ou novo padrão de interatividade, de todos os sentidos ao mesmo tempo. Mas o choque inicial gradualmente se dissipa enquanto a comunidade inteira absorve o novo hábito de percepção em todas as suas áreas de trabalho e associação. Mas a evolução real está nesta fase posterior e mais prolongada de "ajuste" de toda a vida pessoal e social para o novo modelo de percepção estabelecido pela nova tecnologia.

Nós recém passamos o primeiro sinal desta nova tecnologia-ambiente. Na história do mundo, nenhuma mídia nova se difundiu tão rapidamente da forma que ciberespaço-tempo está fazendo, ou precisou de um ajuste tão rápido. Obviamente algo altamente viciante esteve acontecendo. Por fevereiro de 1995 só 13% dos adultos americanos já haviam estado "online"., mas o número de modems havia dobrado desde maio de 1994. ( Fineman 1995:30). Analistas previam que metade dos lares americanos teriam modems nós próximos cinco anos (Alter 1995 : 34). Nós precisamos entender porque isto está acontecendo, para suspeitar o que isso significa. Por que, por exemplo, a cultura de vontade livre do ciberespaço é tão viciante?

O não-lugar do ciberespaço contém inúmeras redes de comunicação que jazem em estruturas lógicas abstraídas de bancos de dados inacreditavelmente complexos que se desdobram através de um vácuo virtual infinito. De alguma maneira nós chegamos até lá sem movimento físico. "Cibernautas" conectam-se através de seus computadores equipados com modems ou "decks" e se "plugam" na "matriz" do ciberespaço para acessar alguns dados. Os pontos cardeais e a materialidade da vida desaparecem dentro do mundo sem gravidade do ciberespaço-tempo. Inicialmente se experimenta uma exultação-sem-corpo que pode brevemente se transformar na armadura do vício. Estar online "lineariza" a pessoa. Isto é, imobiliza o corpo e suspende a consciência do dia-a-dia. Permanece-se completamente envolvido e ainda assim separado do nexo de informação. O Ciberespaço-tempo tecnologicamente se estende e parcialmente toma o lugar da consciência. Como com as drogas, nós podemos falar de entrar em um estado alterado, experimentando reviravoltas de desejo, frustração e gratificação. Nós podemos ter uma alta endomórfica quando plugados em um deck que projeta nossa consciência descorpada na "alucinação consensual" que é a matriz VR-TP do ciberespaço (Gibson 1984). É como as experiências fora-do-corpo que os corredores de longas distância tem e pessoas que quase morreram se lembram. Enquanto nós imergimos nós mesmos no ciberespaço-tempo, as limitações físicas e as barreiras entram em colapso ou desaparecem.

Usuários de Internet reconhecem outros por seus pseudônimos online ou "apelidos". O diretor da Ottawa Freenet, Chris Broadshaw (1994), explica que o poder de atração da rede vem das fixação das pessoas pelo anonimato. Ele chama os MUDs de um bom exemplo. Na Internet, fantasias utópicas coletivas produziram encantadores jogos de realidade virtual chamados MUDs ou masmorras multi-usuário. [multi-user dungeon; "dungeon" é um termo que vem dos RPG (role-playing game; jogo da interpretação de papel), geralmente de temática medieval, em que os inimigos se combatem em labirintos, florestas, castelos e por vezes masmorras. Não quer dizer que os usuários passem por qualquer tortura física ou mental como numa masmorra real.] Esses são ciberlugares para onde hordas de pessoas "vão" todo o dia - e de onde muitos não retornam por dias. As pessoas acessam os MUGs para lutar sem fúria, ganhar pontos de experiência e capacidades virtuais, tornarem-se como deuses. Lá, eles podem possuir "tecno-fetiches" niilísticos. Podem dividir fantasias sobre serem animais fofinhos e felpudos com dimensões subjetivas ilimitadas. Ainda que estudantes universitários normalmente se tornem habitués da Net com o objetivo de melhorarem suas notas (Bailey 1994), eles comumente largam seus estudos completamente porque os cursos tomam muito tempo da sua existência MUD.

O DungeonMaster Lambda [Pavel Curtis] criou um MUD chamado LambdaMOO (Quittner 1994 : 95). "Está claro para mim", ele diz, "que os MUDs são suficientemente atrativos a ponto de pessoas terem problemas de autocontrole com eles. Eles são certamente viciantes para uma quantidade incrível de pessoas." MUDs do ciberespaço são cativantes porque as pessoas obtém uma emoção intensa do choque com a comunicação em rede. Eles encontram suas comunicações globais (porém íntimas) extraordinárias. Sentida como um jorro de adrenalina e um despejo de serotonina pelo sangue combinados, esta experiência é genuinamente sensacional. No ciberespaço-tempo pode-se viver qualquer fantasia. Tudo vale ou pelo menos é possível. No MUD LambdaMOO, por exemplo, os jogadores adotam qualquer um - ou mais - dos três sexos. A cibermoda chama isso de "hackear a identidade".

 



A experiência online

Temas do fim da modernidade, e de um sociedade de castas que destrói oportunidades para a juventude correr solta, é o que diz Chris Broadshaw da literatura ciberpunk de William Gibson e seus seguidores. Também há o tema do anonimato impermissível. No livro Virtual Light [Luz Virtual] de Gibson de 1993, um subtema é que em toda a parte há sinais de barreiras, de oportunidades perdidas devido a uma crescente rígida estratificação social. Contra essas barreiras está o elemento chave do jogo-de-personagem: anonimato. Ele nos permite a transformação em qualquer animal, mineral, vegetal ou inteligência acorpórea sempre que desejarmos. Devotos do ciberespaço-tempo da geração mais jovem verdadeiramente encaram menos oportunidades de emprego no mundo real do que seus pais. Isso somente já faria a atual geração jovem especialmente escapista. Os seus membros vêem relações verticais e hierárquicas controlando e enchendo de stress as pessoas mais velhas. A geração mais jovem alivia o seu stress escapando de um mundo hierárquico sem lugar para ela - na jogos de fantasia eletrônica ou surfando na Internet.

Plugada na matriz, eles encontram um mundo lateral de pessoas cooperativamente se conectando para representar papéis, dividir idéias e experiências, e viver fantasias. Cortesia com o próximo é muito evidente na Internet. Quando as estruturas estão ruindo, a cortesia com o próximo é uma forma forte de comportamento em busca da ordem. O fluxo caótico do ciberespaço-tempo torna a cortesia uma ferramenta de navegação essencial. O que ela faz na matriz todo o dia é tornar os habitantes do ciberespaço aparentemente mais alfabetizados e articulados. Ao mesmo tempo, ela se torna mais e mais distante de qualquer tabela de referência anterior. Ao simultaneamente trazer de volta as artes perdidas de bater papo e escrever cartas, a Internet está fundindo o oral e o escrito. As pessoas devem julgar você baseadas somente nas palavras que você escreve. Entretanto, porque "hackers de identidade" abundam, as pessoas sabem também que você pode não estar dizendo a verdade. Pamela Kane (1994 : 204) ressalta um ponto relevante: "A não ser que você escolha revelar isso, ninguém sabe se você é macho, fêmea, alto, baixo, um ruivo ou um loiro, negro, branco, asiático, latino, em uma cadeira de rodas ou não."

Observadores concluem deste fenômeno meramente que comunicações mediadas por computador são altamente suscetíveis à decepção. Isto é uma afirmação séria. Algo muito mais profundo está ocorrendo. Como McLuhan e Fiore (1967 : 94-5) nos dizem: "Os circuitos elétricos estão orientalizando o legado ocidental. O contido, o distinto, o separado - estão sendo substituídos pelo fluído, o unificado, o fundido." Sob a refração sem fim do poder que a nova eletrônica permite, velhas certezas sobre a natureza da identidade foram silenciosamente evaporadas. Nossa concretude individual se dissolve em favor do fluído, do homogêneo e do universal. Assim que a particularidade palpável do indivíduo é perdida, nós nos tornamos unidades de alimento relacional entre infinitos arranjos de poder refratado.

A linguagem não é mais checada e verificada pois a realidade física perde sua própria base. Finalmente ela pode cessar de manter uma raison d'être como uma ferramenta para a comunicação humana. Sem a materialidade e a existência vivida, como pode alguém sustentar responsabilidade por suas palavras, escritas ou orais? Como podem as pessoas dizerem o que querem e quererem o que dizem? Em resumo, a que se refere a linguagem? Comentaristas da Internet falam erroneamente e com convicção somente sobre um efeito de "banda estreita". Esse "efeito" aparentemente levou multidões de pessoas preocupadas com suas diferenças, deficiências, defeitos, doenças e temores a praguejar online. Ali eles recebem tratamento virtual igual, uma experiência que eles consideram edificante. Isso só poderia acontecer a partir do momento em que a linguagem começasse a transcender o ser físico. Dentro da estrutura do signo, significantes não surgem só daquilo que eles significam. Isso ocorre na modernidade. Também o signo é separado do referente. Isto é um fenômeno pós-moderno.

Ter um controle em grande medida sobre a informação dada faz as pessoas em alguns sentidos mais sociáveis e amigáveis do que elas seriam de outra forma. Chris Broadshaw (1994) diz que é como ir de uma sociedade urbana em que as pessoas vivem em apartamentos para algo como um ambiente rural bucólico, formado por casas de solteiros. As pessoas são mais sociáveis sob condições nas quais elas podem controlar melhor a apresentação de si mesmas no cotidiano. É por isso que arquitetos derrubam paredes para aumentar a eficiência nos escritórios. Richard Sennet (1976 : 5) explica:

Quando todos tem uns aos outros sob vigilância, a sociabilidade decai, o silêncio se torna a única forma de proteção. (...) As pessoas são mais sociáveis quanto mais elas tiverem barreiras tangíveis entre elas, posto que elas precisem de um lugares específicos em público cujo único propósito é colocá-las juntas. (...) Seres humanos precisam ter alguma distância da observação íntima por outros para se sentir sociáveis.

Isso ajuda a explicar a gregariedade que algumas pessoas introvertidas demonstram online. É por isso que comunidades virtuais, sejam utilitárias, profissionais ou puramente sociais, são repentinamente tão populares.

Sob essas condições, a atividade social que nós devemos investigar é complexa e elusiva. O que pode se dizer dos atores e agentes que se movem através dela? Ainda é possível falar de assuntos racionais e atores? Habermas (1987: 362-3) descreve a nova forma de dominação e despolitização, a "a colonização do mundo da vida". Isso significa que o governo e agências privadas cada vez mais submetem clientes e consumidores a laços de micro-autoridade. Fazendo isso elas definem para o cliente ou consumidor a forma e o significado da necessidades que as instituições almejam atingir. Terá a antes dominante categoria conceitual de "indivíduo" agora se reconstituído em um "usuário universal"? O que pode-se dizer de um discurso político levado adiante por usuários? Por o ciberespaço formar uma extensão do sistema nervoso de todos, ele forma um rede contínua que empurra para a frente uma unidade convergente, ainda que conflitual.

Heim (1993: 73) propõe substituir a noção de usuário por aquela de "mônade", para capturar a essência da junção humano-computador. Um mônade é uma pessoa e uma work station vistas juntas. Heim sugere que dentro de cada mônade a coletividade existe em sua inteireza. Todo mônade pode mostrar uma quantidade de perspectivas virtualmente completa, baseada no acervo de softwares e bancos de dados à sua disposição. A Internet está se difundindo em grande parte pela virtude de tornar montanhas de software disponíveis. Ela está lá para a livre coleta através do anônimo Protocolo de Transferência de Arquivo (File Transfer Protocol, FTP), que permite download livre. Essa arca do tesouro provê uma larga quantidade de perspectivas adotáveis. Essas próteses se adicionam à anonimidade de cada mônade. O último requerimento de um ponto em comum é a compatibilidade de hardware, mas, ainda assim, hardware não é algo absoluto. Ele, também, é passível de obsolescência. Nós vemos aqui uma reformulação radical da agência humana para se adaptar ao fato da tecnologia do computador.

Mais adiante, a transformação da agência humana em governo do usuário ou monadismo é um fenômeno particularmente ocidental. A linguagem do ciberespaço é o inglês e ciberespaço-tempo em si é uma criação ocidental, pós-industrial e especificamente americana. Para a maioria das pessoas no planeta, esta reconstrução da realidade está longe de ser de grande importância ou relevância. Ainda está pare ser visto que efeitos esse abismo entre realidades terá nas relações entre o Ocidente e o Resto, e na habilidade humana para lidar com o problema muito real das limitações e escassezas da Terra: recursos, população, poluição.

Pessoas se conectam por causa de interesses comuns, não localização física. Qualquer número pode jogar. Não interessa quantos participam. Assim que um entra online, o ciberespaço é espaçoso. Há pouco senso de lotação. Isso depende da quantidade massiva de processamento de computadores paralelos sempre acontecendo. A Rede é uma fronteira móvel em que qualquer um se sentindo perdido na multidão pode entrar para formar um novo grupo de discussão Usenet. O número de computadores ligados na Internet está mais do que dobrando todo o ano. Mais de 50 milhões de pessoas agora usam e-mail (Leslie 1994 : 42). As redes de computadores estão rapidamente se tornando a principal mídia do mundo para disseminar e trocar informações (Barlow 1994 :86).

 

tradução de Emiliano Urbim





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