Cruzando a Fronteira
da Pós-Modernidade:
Albert Borgmann


Douglas Kellner


Nos seus principais trabalhos, Albert Borgmann explorou profunda e detalhadamente o papel da tecnologia na vida contemporânea e forneceu perspectivas filosóficas críticas, as quais não podem passar em branco. Neste estudo, eu discuto, sobretudo, Crossing the Postmodern Divide (1992), em relação com os temas do seu livro anterior, Technology and the Character of Comtemporary Life (1984). Embora aprecie o esforço de Borgmann em fornecer distinções entre modernidade e pós-modernidade como épocas históricas, eu questiono sua análise da fronteira da pós-modernidade e esboço uma concepção alternativa de tecnologia que se engaja criticamente com algumas das posições de Borgmann. Minha posição é que, embora a tecnologia ameace a democracia, a comunidade, a soberania individual e outros valores que muitos de nós têm em comum, ela também fornece potencial para uma reconstrução positiva da vida social e para uma ampliação positiva da vida humana. Minha provocação será desconstruir o que eu considero ser uma distinção muito fina, nos textos de Borgmann, entre uma tecnosfera hiperreal e o mundo da interação humana concreta e das atividades focais. Eu tento mostrar que alguns valores positivos de Borgmann podem ser percebidos nos ciberespaços das novas tecnologias e fornecer alguns exemplos. Essas reflexões irão nos obrigar a repensar os conceitos de esfera pública, democracia, comunidade e tecnologia.

 

Tecnologia e Modernidade: Perspectivas de Borgmann

Na introdução de Crossing the Postmordern Divide, Borgmann se refere à "qualidade expatriada da vida pública", escrevendo: "Nós vivemos em um exílio auto-imposto da conversação e ação comunitária. A esfera pública está nua. A política americana perdeu sua alma. A república se tornou procedimental, e nós nos tornamos pessoas descomprometidas. O individualismo se tornou canceroso. Nós vivemos na era do narcisismo e procuramos a solidão" (1992: 3). Ele então fornece muitos exemplos expressivos da intolerância e hiperatividade contemporânea e desenvolve um polêmico ataque contra nossa atual condição. Referindo-se mais uma vez aos temas do seu livro anterior, eu concordaria que a tecnologia é pelo menos parcialmente responsável pelos problemas que Borgmann eloqüentemente evoca, mas que ela também proporciona soluções possíveis, que o veneno fornece parte da cura.

Não há dúvida de que a tecnologia é uma das principais constituintes do nosso mundo contemporâneo e que se exige perspectivas filosóficas sofisticadas para teorizar sua natureza e efeitos. A tecnologia tem sido reconhecida, por Borgmann e outros, tanto como uma importante constituinte do mundo moderno, quanto como uma possível alavanca para uma nova pós-modernidade. Além disso, seus proponentes e críticos concordam que a tecnologia tem sido de significativa importância na constituição da modernidade, e a maioria dos teóricos da pós-modernidade argumenta que as novas tecnologias são amplamente responsáveis por nos fazer cruzar a fronteira para a pós-modernidade. Mas antes de fazer essa viagem, eu quero criticamente aproveitar a opinião de Borgmann sobre a modernidade e focalizar o papel da tecnologia na aventura moderna.

O argumento de Borgmann é que a modernidade é amplamente caracterizada pelo realismo agressivo, um universalismo metódico e um individualismo ambíguo. O projeto moderno para Borgmann envolve o uso da ciência e da tecnologia para dominar a natureza; a construção de um método que é amplamente técnico para construir o conhecimento que irá nos capacitar a controlar a natureza e uma sociedade tecnológica; e o desenvolvimento da tecnologia e seus frutos para satisfazer necessidades e fins individuais nos quais a tecnologia está embutida através de nexos de meios e fins que servem primariamente a interesses de indivíduos atomizados.

Borgmann defende que a filosofia é um registrador sísmico de mudanças de épocas e retira as características de modernidade do desenvolvimento do pensamento moderno, em relação ao qual ele é fortemente crítico. Tem havido numerosos discursos sobre modernidade nos últimos anos e eu acredito que Borgmann vai demasiado longe ao privilegiar a filosofia como definidora da modernidade. Se olharmos para a modernidade da perspectiva da teoria social crítica, obtém- se um quadro de alguma maneira diferente da fronteira da modernidade/pós-modernidade (eu também acredito que a modernidade se parece diferente do ponto de vista das artes, ou da economia e da política, mas esse é um assunto para outro trabalho). Do ponto de vista da teoria social clássica - a tradição de Marx, Weber e Dürkheim, e outros - a modernidade é interpretada como uma ruptura de época envolvendo importantes mudanças na economia, na política, na ordem social, na cultura e na vida cotidiana.

Dentro da teoria social, ainda existem argumentos apaixonados acerca de se a economia capitalista, a política democrática, a revolução cultural Iluminista, a ética protestante a la Weber, a diferenciação urbana e social, ou - como eu argumentaria - a concatenação de todos esses fatores é o principal responsável pelas origens, desenvolvimento e trajetória do mundo moderno (ver Antonio e Kellner, 1992).

Teóricos sociais clássicos, como Habermas em nosso tempo, mas por diferentes razões, vêem um potencial positivo na modernidade e em promessas não realizadas que poderiam, contudo, ser concretizadas no futuro. A modernidade, desse modo, parece diferente das perspectivas da teoria democrática, que vê a ascensão da democracia, da esfera pública liberal, das cartas de direito e constituições como componentes definidores. Do mesmo modo, se olharmos a modernidade sob a perspectiva da teoria social clássica, poder-se-ia encontrar novas formas de associação, comunidades, cooperação, comunicação, e outras formas de interação social, bem como os benefícios das cidades modernas. E modernidade, da perspectiva do modernismo nas artes, considera uma rica variedade de movimentos e trabalhos estéticos inovadores que transcendem as limitações e convenções da arte tradicional (ver Berman, 1982).

Todas essas características da modernidade econômica, social, política e cultural são, reconhecidamente, ambíguas e nós poderíamos ter muitos livros e conferências sobre os benefícios e desastres da economia capitalista; a natureza, a substância, os benefícios e obstáculos recorrentes para realizar a democracia; os ganhos e desgastes das formas positivas de associação social da primeira modernidade; e as vicissitudes da cultura moderna. De fato, eu concluiria que modernidade é um fenômeno altamente ambíguo com enormes realizações e potenciais e copiosos problemas e desastres. Mas eu defenderia que nós precisamos de perspectivas transdisciplinares para teorizar a modernidade e eu sou cético com relação a se a modernidade, e consequentemente nós, de fato cruzamos a fronteira da pós-modernidade - como eu discutirei ao longo desse artigo.

É claro, pode-se entender modernidade a partir das perspectivas da filosofia, como Borgmann o faz, e essa ótica poderia muito bem iluminar características fundamentais do mundo moderno, mas tal ótica amplamente filosófica deixa passar, como eu sugiro, algumas das mais positivas, mas também ambíguas e persistentes, características da modernidade. Também poderia ficar excluído de uma perspectiva puramente filosófica o envolvimento da tecnologia nas relações sociais e dentro de um sistema socio-econômico específico, como as perspectivas do tipo daquelas da teoria social crítica desenvolvida por Marx, Weber, Lukács e a Escola de Frankfurt proporcionam. Conseqüentemente, eu argumentarei que essa tradição fornece uma melhor visão para iluminar nossa situação presente e o papel da tecnologia no mundo contemporâneo do que a tradição filosófica. E esse tema será o principal foco da maior parte do restante do meu artigo.

 

Uma Fronteira da Pós Modernidade?

As perspectivas da teoria social crítica tornam-se relevantes quando se analisa a concepção de Borgmann de uma fronteira da pós-modernidade e nós colocamos a questão de como podemos melhor caracterizar o momento contemporâneo. Borgmann, de início, esboça a fronteira da pós-modernidade em termos de uma crítica filosófica da ideologia moderna, ou se você prefere, a forma de pensar moderna, o moderno Gestell, ou o que Borgmann algumas vezes chama de "projeto moderno" ou "modernismo". Ele escreve que: "uma época se aproxima do seu fim quando sua convicção fundamental começa a enfraquecer e não mais inspira entusiasmo entre seus defensores. Isso é verdadeiro para cada uma das três partes do projeto moderno: realismo, universalismo e individualismo"(1992: 48). É aqui que Borgmann privilegia "o significado sismológico da filosofia moderna", que registra essa mudança. Borgmann cita Richard Rorty, em seu "Filosofia e o Espelho da Natureza", como um crítico paradigmático do projeto moderno de assegurar o conhecimento de tipo representativo, para dominar a natureza fundamentado em uma base de verdade e certeza que forneceria as ferramentas para dominar a natureza - e que defende uma mudança para um conceito mais modesto de filosofia como conversação, e eu acrescentaria, interpretação.

No entanto, são Adorno e Horkheimer em Dialética do Iluminismo (1972 [1947] que, décadas antes de Rorty, apresentam uma poderosa crítica ao projeto Iluminista de dominação da natureza e radicalmente desconstróem as fundações, premissas e sistemas do pensamento moderno que levam do estilingue à bomba de hidrogênio - para usar uma frase posterior de Adorno. Além disso, embora Adorno e Horkheimer, Rorty, Borgmann, eu mesmo, muitos filósofos da tecnologia, e alguns teóricos pós-modernos estejam preparados para romper com a forma de pensar agressiva, que vê a natureza como a coisa a ser dominada e que concebe ciência e tecnologia como instrumentos de dominação, esta é ainda uma forma dominante de pensar entre as elites econômicas, políticas e intelectuais hegemônicas. Mais além, tal "realismo" é provavelmente compartilhado por todos os vários setores do público, já que não está claro que existe uma ruptura da pós-modernidade com o pensamento dominante da modernidade, embora tenha aparecido uma grande variedade de críticas e propostas alternativas - incluindo a de Borgmann.

Igualmente, enquanto os mesmos teóricos que eu mencionei acima - assim como feministas, como Carol Gilligan, a quem Borgmann cita, rejeitam o conceito de método universalista da verdade ou o estabelecimento de técnicas para dominar e controlar a natureza, os conceitos neopositivistas de ciência, de fé na tecnocracia e nas soluções técnicas conforme o método correto, e o desejo pelo rigor, os aspectos quantitativos de um ciência "dura", que garantiriam a verdade e a objetividade que continuam a constituir o pensamento dominante no principais meios acadêmicos e intelectuais. Borgmann escreve que: "o universalismo foi sendo destronado em quase todos os campos da cultura contemporânea, da matemática à antropologia, ao direito e à literatura, passando pela física e pela biologia. Isto hoje é visto como um esforço apreensivo e pretensioso e, no entanto, em última análise, fútil de reforçar o rigor e a uniformidade num mundo de luxúria e desregramento"(1992: 55). Contudo, apenas as vanguardas nesses campos estão contestando o paradigma moderno, e mesmo na filosofia, a crença no rigor, em fundamentos e em modos e técnicas de argumentação corretos continuam a predominar - ao menos essa é a impressão que eu tenho das reuniões filosóficas, dos encontros departamentais e das leituras das principais revistas filosóficas.

Finalmente, embora o individualismo possessivo criticado por Borgmann tenha levado à anomia social, à destruição da comunidade e ao desespero desanimador, infelizmente há pouca evidência de que um número significativo de pessoas esteja se afastando da concepção limitada e destrutiva de indivíduo - um aspecto que Borgmann mesmo observa:

Apesar de sua beneficência, o poder transformativo do pós-modernismo é duvidoso porque falhou em resolver a ambigüidade do individualismo. O último vocábulo indica que a condição humana perdeu seus vínculos comunitários pré-modernos. Mas nós necessitamos uma compreensão unificada e positiva da pessoa que responda ao vocábulo. O indivíduo foi pensado como sendo o começo e o fim do projeto moderno, seu autor e beneficiário, mas esta coerência foi uma ilusão (79).

E, embora alguns filósofos vejam as limitações dos paradigmas e formas de pensar modernos, eu temo que as características que Borgmann atribui à modernidade ainda mantenham o domínio, embora elas estejam admitidamente e, de muitas formas, merecidamente sob ataque. Contudo, Borgmann finaliza suas interrogações sobre modernidade com uma nota estranhamente positiva e otimista:

O desenvolvimento intelectual, artístico e econômico da geração passada nos levou além da extensa e uma vez fértil planície do modernismo para um lugar onde, olhando para trás, podemos ver que nos elevamos irreversivelmente sobre a despreocupada agressividade, imensidão e desobstrução do modernismo. O último agora parece imprudente e desatento para nós, se não completamente arrogante e opressivo. A transição do modernismo para o pós-modernismo é refletida em muitas mudanças semelhantes de afinidades: da convicção em um destino manifesto para o respeito pela sabedoria nativa americana, do chauvinismo masculino para muitos tipos de feminismo, da teoria democrática liberal para reflexões comunitárias, do conflito para a mediação, da tecnologia médica heróica para o movimento de hospício, do industrialismo para o ambientalismo, das soluções duras para as suaves (78).

Borgmann nota, então, tendências contrárias às "mudanças da luz para escuridão: do Iluminismo para o dogmatismo, da tolerância para a disputa étnica, do liberalismo para a auto-correção, da liberdade para a censura" mas conclui que "as mudanças para o bem prevaleceram" (78). Aqui podemos discutir eternamente se essa mudança paradigmática aconteceu ou não nessas questões específicas, e se as mudanças para o bem ou para o mal ou algo entre esses ocorreram. Mas o ponto crucial do assunto é que Borgmann não teoriza a fronteira da pós-modernidade convincentemente. Ele elabora um modelo ou tipo ideal do projeto moderno, mostra que ele está sob ataque em certos setores da filosofia e vida contemporâneas, mas não fornece um conjunto convincente de critérios para distinguir a modernidade da pós-modernidade, ou argumentos e evidências de que nós realmente atravessamos a fronteira da pós-modernidade para alcançar o outro lado.

Para ser exato, Borgmann esforça-se para articular um projeto alternativo que ele intitula "realismo pós-moderno", mas eu tenho minhas dúvidas se essa noção é adequada para articular a fronteira entre o pensamento moderno e o pós-moderno. Sem dúvida, eu argumentaria que o perspectivismo e o construtivismo social estão no coração da crítica pós-moderna, que está radicalmente em conflito com o tipo de realismo que Borgmann professa. Sem dúvida, Borgmann conserva consistentemente uma ontologia e filosofia da natureza realistas e, da mesma forma, existe um realismo normativo envolvido nos conceitos de Borgmann de objetos e práticas focalizados (1984 e 1992). Com efeito, Borgmann está nos dizendo para ficarmos atentos ao realmente real, ao autêntico, na organização da nossa vida. Que, por exemplo, nós deveríamos comprometermo-nos com as atividades "reais" de comer, fazer jardinagem, correr, e assim por diante, e evitar a fragmentação e a dispersão em práticas superficiais e fantasias irreais de mídia ou consumo - ou, como eu devo discutir e questionar - o campo do ciberespaço.

Dois sentidos de realismo estão, dessa forma, fundidos em Borgmann: uma concepção ontológica de realidade com uma celebração normativa daquilo que é fadado a ser realmente real e autêntico: por exemplo, objetos e práticas focalizados. Mas para a teoria pós-moderna, a "realidade" é uma construção, e noções de "autenticidade" ou realmente real são regularmente desconstruídas. Dessa forma, eu argumentaria que as linhas principais da crítica pós-moderna são dirigidas contra tais formas de realismo, e que a noção de "realismo pós-moderno" se dirige contra as principais linhas do pensamento pós-moderno. Além disso, mesmo se tivesse havido uma mudança nos paradigmas filosóficos, eu não tenho certeza de que apenas isso sustentaria o tipo de mudança epocal de um período histórico para outro, que Borgmann evoca com seu conceito de "fronteira pós-moderna". A minha própria visão é que enquanto existe aquilo que pode ser chamado de tendências emergentes, que podem levar à superação da mentalidade ou projeto modernos, tais como descritos por Borgmann e outros, que esses fenômenos emergentes alegadamente "pós-modernos" atualmente não podem carregar o fardo de articular a separação do pós-moderno em relação ao moderno, ou servir como evidência da transcendência do moderno - embora exista uma evidência sustentável de que há uma virada pós-modernista em muitos círculos.

Sem dúvida, para que o conceito de pós-moderno tenha força e substância, eu argüiria que nós precisamos distinguir entre modernidade e pós-modernidade como épocas históricas; modernismo e pós-modernismo como formas de arte; e teoria moderna e pós-moderna (ver Best e Kellner 1991 e 1997). Acredito que Borgmann confunde essas distinções.

Na maior parte das vezes, Borgmann, como eu estou sugerindo, desdobra sua concepção de uma mudança paradigmática pós-moderna em filosofia numa concepção epocal de pós-modernidade, apesar de, na última parte da discussão de Borgmann sobre o pós-moderno (capítulo 3), ele discutir arquitetura e o que ele chama de economia pós-moderna, arraigada no processamento de informação. Nessas evocações da cultura e sociedade pós-modernas, há candidatos mais promissores para teorizar uma fronteira pós-moderna, ainda que eu defenda que nós precisaríamos mudar da filosofia para a teoria social e crítica cultural, ou para perspectivas transdiciplinares , para teorizar essas fronteiras. Esta é, eu creio, a direção desarticulada para qual Borgmann está se dirigindo, mas atualmente ele tende a exageradamente privilegiar a filosofia. Eu diria, por minha conta, que nós precisamos, ao invés, focalizar mais intensamente na economia, cultura, e sociedade, para ver as mudanças de paradigma do moderno para o pós-moderno em ação e produzir um modo de vida bem diferente, arraigado, como veremos, no impacto dramático das novas tecnologias - tanto quanto na reestruturação global do capitalismo (ver Best e Kellner 1997).

Em outras palavras, eu estou argumentando num meta-nível para ir além da filosofia, chegando a uma teoria social transdisciplinar tal como foi desenvolvida pela Escola de Frankfurt, assim como em algumas versões da teoria pós-moderna e como ocorre hoje em algumas versões do feminismo, dos estudos culturais e do multiculturalismo crítico (ver Kellner 1995). Dessa forma, embora eu não pense que Borgmann tenha demonstrado uma mudança de paradigma na filosofia e na cultura do moderno para o pós-moderno, eu acredito que tais distinções podem ser feitas (ver Best e Kellner 1997) e que há, sem dúvida, manifestações de uma mudança pós-moderna na arquitetura e em outras formas culturais, como Borgmann sugere, embora ele não dê conta sistematicamente da transição do modernismo para o pós-modernismo nas artes. Como o faz Jameson (1984 e 1991), que correlaciona a espécie de ausência de afeto, a fragmentação, o pastiche e a implosão nas artes com as experiências dos sujeitos pós-modernos, defendendo que o pós-modernismo se tornou uma cultura dominante e um novo modo de subjetividade e experiência. Embora eu não concorde com Jameson que o pós-modernismo na cultura já é dominante, ele é certamente uma força emergente importante que pode muito bem ajudar a registrar uma mudança mais ampla subjacente dos paradigmas modernos para os pós-modernos.

Borgmann interpela as recentes tendências na economia e em processos de informação particulares. Neste ponto, eu concordaria que uma mudança pós-moderna de paradigma é evidente e passível de ser descrita em termos da emergência de uma sociedade pós-industrial, de uma sociedade de informação, do pós-Fordismo, da globalização pós-moderna, e de diversas outras concepções relacionadas à reestruturação do capitalismo. Sem dúvida, é evidente que enormes mudanças estão acontecendo na economia e, mais cedo ou mais tarde, elas irão afetar, para melhor ou para pior, todos os aspectos da vida. Quando o capital se transforma, os efeitos se espalham de um lado do globo ao outro, de um domínio social para outro. Dessa forma, eu concordo com Borgmann que os novos modos de processamento de informação e que novas tecnologias de comunicação e computação - assim como a realidade virtual, simulação, e outros instrumentos exóticos de alta tecnologia - estão produzindo um conjunto de mudanças dramáticas na economia, na sociedade, na cultura e na vida diária. A fim de evitar o determinismo tecnológico, entretanto, eu proporia que se teorizasse o atual desenvolvimento na tecnologia dentro do contexto de uma reestruturação global do capitalismo, envolvendo os modos como as novas sínteses de capital e tecnologia estão transformando dramaticamente cada um dos aspectos da nossa vida.

Essa discussão nos leva novamente à temática borgmaniana da tecnologia e da vida contemporânea, e aqui eu vou polemizar com as suas visões sobre essa matéria, assim como com suas perspectivas filosóficas.

 

Realismo pós-moderno ou focal versus Hiperrealidade

Em Crossing the postmodern divide, Borgmann sustenta que duas opções contrastantes se confrontam conosco quando encontramos a situação presente, que ele descreve como a escolha entre "hiperrealidade instrumental" e "hipermodernismo" em oposição ao "realismo pós-moderno" e ao "realismo focal". O hipermodernismo descreve uma intensificação dos piores aspectos da modernidade e é constituído por uma "hiperrealidade", "hiperatividade" e "hiperinteligência" (Capítulo 4), que ele contrasta com o "realismo focal", o "vigor paciente" e a "celebração comunitária" (Capítulo 5). Borgmann dessa forma desenvolve conjuntos de esquemas triádicos para contrastar o moderno com dois modos de vida da condição pós-moderna, um dos quais intensifica o modernismo (isto é, o hipermodernismo) e um que rompe mais radicalmente com isso assim constitui uma alternativa genuinamente pós-moderna. Nas palavras de Borgmann: "A tendência alternativa é superar a tecnologia como um modo de vida e colocá-la a serviço da realidade, das coisas que pedem nosso respeito e dignificam nossa vida. Isso eu chamo de realismo pós-moderno" (82).

Borgmann desenvolve, dessa forma, uma distinção normativa crucial entre o hipermodernismo e o realismo focal pós-moderno, o que fornece, como Andrew Light defendeu, um remapeamento das primeiras distinções borgmanianas entre instrumentos e objetos e práticas focalizados. Essas distinções delineiam o que Borgmann gosta e não gosta no momento contemporâneo, daí que os dois conjuntos funcionem em seu pensamento como marcadores positivos ou negativos, que criticamente contrapõem a experiência "real" à experiência "hiperreal". Por exemplo, como as situações seguintes o indicam, Borgmann persistentemente ataca as experiências e as práticas hiperreais, denegrindo "o crescimento canceroso da cultura do vídeo" (10) e sustentando que: "Essa região intermediária da realidade física está hoje dividida pela linha entre o real e o hiperreal. De um lado estão as coisas que solicitam a contínua presença do mundo; do outro, as experiências descartáveis e descontínuas" (118). Borgmann também escreve que: "Tendo deixado o modernismo [por exemplo, como um modo de teoria e paradigma intelectual] para trás, nós agora temos de decidir se prosseguiremos no plano infinito e sem vivacidade do hipermodernismo ou saltaremos para um outro mundo mais real" (126).

Borgmann, dessa forma, recomenda que nós "superemos a tecnologia como um modo de vida", coloquemos a tecnologia a serviço da realidade e façamos dos objetos e práticas focalizados os fundamentos de nossa vida (1992:82ff). Embora eu concorde que não devamos cultuar cegamente a tecnologia, que devamos utilizá-la para expandir nossas vidas e servir aos nossos mais estimados valores, eu discordo da distinção de Borgmann entre hiperrealidade e realidade e seus correspondentes modos tecnológicos de experiência e interação com o hiperreal como sendo o oposto à interação "real" com a natureza, os objetos, e seres humanos - os quais ele privilegia em comparação com a tecnosfera hiperreal e suas seduções. No restante deste artigo, eu desejo argüir que os novos modos tecnológicos de experiência e interação são tão reais e enriquecedores da vida como a conversa, a jardinagem, uma caminhada na floresta, ou cuidar de animais - exemplos valorizados positivamente por Borgmann. Eu acredito que a distinção de Borgmann entre real e hiperreal e a sua difamação da hiperrealidade são problemáticos, que nós precisamos desconstruir tais oposições, e ver como as novas tecnologias tornam possíveis os tipos de experiências focalizadas e enriquecedoras da vida que o próprio autor reclama.

É claro que as novas tecnologias e os modos de experiência tecnológicos possuem alguns dos prejuízos para os quais o autor aponta, e que há tantas perdas quanto ganhos nos usos das novas tecnologias de computação e informação, que eu focalizarei. Mas o ponto que eu gostaria de enfatizar é que nós precisamos de uma ótica dialética sobre a tecnologia e, crucialmente, precisamos focalizar nossa energia no planejamento dos usos para as novas tecnologias que vão realçar nossas vidas e servir aos valores a que nós defendemos em comum. Conseqüentemente, eu compartilho das preocupações práticas e políticas daqueles filósofos da tecnologia que querem que sua filosofia diga respeito ao modo como ela pode enriquecer nossas vidas, possa ser posta a serviço da política progressista - ou que se opõem às tecnologias destrutivas e negadoras da vida, tanto quanto às suas aplicações.

No último capítulo de Crossing the Postmodern Divide, Borgmann esboça sua própria visão política e perspectivas, e é revelador que interações positivas com a tecnologia não façam parte de suas deliberações. Em um nível, eu aprecio as últimas seções do livro de Borgmann, que esboçam uma agenda política e normativa pós-moderna, com a discussão do realismo focalizado, vigor paciente,e celebração comunitária - isto é, para mim, bastante preferível às versões apocalípticas e niilistas do pós-modernismo que estão circulando. Contra versões tão cínicas e niilistas da teoria pós-moderna (Baudrillard e alguns de seus seguidores me vêm à mente), Borgmann fornece um versão construtiva e positiva. Mas ele parece deixar de fora experiências e usos das novas tecnologias naquelas atividades, e os valores e atividades que ele celebra são contrapostos às experiências e atividades "hiperreais" negativas ou "más", revelando aspectos de uma rejeição tecnofóbica a ver usos mais positivos da tecnologia.

Com efeito, eu considero curioso que em sua discussão do processamento da informação, Borgmann descreva a computadorização da economia com exemplos de negócios, mas não descreva os modos como as tecnologias de computação estão se tornando intrínsecas à estrutura de nossas vivências e práticas cotidianas. Aqui - para complementar o programa positivo de Borgmann, mas também talvez para questionar e desconstruir a sua dicotomia "real" versus "hiperreal" - eu gostaria de descrever alguns exemplos concretos de como o uso das novas tecnologias pode ser algo como os objetos e práticas focalizados de Borgmann e pode ajudar a produzir novos modos de comunicação, de escrita, de arte, que tornam possível o tipo de experiências e atividades pós-modernas positivas que Borgmann mesmo deseja. Eu defenderia que essas tecnologias e seus usos são tão reais quanto nossas interações em outras dimensões da experiência, embora haja novidades e aspectos positivos e negativos que necessitam atenção, discussão e comprometimento. Eu também desejo defender que os novos ciberespaços da mídia e tecnologia de computação produzem novas esferas públicas que podem ajudar a superar o isolamento individual, a apatia e a tristeza que alienaram amplos setores do público da nossa política e das outras pessoas.

 

Novas tecnologias e novos objetos e práticas focalizados

Borgmann freqüentemente é bem sucedido fazendo filosofia com exemplos. Eu vou tentar simular sua prática aqui. Vamos começar pela comunicação por e-mail e computadores. Desde alguns anos, eu usei o e-mail diariamente para me comunicar com pessoas de todo o mundo. Isso facilitou muito a comunicação profissional, poupando muito do tempo e incomodação às vezes envolvidos em planejar viagens, escrever artigos e em se comunicar instrumentalmente com colegas. A comunicação por computador provavelmente alimenta relações pessoais e profissionais que podem levar a amizades duradouras e relacionamentos produtivos. Além disso, a comunicação mediada por tecnologia pode ser usada tanto para comunicação interpessoal quanto para negócios, e pode alimentar relações e interações sociais significativas, assim como servir apenas para objetivos instrumentais.

Na verdade, eu argumentaria que a comunicação por e-mail e computador tem a característica de estabelecer novas formas de conectividade e interação. Como se pode notar, ela possibilita que eu me conecte com colegas e amigos por todo o mundo, mas também possibilita a conexão com pessoas que eu nunca encontrei, assim expandindo minha rede de amigos e colegas. Além do mais, é até mesmo possível se comunicar em tempo real de pessoa para pessoa via "tela dividida", ou pelos novos espaços interativos áudio-vídeo. Pode-se comunicar com grupos de pessoas em MOOs e MUDs1, ou em conferências via computador. Há perdas e desvantagens inegáveis neste tipo de comunicação, mas também, eu argumentaria, benefícios. Apesar de algumas vezes a comunicação face a face ser preferível, e a conversação por telefone ser preferível ao e-mail, não é sempre possível se engajar neste tipo de interação. Assim, a comunicação eletrônica mediada por computador, ainda que minimamente, completa e expande as conexões e interações.

Além disso, conferências por computador e MOOs e MUDs possibilitam a interação com uma gama de indivíduos mais ampla e variada do que geralmente é possível na comunicação face a face, e sem o fardo de uma viagem. Nos últimos anos, eu tenho participado de conferências virtuais nos MOOs do Postmodern Culture (PMC) e do Institute for Advanced Technology in the Humanities (IATH). A última conferência foi organizada na Flórida e, durante uma sessão em um sábado à tarde de 1995, nós nos conectamos a um MOO situado na Virginia. A interação possibilitou um intercâmbio de idéias muito mais intenso do que geralmente é possível em conferências, que limitam o intercâmbio de idéias, já que os indivíduos só podem falar um por vez, freqüentemente os participantes não dizem muito de interessante e, como nós sabemos bem demais, alguns oradores tendem a monopolizar a conversação. Em conferências via MOO, pelo contrário, os indivíduos podem multiplicar suas idéias através de texto, pode-se interagir de maneira intensa com mais indivíduos e idéias, e observadores podem comentar os procedimentos - com todo o evento capturado e arquivado para escrutínio posterior e discussão e debate mais aprofundados.

Existem, é claro, perdas neste tipo de conferência eletrônica, em comparação com a tradicional conferência face a face, que pode provocar diálogos excitantes e interação interpessoal (apesar de que, após trinta anos freqüentando conferências, eu diria que isto é mais exceção do que regra). Pode-se cultivar relações mais pessoais e interativas com a interação face a face, apesar de que a comunicação mediada por computador também pode criar relacionamentos que podem ser incrementados na vida real. Em conferências por computador, sacrificam-se as alegrias de viajar, mas também se evitam as agruras. Não é preciso romper o tecido do cotidiano e pode-se interagir com pessoas sem sair de casa, poupando o tempo (e o dinheiro) geralmente gastos com a viagem, e pode-se gastar estas economias engajando-se em atividades focalizadas mais recompensadoras.

Embora a comunicação mediada por computador possa ser intensa e interativa, existem perdas inegáveis devidas à falta da presença concreta de voz, de interação pessoal e de outros aspectos semióticos da interação interpessoal. Mas eu não colocaria a comunicação face a face em uma hierarquia superior à comunicação eletrônica em termos absolutos, e defenderia uma lógica de ambas ou e de, ao invés, de uma baseada na alternativa isto ou aquilo, vendo estes modos de comunicação e interação como complementares e suplementares, e não como mutuamente excludentes. A comunicação face a face pode facilitar a manipulação e dominação, assim como a interação positiva; pode ser chata e demorada e prender indivíduos em situações em que eles não querem realmente estar. Além do mais, eu certamente não vejo o que pode ser intrinsecamente prejudicial na comunicação por computador se ela é um complemento para interações sociais concretas, apesar de reconhecer que há o perigo de se perder em mundos virtuais, perdendo-se as capacidades de interação e comunicação interpessoais e a habilidade de interagir socialmente com os outros.

Em termos de pesquisa e escrita, que é um domínio focal importante da vida acadêmica e intelectual, eu sustentaria que bancos de dados computadorizados, a internet e surfar na rede oferecem tremendos recursos e complementação para as práticas acadêmicas convencionalizadas. Acessar bancos de dados e páginas da rede freqüentemente poupa tempo de pesquisa, oferece riqueza de informações, acesso a fontes alternativas e enseja debates para pontos de vista mais amplos. Apesar de que é possível beneficiar-se das formas tradicionais de pesquisa em bibliotecas, e não estou tentando valorizar uma destas formas mais do que a outra. Evidentemente, eu argumentaria que os novos modos de comunicação, pesquisa e escrita são um complemento para as formas tradicionais e não devem ser vistos como seus substitutos.

Também, novas tecnologias como CD-ROMs, e outras formas de multimídia oferecem novas possibilidades para o trabalho criativo e a educação. Por exemplo, eu trabalhei em um CD-ROM sobre o filme Painters painting with voyager, de Emile de Antonio, editando mais de 700 páginas de entrevistas com artistas que Antonio dirigiu, oferecendo biografias dos artistas e contextualizando o filme e a história da arte, assim oferecendo mais de 1000 páginas de texto. Demais para um livro, mas facilmente acomodáveis em um CD-ROM. Apesar de Borgmann dizer que a arte foi subvertida pela tecnologia (1992: 136), eu diria que as novas tecnologias oferecem novas possibilidades para a criatividade estética - e trabalhei com os ciberartistas Pat Lichty e Jon Epstein, desenvolvendo ilustrações para os meus livros e sítios na rede. Além disso, acredito que páginas de rede de museus e outras instituições tornam acessíveis para o mundo inteiro a herança artística mundial, que de outra forma não seria acessível para muitos indivíduos. Evidentemente, a reprodução eletrônica da arte, como slides e reprodução impressa, constitui uma perda da aura da presença da obra de arte, mas oferece experiência e informação textual complementares que podem enriquecer uma possível experiência museológica das obras em si.

Quando nos voltamos para usos mais sociais e políticos das novas tecnologias de computador, o conceito de superestrada da informação destaca a necessidade de se ter uma internet livre, aberta a todos, e oferecendo espaços públicos para diversos tipos de causas e interações. Dada a profundidade com que o capital e sua lógica de mercantilização tem colonizado cada vez mais áreas do cotidiano nos últimos anos, é impressionante que o ciberespaço seja ampla e largamente desmercantilizado para um grande número de pessoas - ao menos nos países superdesenvolvidos como os Estados Unidos. Nos Estados Unidos, instituições educacionais e governamentais, e algumas empresariais, oferecem acesso gratuito à internet e, em alguns casos, computadores gratuitos, ou ao menos acesso no local de trabalho. Com baixas tarifas telefônicas (que eu sei não existirem em grande parte do mundo), pode-se ter acesso gratuitamente a uma cornucópia de informação e entretenimento na internet, um dos poucos espaços não-mercantilizados no ultramercantilizado do tecnocapitalismo.

A metáfora da fronteira significa a aventura das explorações e desafios computadorizados, que em conjunto com o conceito de uma superestrada da informação evoca imagens de uma jornada, uma viagem, aventuras pós-modernas no processamento de dados, comunicação, criatividade estética e exploração - replicando algumas das aventuras da modernidade primitiva nos novos ciberespaços. Nós estamos entranto em novas fronteiras, novos modos de comunicação e interação, novas fontes de conhecimento e criatividade e novas formas de interação social. Existem, é claro, perigos de que alguém possa se perder neste mundo, e não há dúvidas de que alguns de nossos estudantes e concidadãos estão se diluindo nos por vezes problemáticos mundos do ciberespaço, com jogos imbecis, bate-papos estúpidos, e atividades problemáticas como a pornografia e o jogo, além dos usos mais produtivos que eu estou valorizando.

E enquanto as metáforas da rede apontam para a conectividade, níveis multifacetados e rizomáticos de experiência e textura, as mesmas metáforas também significam, mais negativamente, que se pode ficar aprisionado dentro de um mundo artificial, perdido nas casas de diversão do ciberespaço, incapaz de escapar para o mundo e relações externas. Entretanto, muitas organizações políticas estão usando a internet para avançar suas lutas e para conectar as pessoas com fatos no mundo real. Muitas organizações trabalhistas estão começando a fazer uso das novas tecnologias. Mike Cooley (1987) escreveu sobre como sistemas computadorizados podem mais recapacitar do que descapacitar os trabalhadores, enquanto Shosana Zuboff (1988) discutiu os caminhos por que a alta tecnologia pode ser usada para "informatizar" os locais de trabalho mais do que automatizá-los, expandindo o conhecimento e o controle dos trabalhadores sobre as operações, ao invés de reduzi-los. A Campanha das Roupas Limpas, um movimento iniciado por mulheres holandesas em 1990 em apoio aos trabalhadores em confecções filipinos, apoiou greves por todo o mundo, mostrando condições de trabalho exploratórias. Em 1997, ativistas envolvidos em greves trabalhistas da Coréia e na greve portuária de Merseyside na Inglaterra usaram páginas na rede para angariar solidariedade internacional.

Organizações trabalhistas, como o grupo Dignidade do Trabalho Norte-Sul, percebem que as redes de computadores são úteis para coordenar e distribuir informação, mas não pode substituir a mídia impressa, que é acessível à maioria de seus integrantes, os encontros face a face e as formas tradicionais de luta política. O truque é articular a política de comunicação com ações e lutas políticas concretas, de modo que a ciberluta seja um braço de batalha política, mais do que um substituto. As lutas mais eficazes pela internet se cruzam com lutas concretas indo de campanhas para libertar presos políticos a boicotes a projetos corporativos, até lutas políticas concretas, como se percebe acima. Portanto, contra a globalização do capital vinda de cima, ciberativistas estão tentando levar adiante a globalização de baixo para cima, desenvolvendo redes de solidariedade e espalhando a luta por todo o globo. Contra a internacional capitalista da globalização corporativa transnacional, uma Quinta Internacional de ativismo mediado por computador está emergindo, para usar a frase de Waterman (1992), que é qualitativamente diferente das Internacionais socialista e comunista, baseadas em partidos. Este trabalho em rede liga grupos trabalhistas, feministas, ambientalistas, pacifistas e outros grupos progressistas, fornecendo a base para uma nova política de aliança e solidariedade, para superar as limitações da política de identidade pós-moderna (sob este ponto, ver Best e Kellner).

Além do mais, uma série de lutas a respeito de raças e gêneros também é mediada por novas tecnologias de comunicação. Depois das audiências de Clarence Thomas, em 1991, sobre sua adequação como candidato a membro da Suprema Corte de Justiça dos EUA, do ataque de Thomas a queixas de assédio sexual por Anita Hill e outras, e a incapacidade de quase todos os membros masculinos do Senado Americano para desqualificar o evidentemente desqualificado Thomas, as mulheres começaram a usar o computador e outras tecnologias para atacar os privilégios masculinos no sistema político norte-americano, e para incentivar mulheres a apoiar candidaturas femininas. O resultado foi a maior eleição de mulheres em 1992 do que em qualquer outra eleição e a rejeição geral do domínio conservador.

Muitas feministas criaram sítios, listas de discussão e outras formas de cibercomunicação para divulgar suas lutas. Do mesmo modo, intelectuais afro-americanos insurgentes fizeram uso de radioteledifusão e tecnologias de computação para levar adiante suas lutas. John Fiske (1994) descreveu alguns projetos de radiodifusão afro-americanos nas "tecnolutas" da era contemporânea e o papel central da mídia nas recentes lutas envolvendo raça e gênero. Os "guerreiros do conhecimento" afro-americanos estão usando radiodifusão, redes de computadores e outros meios para divulgar suas idéias e contra-conhecimento em uma variedade de assuntos, contestando a tendência dominante e oferecendo pontos de vista e políticas alternativos. Do mesmo modo, ativistas em comunidades de cor - como Oakland, Harlem e Los Angeles - estão estabelecendo centros comunitários de computação e mídia para ensinar, em suas comunidades, as habilidades necessárias para sobreviver ao ataque violento da mediatização da cultura e da computadorização da sociedade.

Obviamente, grupos direitistas e reacionários podem e têm usado a internet para promover suas agendas políticas. Em pouco tempo, pode-se facilmente ter acesso a uma exótica mistura de sítios ultradireitistas mantidos pela Ku Klux Klan e uma miríade de grupo neonazistas, incluindo o Nações Arianas e vários grupos das Milícias Patrióticas. Listas de discussão na internet também promovem estes pontos de vista - e a ultradireita é extremamente ativa em muitos fóruns por computador -, assim como suas estações e programas de rádio, acesso público a programas de televisão, campanhas por fax, vídeo e até mesmo produção de música rock. Estes grupos dificilmente são inofensivos, tendo promovido terrorismo de vários tipos, variando de incêndios em igrejas a bombas em prédios públicos. Transpondo discursos e táticas quase leninistas para causas ultradireitistas, estes grupos têm tido sucesso em recrutar membros da classe trabalhadora, devastada pelos desenvolvimentos do capitalismo global, que resultaram em amplo desemprego nas formas tradicionais de trabalho industrial, agrícola e não-qualificado.

A internet é assim um terreno contestado, usado pela esquerda, direita e centro para promover suas próprias agendas e interesses. As batalhas políticas do futuro poderão muito bem ter lugar nas ruas, fábricas, parlamentos e outros locais das lutas passadas, mas toda luta política já é mediada pela mídia, computadores e tecnologias da informação e será cada vez mais assim no futuro. No futuro, os interessados em política e cultura deverão ser esclarecidos do papel fundamental das novas esferas públicas e intervir de acordo.

Agora eu argumentaria que estes novos modos de experiência tecnológica são ao menos complementos positivos para interações com a natureza, os objetos e os seres humanos e não devem ser tachados de antiéticos e simplesmente descartados como hiperreais, hiperativos ou outros termos de valoração negativa. Uma negação desta ordem iria fechar prematuramente novos campos de experiência e expansão da realidade potencialmente excitantes e enriquecedores da vida. Então eu questionaria a distinção real/hiperreal de Borgmann e a valoração negativa da atividade mediada por tecnologia, argumentando que estes novos domínios do ciberespaço têm potenciais positivos, assim como perigos e limitações. O desafio, então, é usar a tecnologia de maneiras enriquecedoras da vida, satisfatórias e socialmente progressivas, para criar uma melhor sociedade e um melhor modo de vida. E eu acredito que, para o bem ou para o mal, a tecnologia é o nosso destino, é uma força inexorável que está mudando dramaticamente cada aspecto de nossas vidas e que nos desafia a divisar maneiras de fazê-la mais enriquecedora à vida.

Borgmann, entretanto, às vezes totaliza a tecnologia em termos negativos, como quando ele escreve: "se nós concordarmos em pedir a esta abordagem específica para reordenar o mundo da tecnologia moderna, nós deveríamos desafiar o pós-modernismo perguntando se o pós-modernismo vai ser mais do que a tecnologia por outros meios" (1992: 80). O que isto significa? Existem aqui sobretons da técnica elluniana que predomina, tornando-se totalitária, de a tecnologia autônoma vir a nos dominar totalmente? É a tecnologia apenas um modo negativo de dominação, de uma ordenação opressiva que é contraposta contra um suposto território "bom" da natureza, da comunidade e da realidade? Eu defendi a desconstrução da oposição real/hiperreal, na qual a última é estigmatizada tout court como inferior, deficiente e até mesmo perigosa - apesar de que em alguns casos ela possa sê-lo. Imbuído de espírito pragmático, eu venho tentando distingüir entre exemplos de uso da tecnologia ampliadores e redutores da vida, assim como usos progressivos e reacionários, e ofereci alguns exemplos de o que eu considero usos positivos das novas tecnologias.

Borgmann, entretanto, poderia muito bem descartar meus exemplos e argumentos como casos do que ele chama de "hiperinteligência", que ele defende estar "obviamente crescendo e complicando-se, sufocando a realidade e tornando a humanidade menos perspicaz e inteligente" (1992: 108). Por outro lado, Borgmann valoriza positivamente uma "inteligência ativa" em interação e contato íntimos com a realidade e eu estou argumentando que a interação no ciberespaço poderia ser interpretada como um exemplo tão bom de "inteligência ativa" que eu consideraria simplesmente um novo modo da realidade, um novo campo de experiência, e não uma forma de hiperrealidade inferior e degradada.

Nós precisamos articular um ponto de vista crítico, de onde se possa fazer distinções entre os usos positivos e negativos da tecnologia. Eu sugeriria que estas formas e usos da tecnologia que realçam valores positivos como a democracia, a comunidade, a liberdade, o autodesenvolvimento e afins, sejam julgadas ampliadoras da vida e meritórias, enquanto as formas e usos da tecnologia que promovem a opressão e a dominação, ou que subvertem a democracia, a comunidade, a liberdade, a criatividade e outros valores positivos, sejam considerados censuráveis. É claro, freqüentemente não se pode fazer uma distinção tão clara, podem haver conseqüências não pretendidas da introdução de novas tecnologias, e tecnologias em geral são altamente ambivalentes. Entretanto, é um erro, eu creio, descartar a tecnologia per se como desumanizadora ou negadora da vida, e valorizar apenas interações e atividades não-tecnológicas como objetos e práticas genuinamente focalizados.




Tradução: Barbara Nickel, Helena Kempf, Marcelo Träsel. Revisão: Francisco Rüdiger.





NOTAS

1. Multi-User Dungeon, ou Multi-User Domain. São servidores originalmente elaborados para Role Playing Games via rede. O acesso é restrito a usuários cadastrados. O primeiro foi criado por Roy Trubshaw e Richard Bartle, em 1979. O MOO, Mud Object-Oriented, derivou do MUD e foi criado por Stephen White.



BIBLIOGRAFIA

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