Prospectos da Cultura Virtual Robbins e Webster |
Nesta parte final do livro, queremos fazer uma consideração sobre a nova cultura virtual que tomou forma ao longo da década de 90. Nossa perspectiva permanece crítica, salientando o argumento que a sociedade virtual é um espaço pacificado e administrado. Neste capítulo, consideramos três aspectos da cultura virtual: primeiro, examinamos as reivindicações de que as tecnologias virtuais criaram um espaço de conhecimento novo e dinâmico; em seguida, nos voltamos para as que estão sendo feitas sobre o fortalecimento da comunicação e da comunidade, e sobre as possibilidades da política virtual; e, finalmente, vamos discutir criticamente o que consideramos como a colonização tecnológica do futuro.
Um novo espaço de conhecimento As tecnologias virtuais têm implicações sobre o conhecimento, e conseqüentemente para as elites contemporâneas que vivem do conhecimento. Na discussão que segue, queremos sugerir que estas implicações profundas não são - ou não são diretamente - aquelas mais freqüentemente são aceitas. Onde a retórica dominante - associada à idéia da revolução da informação - vê uma nova condição da transcendência cognitiva, nós nos preocuparemos, antes, com o que consideramos ser o problema do conhecimento. Vamos começar com o que consideramos ser o enfoque dominante da nova mídia, através de uma reflexão sobre recente livro de Pierre Lévy, Cibercultura,1 que fornece uma das mais coerentes e persuasivas expressões da visão tecno-cultural contemporânea no sentido de expandir e fortalecer a cognição humana, que ele acredita existir nas novas tecnologias da informação e da cognição humana. O que ele argumenta em Cibercultura é que tem existido uma revolução tecnológica quantitativa no conhecimento humano a qual, ao mesmo tempo, tem colaborado para produzir uma 'nova relação de conhecimento'. Para Lévy, o que é novo na nova mídia é precisamente a criação dessa relação nova e mais complexa com o conhecimento (vista como estando em continuidade com as aspirações da modernidade, e, portanto, não em uma relação pós-moderna). Lévy descreve a emergência de um novo 'espaço de conhecimento' que está em completo contraste com o antigo, que se caracterizava por sua linearidade, hierarquia e rigidez de estrutura. Este novo espaço - este é o espaço da rede mundial de computadores - se distingue pela abertura, fluidez e qualidades dinâmicas: este é o espaço da profusão criativa e desordenada. A principal metáfora é a de um 'dilúvio de informação', criador de um 'oceano de informação', um 'oceano global de signos flutuantes' (páginas 90-191). O velho - e, dito, agora superado - espaço possuía interesses disfarçados que procurava e, poderia obter controle sobre a totalidade do conhecimento. Na nova condição de desordem, ou 'conhecimento em fluxo', Lévy sustenta, não mais haver qualquer perspectiva totalizadora ou domínio centralizado sobre o espaço global de conhecimento - E nesse sentido que a relação com o conhecimento é necessariamente transformada. O que Lévy então quer nos persuadir é que esta nova relação fornece a base para a ampla transformação social - e até mesmo parece, para a revolução social. Sobre a nova 'ecologia cognitiva' é dito que ela se traduza diretamente em novos valores sociais. No ciberespaço, nos é dito, o conhecimento não é abstrato, mas se torna a expressão visível e tangível de indivíduos e grupos que o habitam; as 'redes interativas' trabalham no sentido da 'personalização ou encarnação do conhecimento' (p.194). Lévy considera este desenvolvimento em termos de algum tipo de retorno à oralidade. Somente que, neste tempo, em contraste com a oralidade arcaica, o suporte direto do conhecimento não é mais a comunidade física e sua memória corporal, mas o ciberespaço, a região dos mundos virtuais, através dos quais comunidades descobrem e constroem seus próprios objetivos, e vêm a conhecer a si próprias como inteligência coletiva. (Cibercultura, p.197) O que ele considera como inovação sobre a nova cultura oral-tecnológica é este potencial para apoiar de maneira direta e imediata o contato entre seus membros. A interface virtual é concebida em termos de um retorno às condições da interação face a face. O potencial das novas tecnologias, dessa forma, aparentemente consiste em algum tipo de reversão social - ou, poderíamos dizer, regressão. Com base nisso, Lévy pode vislumbrar um mundo ideal de uma comunidade harmônica no ciberespaço. As novas tecnologias de informação e de comunicação tornaram possível, ele acredita, partilhar o pensamento, e assim, 'aumentar o potencial da inteligência coletiva entre os grupos humanos' (p.188). Isto aparece, para tomarmos um exemplo, na cultura educacional em andamento, onde o princípio da inteligência coletiva parece se manifestar através do 'aprendizado cooperativo'. Nos novos "campi virtuais", Lévy defende, 'os professores e os estudantes reúnem seus recursos materiais e informacionais', com o papel do professor tornando-se o de um 'animador da inteligência coletiva dos grupos do qual ele ou ela são responsáveis' (p.206). Na esfera do novo conhecimento, as bases da divisão social e do conflito parecem ser superadas: é como se a harmonização tecnológica - 'interoperacionalidade e capacidade computacionais globais' (p.200) - se traduzisse diretamente em novas condições de harmonia social. 'Dentro de poucas décadas', conclui Lévy, 'o ciberespaço, com suas comunidades virtuais', seus bancos de imagens, suas simulações interativas, sua abundância irretocável de textos e signos, será o mediador crucial da inteligência coletiva da humanidade' (p.201). Em termos sociais, então, a visão utópico-cibernética de Lévy para o nosso novo tempo tecnológico é a visão da convergência do valor global, de harmonização cultural e de fundação de uma nova comunidade. O que, de fato, é significativo no discurso de Lévy é a coexistência da retórica tecnológica radical com uma visão política, social e comunitária que de fato é totalmente convencional, se não conservadora. E nós diríamos, além disso, que é esta combinação de aspirações radicais com o que poderíamos chamar de aspirações pragmáticas que destacam Cibercultura como um texto representativo do final dos anos 90. O que o livro busca elaborar é o que vem sendo chamado de a política da 'terceira via' - uma política na qual um certo idealismo é contrabalançado por uma acomodação mundana às realidades existentes. Então, por um lado, Lévy pensa a sociedade virtual em termos de transformação da civilização e de emergência de uma nova inteligência global coletiva (nada menos do que isso). Mas, por outro lado, ele está muito bem ciente da economia dinâmica corporativa que precipita as mudanças que tanto o estimulam - ciente de que a 'virtualização da relação do conhecimento' é sustentada pela 'virtualização das organizações e empresas "interligadas" dependente do impulso comercial' (p.210). Esta política da terceira via, através de o que é essencialmente uma filosofia política do comunitarismo de alta tecnologia, representa o esforço para reconciliar o idealismo político com o princípio da realidade corporativa. As novas comunidades eletrônicas que parecem prometer o reencantamento da vida social e política são, de fato, os produtos funcionais do capitalismo em rede, e não são de forma alguma contrários aos seus interesses. Se, como Cibercultura deixa claro, existe uma nova visão de uma ordem social, essa parece ser a de um tipo de ordem social que não é de todo inconsistente com as aspirações do capital virtual. Para Lévy, então, o que é novo sobre a nova mídia é a nova relação de conhecimento tornada possível pelas redes globais. Essencialmente, ele está contando a história do progresso no campo do conhecimento, apresentado em termos de um tipo de transcendência cognitiva, através da qual nós vimos a habitar um novo espaço oceânico do conhecimento. Esta revolução imaginada no conhecimento é, então, considerada como sendo sinônimo da revolução nas relações sociais: a intimidade tecnológica e a imediatez da comunicação no ciberespaço inspiram a prática política do comunitarismo virtual. Essa é uma visão social que tem uma certa plausibilidade - sem dúvida, reforçada pelo compromisso dos interesses políticos e corporativos em sua realização. Mas pensamos que é necessário desafiar esta visão dominante. Porque, parece-nos, isso é parcial, uma visão enganadora, e também uma visão complacente. O que é novo sobre a nova mídia é em boa medida mais ambíguo e problemático, acreditamos, do que parece no relato tecno-cultural de Lévy. Concebemos como uma história mais desviante em relação a que ele nos conta: diz respeito ao que entendemos ser desmentido fundamental existente no coração da assim chamada revolução do conhecimento. Nós queremos sugerir que a narrativa de o que está acontecendo no campo do conhecimento poderia ser contada de uma perspectiva completamente diferente - da perspectiva do mundo cuja realidade estamos sendo convidados a abandonar. Para tornar claro o que queremos dizer por desmentido e abandono, vamos nos centrar na reivindicação feita por Ciberespaço para explicar por que o espaço do conhecimento global e em tempo real é melhor do que aquele que o precedeu. Preocupado com a definição de o que é novo e (consequentemente) melhor sobre a ordem do conhecimento virtual, Lévy sustenta que 'os bancos de imagens, as simulações interativas e as conferências eletrônicas asseguram um melhor conhecimento do mundo do que as velhas tecnologias ligadas à abstração teórica' (p. 197). Se o conhecimento antigo do mundo era substancial e territorial, ele continua, então o que é distinto sobre o 'melhor' conhecimento é que este é formal e descorporificado. A visão cibercultural de Lévy visa pois estabelecer uma trajetória através da qual tende a se tornar ao mesmo tempo descontextualizado e acelerado: a cultura do conhecimento contemporâneo é considerada como fundamentalmente sobre a aquisição das competências e habilidades informacionais genéricas (o tipo de conhecimento que é operacional e funcional dentro dos parâmetros sistêmicos do espaço tecnológico existente no tempo real que os interesses corporativos agora estão construindo) e tais competências são aceitas como elas são, em sua natureza, efêmera e provisória (continuamente tornadas obsoletas como sistema de conhecimento elas se tornam sujeitas à constante atualização e substituição). E, o que é crucial, sugerimos, neste discurso do progressivismo cognitivo, ou mesmo evolucionismo, é o significado de o que Lévy se refere como sendo a 'desterritorialização' do conhecimento. O ponto é que justo porque na medida em que supera as limitações da situação espaço-temporal do mundo real, o novo fluxo de informação fornece a base do 'melhor conhecimento do mundo'. Agora, é claro, como qualquer um, sabemos quais são as reais preocupações de Lévy quando nos conta esta simples e direta narrativa do progresso dos conhecimentos localizados e situados em direção ao estabelecimento de um novo descorporificado e desterritorializado espaço de comunicações - isto é o Michel Serres chama de 'imenso mensageiro', um espaço global de mensagens que promete constituir um 'novo universo'2 . E isto é exatamente devido à sua aparente simplicidade e auto evidência, além da facilidade que uma parte de todos nós poderíamos acompanhá-lo, que queremos pôr este relato em questão. Queremos questionar a afirmação não refletida de que o novo espaço de conhecimento desterritorializado é um espaço 'melhor' do que os outros (isto é os corporificados e situados). Há muita coisa junto com este 'melhor'. A reivindicação feita por Lévy faz sentido, ou sentido pleno, dentro do referencial estreito do progresso da razão instrumental, a qual tem, é claro, sido o mais poderoso discurso sobre o conhecimento da era moderna. E, é claro, a questão chave tem de dizer respeito à maneira como este discurso veio a predominar sobre todos os outros (como o conhecimento a serviço da razão eclipsou o conhecimento a serviço da autonomia). Se adotássemos uma abordagem mais abrangente a respeito do conhecimento no mundo - relacionando-o com as questões mais amplas da cultura global e da vida democrática, então certamente nós teríamos que examinar este 'melhor', este muito parcial 'melhor', que nos alerta para apenas um aspecto da transformação no domínio do conhecimento. Tal enfoque estaria preocupado em saber por que a tecno-cultura social e a visão política social possuem tão pouca preocupação com o conhecimento no mundo real - isto significa dizer 'territorializado'. Como é, nós gostaríamos de perguntar, que o 'novo universo' do conhecimento chega a parecer significativo do que outros tipos de saber sobre - corporificados e situados - e de se engajar com o mundo? E o que é significativo nessa desvalorização e afastamento das culturas de conhecimento corporificado e substantivo que predominam nas geografias do mundo real? Há questões difíceis a serem feitas a uma visão social que se baseia totalmente só na idéia de 'revolução' no conhecimento e no qual o conhecimento é entendido a partir de uma perspectiva estreita. Temos de resistir ativamente à idéia de o que está em questão é apenas algum tipo de desenvolvimento que é interno ao campo do conhecimento. Não podemos entender - e responder - ao que está acontecendo se nós o pensamos como uma revolução puramente científica e teconológica. O que de fato subjaze a nova agenda tecnocultural - junto com visões do 'novo universo' ou uma 'inteligência coletiva global', que o acompanha, é uma lógica muito mais simples e de fato mundana é a da economia política global. (Na verdade, o que queremos argumentar é que o que é novo sobre os novos meios relaciona-se a esta dimensão da economia política.) O discurso tecno-cultural de fato funciona, como já indicamos com particular referência a Lévy, para promover e legitimar a ideologia corporativa da globalização prevalecente (fornecendo sua articulação utópica - significa dizer purificada): o ideal da cibercultura constitui um aspecto de o que Armand Matterlart refere-se como a 'ideologia corporativa da comunicação global'.3 E o que nós queremos agora sugerir é que a distinção que temos feito entre os conhecimentos 'descorporificado e 'corporificado', e entre o espaço de conhecimento 'desterritorializado' e 'territorializado', se funda na distinção entre espaço de rede corporativa, por um lado, e o espaço do restante da população mundial, por outro. O que está em questão fundamentalmente aqui é a lógica da política econômica global que está mobilizando os novos meios de comunicação e informação para criar um espaço extraterritorial de empresas, desafiando as realidades culturais e políticas do mundo real no qual vive a maioria nós. Este espaço extraterritorial é um mundo à parte, mas não um 'novo universo' no sentido que a tecnocultura o pretende. Este é o mundo no qual as redes do capitalismo funcionam: o mundo das transações eletrônicas, dos fluxos de informações e das profissões intelectuais. Este é o mundo das elites de 'analistas simbólicos' e das redes de empreendimento do qual fala Robert Reich. Este é o mundo do 'capitalismo livre de atritos do qual fala Bill Gates: da interconexão transnacional de que há um sentimento crescente entre aqueles que aí operam, de que este espaço da comunicação global tem tornado obsoleto a velha ordem das fronteiras e dos territórios nacionais. Existe o perigo, como Reich notou, que a nova classe virtual e global se separe da nação, de que o cosmopolitismo digital seja associado a uma diminuição de compromisso com o lugar. Reivindicando que 'a vontade de anexar territórios já foi atenuada', um antigo presidente do Citicorp/Citibank nota 'a crescente irrelevância do território soberano'4 - e talvez a crescente irrelevância daqueles que vivem territorialmente. Zygmund Bauman mostra bem o ponto quando compara as novas 'elites produtoras de significado com elites extraterritoriais 'ausentes' que falavam e escreviam em latim na Europa medieval'. O Ciberespaço, firmemente lastreado nos websites etéreos da Internet, é o equivalente contemporâneo do latim medieval: o espaço onde vivem as elites instruídas de hoje em dia. Há pouca coisa com a qual os residentes do ciberespaço possam falar com aqueles que ainda observam desesperadamente para o espaço físico demasiado real. Cada vez menos eles tem algo a ganhar com este diálogo.5 Ciberespaço é um espaço seqüestrado, que perdeu contato com as realidades do mundo - e conseqüentemente funciona de acordo com a crença de que o mundo no qual a maioria de nós quer viver não tem mais nenhuma realidade. O espaço virtual quer existir como um tipo de espaço extraterritorial, com uma pós-(nacional) forma cultural do conhecimento circulando através de suas redes. Nesse contexto, poderíamos invocar os importantes argumentos levantados por Bill Readings em relação à transformação do conhecimento na universidade, a qual é um dos principais locais dessa produção. A lógica da globalização, de acordo com Readings, tem trabalhado para enfraquecer o significado de 'cultura': 'o simbólico e político é a contrapartida ao projeto de integração perseguido pelo Estado-nação'; e em seu lugar ela instala um novo modelo tecnológico de conhecimento, medido em termos de critério de 'excelência': 'como uma unidade não-referencial de valor, totalmente interna ao sistema, marcando nada mais do que o momento da auto-reflexão tecnológica'.6 O tipo de conhecimento que nós relacionamos agora na forma de 'informação' é um conhecimento que vem se caracterizando por sua 'desreferencialização'. O novo conhecimento é valorizado através de sua circulação e do esvaziamento de sua referencialidade crucial para a eficiência de sua circulação. A cibercultura existe somente em termos de auto referencialidade: ela simplesmente se comunica dentro e consigo mesma; e é o circuito infinito da comunicação, e de conexões e interconexões, que fornece a lógica de sua existência. 'A Internet veicula as conversas entre milhões de pessoas sem observar gênero, raça ou cor', diz nosso homem do Citicorp, e o ponto, ele parece pensar, se resume para todo mundo em contribuir para a troca da informação, em participar da grande 'conversação global'.7 A cultura da rede existe como um tipo de cultura do Esperanto: esta é uma cultura alheia ao território e fora do tempo (em próprios termos, ela existe apenas em tempo real). Uma cultura que carece de suportes no espaço (territorial) ou no tempo (histórico). É precisamente desreferencializada a qualidade que promete fazer do novo conhecimento a base para um 'novo universalismo' (Lévy) - para a utopia do universalismo pós-referencial, isto é, um universalismo que requer as condições da extraterritorialidade a fim de existir. Assim como as elites que falavam latim tentaram ignorar, o vernáculo que existia nos territórios em que viviam agora as elites ciberculturais se mostraram cegas para as novas misturas culturais que realmente as cercavam, nas demasiadas reais cidades globais que têm se tornado os destinos das populações mundiais. A ideologia corporativa da globalização e da sociedade de rede é a ideologia da classe inexistente. Isto é uma ideologia, além disso, que nega as realidades da atual globalização. Se desterritorisação tem sido um aspecto da mudança global, é que nós também temos visto a criação de novos tipos de territórios - cidades globais - nas quais diferentes culturas e conhecimentos estão empurrados lado a lado de acordo com seus diferentes ritmos e orientações, para o fim de criar novas misturas e mestiçagem. O que nós realmente precisamos é de uma grande política de engajamento com e entre todos os que vivem nos novos territórios culturais (e que não são mais os nacionais); com um compromisso com o que pode ser obtido por meio deste diálogo. O que nos está sendo oferecido como alternativa não passa de algo muito amigável para o usuário da comunidade global no âmbito de um 'novo universo'. O que estamos dizendo é que nós, agora, temos que considerar a relação entre o extraterritorial e as novas culturas e conhecimentos territoriais. Para isso ser possível, temos de aprender a reconhecer a diversidade e riqueza dos conhecimentos que coexistem nas sociedades globalizadas; a necessidade, como coloca Daryush Shayegan, de 'ter acesso a diferentes registros de conhecimento' (para 'as chaves do pensamento não abrirem todas as mesmas portas').8 Existe uma desesperada necessidade de pôr um debate mais rico sobre os conhecimentos das sociedades contemporâneas - em lugar do marketing vazio e pretensamente progressista que o slogan da cibercultura nos prende (e reflete a hegemonia dos interesses corporativos).
Política virtual: uma política sem gente A referida realidade da divisão e polarização por certo tem de ser vista como parte integrante da transformação global que está agora tendo lugar, embora quase não seja reconhecida nas ideologias da sociedade de informação global. Se nós reconhecermos que isto é uma transformação político-econômica, e que os princípios que governam uma economia informatizada são provavelmente diferentes daqueles que estavam em jogo em etapas prévias à acumulação do capital, então nós dificilmente esperaríamos que fosse de outro modo. Mas, é claro, se esta realidade perturbadora poderia ser desmentida ou denegada, talvez poderia se imaginar que a mutação contemporânea realmente inaugura uma nova e melhor era. E não é este mecanismo de negação que está em jogo quando a perspectiva político-econômica é deslocada por uma tecnológica, como parece ser o caso em muitos dos discursos contemporâneos? Isto, sugerimos, é o que está em jogo na nova política da Terceira Via. A perspectiva da 'revolução tecnológica' tornou possível esconder difíceis realidades da mutação contemporânea, e até mesmo acreditar que o que está ocorrendo no mundo contemporâneo realmente pode contribuir para a melhoria social e política. Nos manifestos e discursos políticos de agora, as áridas realidades da divisão e do conflito estão sendo dissolvidos na retórica adocicada que apela para o consenso e a coesão social. A defesa da cultura tecnológica está geralmente ligada aos ideais sensíveis da comunicação e da comunidade - a restauração da comunidade através do aumento da comunicação - prometendo um refúgio ordenado das desordens causadas pela mudança no mudo real. O discurso tecno-cultural nos encoraja a pensar que algo novo está no horizonte. Mas com uma pequena reflexão - e a não ser que você esteja abertamente pressionado pelo novo equipamento - ela deveria tornar claro que não há nenhuma realidade inovadora ou revolucionária nas novas aspirações comunitárias. O que temos é, de fato, a próxima manifestação de algumas formulações utópicas muito antigas. Armand Matterlart remonta à associação da comunicação, comunhão e comunidade até Saint-Simon no início do século XIX .9 A comunicação tem sido associada com transparência, e desse modo, com entendimento e conseqüentemente, com harmonia social: a utopia ou ideologia da comunicação trata de (reunir as pessoas), e este reunir, pressupõe-se, consolidará os vínculos da comunidade. Em outro lugar, Matterlart identifica a emergência da idéia da comunicação como o princípio regulador que contrabalança o desequilíbrio da ordem social'.10 Muito antes de ser emancipatória, esta ideologia, ou religião da comunicação - que talvez até mesmo tenha tomado o lugar da ideologia do progresso - tem, por 200 anos, funcionado como um meio de promover o controle e a ordem social. Defende-se que a comunicação promove uma inteligilibilidade social mais ampla, que por sua vez supõe-se vá ampliar a 'concórdia geral' entre as pessoas (e entre os povos). Trata-se, Matterlart diz, a perspectiva na qual 'todo o problema social tende a ser formulado como uma equação comunicativa'.11 E toda solução é então formulada em termos de uma nova fixação tecnológica das comunicações. Assim, Linda Harasim repetidas vezes afirma que 'a necessidade do ser humano de se comunicar e desenvolver novas ferramentas para tomar forma a história da civilização e da cultura', para defender que as novas redes de comunicação por computador constituem neste contexto, um meio tecnológico inovador que 'permitirá à humanidade expressar-se de maneiras novas, melhores e mais esperançosas'.12 Nesse mesmo espírito, outro entusiasta da rede argumenta que a 'matriz das redes interconectadas globalmente' facilita a formação de matrizes globais da mente'.13 Através de uma perspectiva conscientemente pós-modernista, Mark Postre assinala o mesmo ponto, argumentando que se comunicar pelo computador é o ponto crucial da segunda era da mídia: a Internet é significativa, ele acredita, na medida em que tipos de 'pontos de encontro', áreas de trabalho e cafés eletrônicos, nos quais a extensa transmissão de imagens e palavras se tornam lugares de relações comunicativas'.14 E se, em cada um desses casos, as tecnologias de comunicação são vistas como a panacéia social e política, isso deve ser assim devido a uma inadequação, ou uma ruptura na comunicação, que é vista como o problema social fundamental com o que temos de nos confrontar. Os políticos estão de prontidão para difundir a mesma mensagem esperançosa. O vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, anuncia nada menos do que 'um novo período de democracia ateniense' tornado possível pela eficácia comunicativa da 'supervia global de informação'. Uma nova ágora eletrônica 'nos permitirá compartilhar informação, conectar e se comunicar com a comunidade global'; ela nos permitirá a troca de idéias dentro de uma comunidade e entre nações.15 Gore imagina a possibilidade de um 'tipo de conversação global em que cada um pode dizer o que desejar'.16 E, na Inglaterra, o Novo Trabalhismo tem a mesma idéia: Nós estamos no limiar de uma revolução tão profunda como a que foi produzida com a invenção da imprensa. As novas tecnologias, que permitem que a comunicação aconteça rapidamente em uma grande quantidade de diferentes caminhos sobre a terra, e permite que a informação seja fornecida, procurada e recebida em escala até agora inimaginável, produzirá mudanças fundamentais em tudo que faz parte de nossa vida.17 Nós somos encorajados a amarrar nossas esperanças à 'rede de ligações comunicativas que pode permitir às pessoas falar simultaneamente, ver umas às outras, e compartilhar imagens, textos e sons, onde quer que elas estejam no mundo'.18 Em ambos os lados do Atlântico, os políticos da Terceira Via parecem pensar que a 'mudança fundamental' acontecerá uma vez que nós pudermos conversar adequadamente com os outros e desfrutar de uma grande conversação global; como se os problemas do mundo fossem a simples conseqüência de um déficit histórico nas comunicações. E com a glorificação da comunicação acentuada tecnologicamente, inevitavelmente ocorre também a idealização política da comunidade tecnológica. Há alguns, como Mark Poster, que imagina as comunidades virtuais no sentido 'pós-moderno', em termos de um novo tipo de associação fluída e flexível - uma comunidade virtual como 'a matriz de identidades fragmentadas, cada qual apontando em direção à outra'.19 Mas, na maior parte dos casos, o novo tecno-comunitarismo tende a ser conservador e nostálgico: é centrado em volta da suposta recuperação e restauração de algum vínculo original. Cristina Odone expressa a nova ideologia com grande clareza. 'A Rede', ela diz 'foi lançada sobre o espaço coletivo que antes era ocupado pelo seio familiar, a igreja, o mercado público'. Conexões de rede' parecem reacender aquele sentimento fugidio de pertencimento que jaz no coração da comunidade tradicional'. As visões políticas são giradas para fora da sua imaginação como algodão doce: Desse modo a rede poderia servir como o primeiro bloco de construção na criação de um conjunto de novas solidariedades sociais, fundada sobre diálogos interdisciplinares e interculturais cimentadas na 'capacitação' e 'aquisição de liberdade civil' dos indivíduos marginalizados. Um admirável novo mundo onde o coração e alma readquirem significado político ao dar voz àqueles que não têm e espaço público ao indivíduo.20 Aqui, o mundo é concebido na imagem de uma bomba de água de uma aldeia ou a praça principal. Lidar com os problemas pode ser manejado da mesma forma como resolvendo os problemas de vizinhança em uma comunidade local. Odone diz concisamente o que tecno-futurista Howard Rheinghold só pode dizer num livro grosso, cheio de aspirações comunitárias similares. No Virtual Community, Rheinghold, da mesma forma, busca persuadir-nos que a Internet é o instrumento moderno, não somente para recuperar o sentimento de comunidade, mas também obter a 'comunhão espiritual verdadeira'.21 Há uma verdadeira religiosidade neste tipo de evangelismo eletrônico (na tradição, sugeriríamos, o Misticismo Católico de Marshall McLuhan). Os políticos também foram rápidos em celebrar as possibilidades de expandir a comunidade. Eles estavam lutando contra a herança opressiva do liberalismo econômico de Regan e Thatcher, e estavam diante da tarefa de tentar recriar formas de coesão sociais e políticas. Foi por esta razão que eles retornaram à filosofia e princípios de comunitarismo, particularmente por estes que foram desenvolvidos e propagados no trabalho de Amitai Etzioni.22 A influência de Etzioni tem sido significante em ambas políticas americanas. (particularmente, com Newt Gingrich) e no qual o Novo Trabalhismo tem buscado seu 'conceito ativo e amplo de comunidade'.23 E a agenda comunitarista provou, além disso, ser uma que poderia facilmente unir-se à política tecno-cultural da supervia de informação. Al Gore apegou-se ao argumento de que as novas tecnologias poderiam favorecer as comunidades democráticas através de simulações eletrônicas da Câmara Municipal Jeffersoniana. E, na Inglaterra, o Novo Trabalhismo tem estado atento aos interesses americanos em tais 'centros de encontros virtuais'. Há um grande desejo de acreditar que a nova comunicação e tecnologias de informação podem pôr os cidadãos (os assim chamados cidadãos-virtuais 'netizens') 'em contato' uns com os outros novamente. Até onde os políticos da Terceira Via estão implicados, prometem tornar as comunidades disponíveis instantaneamente, agora como um serviço (ou uma mercadoria) que pode ser canalizado dentro da residência eletrônica - comunidade, ou interatividade, para consumo doméstico. No contexto britânico, este novo tecno-comunitarismo tem sido ativamente promovido por Demos, um grupo de pessoas que se faz escutar por Tony Blair. Edições de Demos Quaterly tem proclamado as virtudes das novas tecnologias para a comunidade democrática, com artigos, por exemplo sobre 'Redes de trabalho para uma sociedade aberta' e 'Volta à Grécia: o alcance da democracia direta'.24 Na verdade, em seu livro Connexity, Geoff Mulgan (o antigo Diretor de Demos, e agora um consultor de Blair) desenvolve um arcabouço teórico para a nova visão social da Terceira Via. Mulgan vê a Nova Ordem Mundial como algo em que 'o mundo tem se tornado mais interdependente e conectado... mais pessoas dependem mais umas das outras do que antes'.25 A política de conexão pretende trabalhar em harmonia com esta afortunada lógica benigna, 'pondo a baixo as barreiras e separando identidades que tem sido a maior causa do sofrimento humano e de guerras'.26 O objetivo é promover um maior sentimento de transparência, mutualismo e confiança - as relações imediatas das comunidades são o principal ponto de referência (nos é dito até mesmo que as novas tecnologias prometem 'conexão direta entre as mentes das pessoas, transcendendo a idéia de eus e sujeitos separados').27 Na nova ordem, Mulgan defende, 'a conexibilidade amplia o horizonte das pessoas e torna mais fácil formar novas comunidades, como as comunidades virtuais do ciberespaço, ou as comunidades fracas que compartilham interesses ou que se reúnem por simples diversão'.28 Ele vê o futuro em termos de um desenvolvimento 'na direção de uma estrutura mais celular que é mantido junto pela comunicação... Em uma ordem celular o que interessa é sua associação em um número de diferentes células'.29 Estar envolvido nessas 'pequenas unidades' é como fazer parte de um clube: 'Os clubes estão baseados em seus membros, que compartilham valores e compromissos mútuos. Eles são, quase por definição, recíprocos'.30 Essa é a política do Neo-comunitarismo: uma política de associação e interesses compartilhados. Isto, parece-nos, é uma agenda empobrecida. A noção de comunidade (virtual) remete à fuga para o campo mítico estável e ordeiro. A sociedade ideal é imaginada em termos de interação comunicativa dentro de comunidades reunidas por afinidade, independente de sua localização física (e essas podem ser tanto comunidades de subjetividades 'pós-modernas' descentradas e fragmentadas, tanto quanto de cidadãos conservadores, que pensam ter identidades centradas e coerentes). Parece que o ideal de uma comunidade virtual é, para aqueles que podem ingressar na vida virtual, um retiro das perturbadoras realidades causadas pela mudança global. A cultura virtual e sua ideologia de comunicação sustentam a ilusão de consenso e unanimidade entre aqueles que possuem 'interesses em comum'. E talvez seja somente sob condição da existência virtual que o sentido de comunidade pode ser sustentado agora? A comunidade de interesses nega - através dos novos meios tecnológicos disponíveis - os conflitos e antagonismos do mundo real. Mas como, nos perguntamos, se estes são aspectos constituintes da vida social e política? E se eles são realmente a condição para possibilitar a cultura cívica e democrática? Sivanandan está correto, a comunidade virtual é a 'comunidade de interesses e não de pessoas' (e você precisa de pessoas para fazer a revolução, ele acrescenta).31 É a condição virtual de descorporificação e distanciamento que sustenta a comunidade de interesses, enquanto a existência corporificada e situada diz respeito a necessidade de viver com outras pessoas - e não quaisquer outros em comunidades imediatas - cuja existência frequentemente nos desafia e nos confunde. A política da nova Terceira Via representa o que Zizek (seguindo Jacques Racière) descreve como uma tentativa de 'suspender o potencial desestabilizador da política, negá-la e/ou regulá-la de um modo ou de outro...{e} provocar o retorno ao corpo social pré-político'.32 Isso é a neutralização da política em nome da administração do social (do clube). O que está em oferta, diz Rancière, é a política sem paixão: 'Um mundo onde cada um precisa do outro, onde tudo é permitido desde que seja para a oferta do prazer individual; e onde tudo o que é misturado nos é proposto como um mundo de multiplicidade auto-pacificado'.33 Política Virtual: uma política sem poder, uma política sem antagonismo, uma política sem pessoas. Isto não é política de maneira alguma.
Encerrando o Futuro Como nós podemos viver sem o desconhecido diante de nós? (René Char) Numa resenha publicada na revista Foreing Affairs, os futurólogos Alvin e Heidi Toffler consideram, uma vez mais, a natureza da mudança tecnológica. Eles criticam os autores do livro por eles resenhado pela sua 'perspectiva continuísta', que dizem os Toffers, subestimam a atual transformação tecnológica, uma mudança completa envolvendo problemas e confusões. Sua própria perspectiva vê, e sempre viu, o que está ocorrendo em termos de transformação e de um 'choque com o futuro': A revolução tecnológica não 'prossegue' incansavelmente ou de qualquer outra maneira. Tendo iniciado brevemente após a II Guerra Mundial, saltou dentro de seu super-impulso e mudou seu caráter fundamental. As tecnologias chaves de dois séculos anteriores e ao século depois de 1850 foram crescendo admiravelmente. Desde então, têm expandido as capacidades da mente humana. Isso não é uma continuação, mas uma descontinuidade revolucionária.34 Nós estamos, eles dizem, experimentando 'uma transformação pelos menos tão profunda como a Revolução Industrial, mas inserida dentro de um pequeno intervalo da história'.35 O sentido dos Toffers para a descontinuidade revolucionária ainda implica na perspectiva de confronto com experiências ainda desconhecidas. O futuro, eles nos asseguram, não será como o passado. Eles tem transmitido um sentido de estímulo e antecipação a respeito das possibilidades inerentes ao futuro - O futuro da 'Terceira Onda' no qual algo chamado 'poder da mente' finalmente virá a imperar por si só. Nesse momento, nós somos informados, a nova tecnologia realmente fará a diferença. E não será fácil etc, etc. (você sabe sobre o choque do novo), mas esta revolução realmente trará vantagens. Isto é o grande começo. Articulando suas previsões, visões e lemas, Toffers estão sendo bons futurólogos profissionais. Eles estão fazendo, e bastante, o que os futurólogos são pagos para fazer: boas previsões. Há uma vasta haste de outros auto-proclamados futurólogos também nos tentando distrair com esse maravilhoso futuro tecnológico que eles tanto conhecem. Todos jogam as cartas da descontinuidade. Tudo aquilo que foi errado com o passado será corrigido na espécie de futuro novo e feliz que a ciência e a tecnologia estão desenhando para nós. As promessas de liberdade, capacitação e riqueza no futuro descontínuo tem se tornado rotineiras e familiares. Nós estamos vivendo em uma época de futurologias, e o discurso de transformação, confusão e revolução é, na verdade, completamente banal - e de fato totalmente aceitáveis - para nós todos no momento (é como chover no molhado). Bill Gates tem sua visão posta na 'a estrada do futuro'36 - a estrada que nos levará para o mundo do 'capitalismo livre de atritos' (o que significa levar-nos para qualquer lugar; fazer com que o lugar onde estejamos se pareça com qualquer outro). Para Nicholas Negroponte, tudo é uma questão de mudança do velho mundo analógico para outro onde cada um de nós teremos de 'ser digital'. 'Ser digital é diferente', ele nos diz 'no mundo digital, soluções anteriormente impossíveis tornam-se viáveis'.37 Agora, sejamos claros, essas não são pessoas que vêem a si mesmas como meras prognosticadoras - elas se comprazem em vê-las a si próprias como visionários muito sérios (no momento em que, para a maioria de nós, isto tem se tornado completamente um conceito totalmente desvalorizado). Estas são as pessoas que tem visto o futuro e visto que ele funciona (elas vivem desses velhos clichês). Mais do que isso, elas sabem que ele funciona porque são aquelas que estão construindo e financiando a sua própria existência (portanto não deveríamos acreditar que elas têm nossos melhores interesses em seu coração?). Todo este livro [Times of tecnoculture] foi concebido como uma rejeição ao falsos discursos pretenciosamente proféticos dos tecno-visionários (que muitas vezes não passam de professias de seus verdadeiros redatores (ghost writers) e das agências de publicidade). Nós não acreditamos que estamos vivendo uma revolução. Nós não estamos esperando por um admirável mundo novo. Existem demasiadas razões para ser cético sobre essas promessas sem fundamento. Os ciber-missionários desejam que nós, como David Edgerton muito corretamente observa 'criemos meios para as novas pessoas que têm "o futuro em seus ossos" , aquelas que se orgulham de "terem visto o futuro". É um velho truque, mas nós ainda caímos nele. O que eles querem é assegurar nossa cumplicidade com seus esquemas (nossa aceitação de seus comerciais em favor do 'progresso'). E, para esse fim, como Edgerton observa, 'eles desejam tornar nosso conhecimento do presente e o passado nulo e vazio'.38 Eles pretendem neutralizar nosso ceticismo em relação à descontinuidade revolucionária. E eles querem fazer desse modo porque nosso próprio conhecimento poderia certamente tornar claro que não há nada que seja significantemente novo ou inovador em seus sonhos comerciais. Nós viríamos através das novas roupas virtuais do imperador da Microsoft. Desse modo o que é que o nosso próprio conhecimento poderia nos dizer? Nós reconheceríamos que há novas tecnologias. Mas nós não enxergaríamos sinais de novas relações sociais, valores, objetivos etc. As tecnologias mudam, mas a sociedade permanece estática. E nós acreditamos que nossos amigos futurologistas realmente desejam apenas esse caminho (em seus corações eles são fortemente continuístas). O único tipo de mudança que eles estão interessados é na mudança de mercado (a revolução de uma roda presa). O que eles acham excitante são as grandes possibilidades comerciais inerentes aos novos produtos tecnológicos - a Internet ou transmissão digital - ou jogos de realidade virtual. Mas tratando-se de uma nova forma social e política, próprias para a nova ordem global, eles se perdem - conseguem surgir apenas com o consumo interativo e a comunidade virtual. Por de trás da ciber-retórica, há um sério conservantismo cultural e uma imaginação empobrecida. A mudança é realmente a última coisa que eles querem. Eles desejam um futuro que apenas perpetue o passado. Trabalhe em seu computador, consuma através da TV digital, e seja feliz com a sua própria comunidade virtual. Apenas seja feliz com os objetivos triviais da vida digital. Os princípios fundamentais da sociedade capitalista continuará pondo em ação essa famosa tolice compulsiva. E se acontecer de pensar que essa mudança poderia ser uma coisa boa, não olhe para os 'revolucionários' tecnológicos para fazê-lo acontecer. Eles estão totalmente satisfeitos com o modo que coisas estão acontecendo agora. A continuidade é dolorosamente aparente em tudo. Nesse livro nós temos descrito as transformações associadas com a sociedade em rede global como sendo fonte de novos "cercados". O que eles expressam é a vontade de subjulgar mais e mais elementos da vida social à lógica da racionalidade e controle. O que eles sustentam é o projeto, articulado pela primeira vez pelos ' velhos visionários' do começo do século XIX, tal como John Herschel e Charles Babbage, para mobilizar recursos intelectuais visando obter eficiência social e econômica. Como William Ashworth coloca, 'operações mentais corretas e eficientes, na visão dos reformadores, dependia completamente da organização da mente. Na verdade, de acordo com Herschel e Babbage, a mente poderia funcionar idealmente com a produtividade e confiabilidade de uma fábrica bem ordenada'.39 É aí que se origina a louvação das funções da análise simbólica. A mente "tipo fabril" foi vista como a base de uma nova ordem social racionalizada. Sem dúvida, há agora muitas idéias diferentes sobre a natureza das fábricas bem ordenadas, mas os analistas simbólicos de hoje ainda são analisados por sua eficiência e acerto em suas operações mentais. As novas criações dos anos 90 estão fazendo a ordem social cada vez mais intensa (subordinando o mundo da vida como um todo) e extenso (encerrando o mundo por inteiro). Nos termos 'Cornelius Castoriadis', a nova ordem global de informação expressa, e talvez preenche, uma das duas principais significações de sociedade moderna, que correspondem a sua dimensão capitalista (nós trataremos do outro significado em seguida). Dentro deste significado imaginário: Tudo deve prestar contas diante do Tribunal da Razão (produtiva) e deve provar seu direito à existência com base no critério da expansão ilimitada de 'domínio racional'. O capitalismo desse modo torna-se um movimento perpétuo supostamente racional, mas essencialmente cego, de auta-reinstituição da sociedade, através do uso sem restrição do (pseudo) meio racional para um único (pseudo) fim racional.40 Esta lógica de ordem vem se desenvolvendo agora muito além às aspirações dos analíticos do princípio do século, com mais alcance e esforço. Ela tem feito do mundo um espaço mais fechado e diminuído, um espaço apertado e mesmo de encarceramento. Mas há algo que é ainda pior do que isso, porque o espaço mundial tem sido colonizado por essa lógica de ordem e de racionalização, também assim ocorre com o tempo. Uma realização maior do imaginário capitalista tem sido a colonização do futuro - e isso significa a colonização da possibilidade. As tecnologias no novo mundo de informação econômica têm buscado para vencer as 'barreiras' do tempo, colocando em seu lugar a infra-estrutura do que é chamado de economia em 'tempo-real', e criando o que Manuel Castells descreve como o 'tempo sem tempo' da sociedade em rede.41 O que isso significa é que a sociedade global está sendo subordinada à temporalidade racional e padronizada. Paul Virilio descreve o processo em termos da instituição de 'um tempo global único que está liquidando a multiplicidade dos tempos locais'42. É o tempo de um presente eterno - nos termos de Virilio 'uma amputação do volume do tempo'43 - desprovido do potencial de mudanças ou transformações significativas. A sociedade de informação está obcecada com o futuro, mas o futuro dessa obsessão é meramente a continuação sem fim do presente. Ashis Nandy sugere que este apagamento do futuro pode refletir num receio fundamental do futuro entre as elites ocidentais. A preocupação com a futurologia, ele sustenta, lida com o desejo de controlar e garantir a segurança do futuro. Trata de tentar fazer do futuro o mais semelhante possível do presente, porque o medo real é o medo de um futuro não limitado ou desconectado pelo presente'44. Qualquer que seja a retórica futurista que o cerca, a sociedade de informação global de fato trabalha para cercar as reais possibilidades produtivas contidas no futuro. O que tem sido finalmente obtido nesse aspecto é nada menos do que o fechamento capitalista do futuro. A questão fundamental agora diz respeito se há alguma alternativa ao que está sendo apresentado à nós como o caminho a percorrer - o único caminho a percorrer. O qual, certamente, é perguntar se ainda podemos imaginar outras possibilidades. Para nós, o que é crucial nessa questão, é primeiramente, a própria força da lógica de domínio que está no centro do projeto capitalista, e em segundo - o corolário perturbador - o sucesso que esta lógica tem tido em ocultar outra significação principal existente no período moderno. Esta última é o que Castoriadis refere como 'o significado da autonomia individual, de liberdade, da procura de formas para a liberdade coletiva, o qual corresponde a democracia emancipatória, projeto revolucionário'; é o significado que corresponde ao 'indivíduo crítico, reflexivo e democrático'.45 Nós poderíamos concordar com Castoriadis que essa última aspiração está atualmente paralisada, lançada para uma crise pela poderosa hegemonia do projeto de dominação. O projeto de autonomia certamente não está acabado. Mas sua trajetória durante os últimos dois séculos comprovou a inadequação radical, o que para dizer o mínimo, os programas nos quais estava incorporado... Para o ressurgimento do projeto de autonomia, novos objetivos políticos e novas atitudes humanas são exigidos, os quais porém, no momento atual existem apenas uns poucos sinais. Enquanto isso, poderia ser um absurdo tentar decidir se nós estamos vivendo entre um longo parênteses, ou se nós testemunharnos o começo do fim da história ocidental, essencialmente ligada com o projeto de autonomia e co-determinada por ele.46 A tecnocultura ocidental tem sido fundamental para essa neutralização do projeto de autonomia. Agora, como a sociedade global de informação está construída dentro dessa existência, o futuro parece estar dominado. O horizonte parece estar fechado. Alvin Toffler já pintou o retrato da Terceira Via. O plano de Bill Gates para o capitalismo livre de atritos no século XXI já foi bem propagandiado. Os profetas que pretendem estar nos convidando a caminhar rumo ao desconhecido estão, na verdade, tentando nos vender o que todos sabemos muito bem. E, de fato, eles estão nos condenando a viver sem o desconhecido em frente de nós. Jacques Rancière descreveu o tempo da sociedade contemporânea como 'um tempo homogênico... no qual o futuro não é mais do que uma expansão do presente'. Como tal, ele diz, é um tempo 'que não é mais marcado pela promessa. O futuro não é mais o outro do presente - portanto ele não mais contém a possibilidade de acontecimentos e encontros desconhecidos que poderiam ser transformadores. Sem o desconhecido a frente de nós, não pode haver autonomia e criatividade. 'Criação', diz Castoriadis, 'significa a capacidade de produzir o aparecimento do que não foi dado - não derivável, por meio de uma combinação, ou melhor - partindo do que é dado.48 O que distingue os seres humanos é... Esta capacidade, esta 'possibilidade' de construir de maneira ativa, positiva, e num sentido não predeterminado outras formas de existência social e individual... ali existe pelo menos um tipo de criatura que cria outra coisa, que é uma fonte de autoridade, e que por isso se modifica. (s'altère lui-même).49 A auteridade do futuro desconhecido é o meio vital completo através do qual o processo de criação e auto-criação pode tornar possível. Sem ele, já pode haver o fechamento do sentido. O encerramento tecnológico do futuro apossa-se do recurso do tempo ilimitado que é necessário para desordem criativa da imaginação radical. Nos é deixada nada mais se não a expansão do presente. Nós somos convidados a chegar a um acordo com a nova tecnocultura que é nos dada em compensação pelo fim da esperança. Será isso o bastante? O que acontece com aqueles que aceitam viver sem o desconhecido a sua frente? Tradução: Rodrigo Lopes e Sílvio Vinícius Lovato |
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