Dilemas da transformação na era da máquina inteligente

Shoshana Zuboff


Piney Wood, uma das maiores fábricas produtoras de celulose dos Estados Unidos, passava por um doloroso empenho de modernização massiva que colocaria todos os aspectos do processo de produção sob controle computadorizado. Seis trabalhadores aglomeraram-se em volta de uma mesa na lanchonete do lado de fora do que eles chamavam de Conjunto Jornada nas Estrelas, uma das primeiras salas de controle a ter seu instrumental completamente convertido para controle baseado em microprocessadores. Parecia o bastante com uma sala de controle da NASA para ter recebido este nome.

Era quase meia-noite, mas apesar da hora tardia e da aproximação da troca de turnos, cada um dos seis trabalhadores estava ao mesmo tempo animado e pensativo. "O conhecimento e a tecnologia estão mudando tão rápido", eles disseram, "o que vai acontecer com a gente?" O futuro por eles imaginado previa uma mudança violenta. Eles temiam que não se poderia confiar nas atuais suposições de trabalho para levá-los adiante, que o futuro não se pareceria com o passado ou com o presente. Ainda mais assustadora era a sensação de um futuro se afastando do alcance tão rapidamente que haveria poucas oportunidades para planejar ou fazer escolhas. A velocidade da dissolução e renovação parecia não deixar tempo para convicções de que não estaríamos indo em direção a uma calamidade – e isso tudo seria ainda mais lamentável por ter tido algo de acidental.

A discussão em torno da mesa revelava uma admiração relutante pela nova tecnologia – seu poder, sua inteligência, e a aura de progresso que a cerca. Essa admiração, entretanto, carregava um sentido de aflição. Cada expressão de ofegante afeição diante de novidades até então só contempladas nas histórias de ficção científica carregava consigo uma dolorida apreensão transmitida nas imagens de um futuro que tornaria seus autores obsoletos. De que formas a tecnologia computadorizada transformaria suas vidas no trabalho? Prometia ela o paraíso na Terra ou um silencioso cemitério?

Em quinze anos não haverá mais nada para os trabalhadores fazerem. A tecnologia será tão boa que funcionará toda por conta própria. Você vai só sentar atrás de uma escrivaninha operando umas duas ou três áreas da fábrica sozinho e entediado.

O grupo concluiu que o trabalhador do futuro precisaria de "uma personalidade extremamente flexível" para que ele ou ela não sejam "mentalmente afetados" pela velocidade da mudança. Eles previram que os trabalhadores precisariam de um bocado de educação e treinamento para "desenvolver flexibilidade." "A gente acha tudo isso um grande estresse," eles disseram, "mas não será desta forma para as novas pessoas flexíveis." Mas eles tampouco perceberam outras alternativas possíveis, pois a maioria concordou que sem um investimento na nova tecnologia, a companhia não conseguiria permanecer competitiva. Eles também sabiam que sem sua flexibilidade adicional, a tecnologia não funcionaria direito. "Estamos de mãos atadas," um homem resmungou, "e não há saída." O máximo que eles poderiam fazer, concordaram, era tentar não pensar demais na perda do pagamento das horas extras, na diminuída probabilidade de empregos para seus filhos e filhas, nos medos de parecerem incompetentes em um meio novo e estranho, ou na possibilidade que a companhia não cumprisse sua promessa de não demitir trabalhadores.

Durante a conversa, uma mulher trajando um macacão todo manchado permanecera calada e cabisbaixa, aparentemente perdida em pensamentos. Repentinamente , ela levantou sua cabeça para eles. Seu rosto era marcado por décadas de trabalho duro, as sobrancelhas juntas uma da outra. Suas mãos encontravam-se quietas sobre a mesa. Eram calejadas e inchadas, mas seus profundos olhos castanhos eram luminosos, joviais e gentis. Ela parecia congelada, arrepiada por seu próprio pensamento, enquanto solenemente expunha sua conclusão:

Eu acho que o país tem um problema. Os empresários querem que tudo seja feito pelos computadores. Mas se ninguém tiver emprego, ninguém vai saber fazer mais nada. Quem vai pagar os impostos? Que tipo de sociedade teremos quando as pessoas tiverem perdido seu conhecimento e passarem a depender dos computadores para sempre?

Sua voz foi sumindo enquanto os homens a fitavam em deslumbrado silêncio. Vagarosamente eles viraram seus rostos para olhar uns aos outros e acenaram em aprovação com as cabeças. A previsão parecia suficientemente verdadeira. Sim, havia um problema. A aparência deles era a de quem acabou de correr uma corrida extenuante e acabou parando bem na beirada de um penhasco. Enquanto seus tornozelos derrapavam na lama, era possível ver à frente somente uma grande queda brusca.

É necessário que seja assim? O advento da máquina inteligente deve ser tomado como um convite para abrir mão das exigências feitas sobre a compreensão humana e o julgamento crítico? A difusão massiva da tecnologia computadorizada nos nossos locais de trabalho necessariamente implica uma perda igualmente dramática de oportunidades de emprego significativas? O novo ambiente eletrônico obrigatoriamente engendra um mundo no qual o indivíduo terá perdido o controle sobre sua vida cotidiana? Tais visões do futuro representam o preço do sucesso ou podem talvez sinalizar que um legado industrial que deve ser superado para a tecnologia inteligente poder produzir em toda a sua capacidade? A nova tecnologia de informação representará uma oportunidade para o rejuvenescimento da competitividade, vitalidade produtiva e inventividade organizacional? Quais aspectos da vida profissional podemos predizer, e quais vão depender das escolhas feitas por nós hoje?

Os trabalhadores do lado de fora do Conjunto Jornada nas Estrelas sabiam que as chamadas escolhas tecnológicas que encaramos são na realidade muito mais do que isso. Sua consternação coloca-nos em alerta. Há um mundo a ser perdido e um mundo a ser ganho. Escolhas que parecem ser meramente técnicas redefinirão, em sua totalidade, nossas vidas no trabalho. Isto significa mais que simplesmente contemplar as implicações ou conseqüências de uma nova tecnologia. Significa que uma nova tecnologia poderosa, como a representada pelo computador, reorganiza fundamentalmente a infraestrutura do nosso mundo material. Ela elimina alternativas anteriores. Cria novas possibilidades. Necessita de novas escolhas, originais.

As escolhas que enfrentamos se referem à concepção e distribuição do conhecimento no local de trabalho. Imagine o seguinte cenário: A inteligência é contida na máquina inteligente à custa da capacidade humana de julgamento crítico. Membros da organização se tornam cada vez mais dependentes, dóceis, e secretamente cínicos. À medida que mais tarefas precisam ser executadas através da mediação de tecnologia de informação (eu chamo este fenômeno de "trabalho mediado por computador"), o corpo consciente perde sua saliência como fonte de conhecimento, resultando em profunda desorientação e perda de sentido. As pessoas intensificam sua busca por vias de escape através de drogas, apatia, ou conflitos com opositores, à medida que os empregos em nossos escritórios e fábricas se tornam crescentemente isolados, remotos, rotineiros e superficiais. Alternativamente, imagine este cenário: Líderes organizacionais reconhecem as novas formas de habilidade e conhecimento necessárias para explorar verdadeiramente o potencial de uma tecnologia inteligente. Eles dirigem seus recursos com vistas a criar uma força de trabalho que possa exercitar o julgamento crítico enquanto administra os sistemas de máquinas ao seu redor. O trabalho se torna mais abstrato uma vez que depende da compreensão e manipulação de informações. Isto marca o começo de novas formas de conhecimento aplicado e oferece uma oportunidade de imbuir as tarefas executadas de um significado mais abrangente. Uma nova série de tarefas no trabalho oferece oportunidades sem precedentes para que um vasto grupo de trabalhadores adicione valor a seus produtos e serviços.

As escolhas que fizermos definirão as relações de autoridade no local de trabalho. Mais uma vez, imagine: empresários lutam para reter suas fontes tradicionais de autoridade, que sempre dependeram de forma importante do seu controle exclusivo da base de conhecimentos da organização. Eles usam a nova tecnologia para estruturar a experiência organizacional de formas que auxiliam a reproduzir a legitimação de seus papéis tradicionais. Eles insistem nas prerrogativas de comando e buscam métodos que protejam a distância hierárquica que os distinguem de seus subordinados. Empregados barrados das novas formas de conhecimento aplicado abandonam seu senso de responsabilidade pelo trabalho da organização e usam a obediência à autoridade como meio de expressar seu ressentimento. Agora imagine uma alternativa: Essa transformação tecnológica engendra uma nova abordagem do comportamento organizacional, na qual as relações são mais intrincadas, colaborativas, e interligadas pelas responsabilidades mútuas entre colegas. À medida que a nova tecnologia integra informações espalhadas pelo tempo e espaço, administradores e funcionários superam suas estreitas perspectivas funcionais e criam novos papéis mais apropriados para potencializar atividades de adição de valor em um ambiente com abundante disposição de dados. Como a qualidade das habilidades em cada nível organizacional se torna similar, as distinções hierárquicas começam a se tornar menos claras. A autoridade passa a depender mais de uma combinação apropriada de conhecimento e responsabilidade que das regras de hierarquia da pirâmide organizacional tradicional.

As escolhas que fizermos determinarão as técnicas de administração que irão colorir o ambiente psicológico e modelar o comportamento comunicativo no local de trabalho emergente. Imagine este cenário: A nova tecnologia se torna a fonte de técnicas de vigilância que são usadas para pegar de surpresa os membros da organização ou para sutilmente intimidá-los à conformidade. Administradores empregam a tecnologia para evitar o exigente trabalho do contato cara-a-cara, substituindo-o por técnicas de chefia remota e administração automatizada. A nova infraestrutura tecnológica se torna um campo de batalha de técnicas, no qual os empresários inventam novas maneiras de incrementar a certeza e o controle enquanto os empregados descobrem novos métodos de auto-proteção e mesmo sabotagem. Imagine a alternativa: O novo ambiente tecnológico se torna um recurso do qual se formam métodos inovadores de compartilhamento de informação e intercâmbio social. Estes métodos por sua vez produzem um senso aprofundado de responsabilidade coletiva e propriedade conjunta, uma vez que o acesso a domínios de informação ainda mais amplos empresta uma nova objetividade aos dados e se apropria antecipadamente dos ditames da autoridade hierárquica.

Este livro é sobre esses futuros alternativos. Tecnologias baseadas em computadores não são neutras; elas corporificam características essenciais que fatalmente alterarão a natureza do trabalho em nossas fábricas e escritórios, e entre trabalhadores, profissionais especializados e empresários. Novas escolhas são expostas por estas tecnologias e estas escolhas estão sendo confrontadas nas vidas diárias de homens e mulheres por todo o complexo das organizações modernas. Este livro é um esforço para compreender a profunda estrutura destas escolhas – as forças históricas, psicológicas e organizacionais que imbuem nossa conduta e sensibilidade. É também uma visão de um futuro frutífero, um chamamento à ação que pode nos levar além da deteriorada reprodução do passado, conduzindo-nos em direção a uma era que oferece uma oportunidade histórica de desenvolver mais plenamente o potencial humano e econômico de nossas organizações de trabalho.

As Duas Faces da Tecnologia Inteligente

Os últimos vinte anos viram sua parte de adivinhos prontos a prever com convicção um extremo ou outro dos futuros alternativos que apresentei. Desde a fábrica sem qualquer intervenção humana à cabine automatizada, visões do futuro saúdam a tecnologia da informação como a resposta final à "questão do trabalho," a oportunidade definitiva de nos livrar-nos dos problemas espinhosos associados ao treinamento e administração de uma força de trabalho competente e comprometida. Estas mesmas tecnologias têm sido aplaudidas como o atestado de uma segunda revolução industrial, na qual os conflitos clássicos de conhecimento e poder associados a uma era anterior serão sintetizados em uma gama de inovações organizacionais e novos procedimentos para a produção de bens e serviços, todos caracterizados por um grau sem precedentes de harmonia no trabalho e participação descentralizada no processo de administração [1]. Por que o paradoxo? Como podem ser as mesmas tecnologias interpretadas destas formas tão diferentes? Seria isto evidência de que a tecnologia é de fato neutra, uma tela em branco no qual os administradores projetam seus preconceitos e encontram apenas suas próprias limitações? Alternativamente, isto poderia nos dizer algo mais sobre a estrutura interna da tecnologia de informação?

Através da história, os seres humanos inventaram mecanismos para reproduzir e estender a capacidade do corpo humano como instrumento de trabalho. A era industrial levou este princípio a um gritante novo nível de sofisticação com máquinas que podem substituir e amplificar as habilidades do corpo humano. Por serem mudas, e também precisas e repetitivas, as máquinas podem ser controladas de acordo com um conjunto de princípios racionais de uma forma que não é possível aos corpos humanos.

Não há dúvida de que a tecnologia da informação pode fornecer substitutos para o corpo humano capazes de alcançar um grau ainda maior de infalibilidade e precisão. Quando uma tarefa é automatizada por um computador, ela deve ser primeiro quebrada em seus componentes menores. Seja uma atividade que envolva passar um spray de tinta em um automóvel ou a realização de uma transação de escritório, é a informação contida nesta análise que traduz o ato humano em um programa de computador. O software resultante pode ser usado para guiar equipamentos automaticamente, como no caso de um robô, ou para executar uma transação de informação, como no caso de um caixa de banco automático.

Um programa de computador torna possível a racionalização de atividades de forma mais abrangente do que se elas tivessem sido empreendidas por um ser humano. Programabilidade significa, por exemplo, que um robô responderá com precisão invariável porque as instruções que o guiam são elas mesmas invariáveis, e que as transações de escritório serão uniformes porque as instruções que as guiam foram estandardizadas. Eventos e processos podem ser racionalizados até o ponto em que o ato humano pode ser analisado e traduzido em um programa de computador.

O que é, então, que distingue a tecnologia da informação das gerações anteriores da tecnologia da máquinas? Ao mesmo tempo em que a tecnologia da informação é usada para reproduzir, estender e melhorar o processo de substituição do ato humano pelas máquinas, simultaneamente ela produz algo bastante diferente. Os dispositivos que automatizam através da tradução de informação em ação também registram os dados resultantes destas atividades automatizadas, gerando assim novos fluxos de informação. Por exemplo, ferramentas com operação baseada em computadores, controladas numericamente, ou dispositivos sensíveis baseados em microprocessadores não apenas aplicam instruções programadas ao equipamento, mas também convertem a condição corrente do equipamento, produto ou processo em dados. Leitores de códigos de barras em supermercados automatizam a passada no caixa e simultaneamente geram dados que podem ser utilizados para controle de estoque, armazenamento, planejamento de encomendas e análise de mercado. Os mesmos sistemas que tornam possível a automatização de transações de escritório também criam um vasto panorama das operações de uma organização, com muitos níveis de dados coordenados e acessíveis para uma variedade de esforços analíticos.

Assim, a tecnologia da informação, mesmo quando aplicada para reproduzir automaticamente uma atividade finita, não é muda. Ela não apenas impõe informação (na forma de instruções programadas), mas também produz informação. Realiza tarefas e as traduz em informação ao mesmo tempo. A ação de uma máquina é inteiramente investida em seu objeto, o produto. Por outro lado, a tecnologia da informação introduz uma dimensão adicional de reflexividade: ela faz sua contribuição ao produto, mas também reflete de volta em suas atividades e no sistema de atividades ao qual se relaciona. A tecnologia da informação não produz apenas ação, mas também produz uma voz que simbolicamente traduz eventos, objetos e processos de uma maneira que estes se tornam visíveis, conhecidos e compartilháveis de uma nova forma.

Vista desta perspectiva interna, a tecnologia da informação se caracteriza por uma dualidade fundamental que ainda não foi totalmente reconhecida de forma adequada. Por um lado, a tecnologia pode ser aplicada a operações automatizadas de acordo com uma lógica que pouco difere daquela do sistema de máquinas do século XIX – substituir o corpo humano por uma tecnologia que permite a execução dos mesmos processos com mais continuidade e controle. Por outro lado, a mesma tecnologia simultaneamente gera informação sobre os processos produtivos e administrativos fundamentais através dos quais uma organização realiza seu trabalho. Ela proporciona um nível mais profundo de transparência às atividades que até então eram parcial ou completamente opacas. Desta forma a tecnologia da informação suplanta a lógica tradicional de automatização. A palavra que cunhei para descrever esta capacidade única é informatizar . Atividades, eventos e objetos são traduzidos e tornados visíveis pela informação quando uma tecnologia informatiza ao mesmo tempo em que automatiza .

O poder informacional da tecnologia inteligente pode ser visto no ambiente industrial quando dispositivos baseados em microprocessadores, tais como robôs, controladores de lógica programável ou sensores são usados para traduzir o processo tridimensional de produção em dados digitalizados. Estes dados são então disponibilizados em um espaço bidimensional, tipicamente na tela de um terminal de vídeo ou em folhas impressas, na forma de símbolos eletrônicos, números, letras e gráficos. Estes dados constituem uma qualidade de informação que não existia anteriormente. O controlador programável não apenas diz à máquina o que fazer – impondo informação que guia a operação do equipamento - mas também diz o que a máquina fez – traduzindo o processo de produção e tornando-o visível.

No ambiente empresarial, a combinação de sistemas de transação on-line, de sistemas de informação e de sisteamas de comunicação cria uma vasta presença informacional que agora inclui dados anteriormente armazenados nas cabeças das pessoas, nas conversações cara-a-cara, em arquivos de metal e em pedaços de papel dispersos por vários lugares. A mesma tecnologia que processa documentos mais rapidamente, e com menos intervenção, que uma antiga máquina de escrever ou caneta e tinta, pode ser usada para exibir estes documentos em uma rede de comunicações. À medida que mais dos processos transacionais e comunicativos inerentes de uma organização se tornam automatizados, estes também se tornam disponíveis como itens de uma base de dados organizacional crescente.

Em sua capacidade como tecnologia de automação, a tecnologia de informação tem um vasto potencial para tomar o lugar da presença humana. Suas implicações enquanto tecnologia de informatização, por outro lado, ainda não estão bem compreendidas. A distinção entre automatizar e informatizar oferece uma forma de compreender como esta tecnologia representa ao mesmo tempo continuidades e descontinuidades com as tradições da história industrial. Desde que a tecnologia seja tratada estritamente em sua função de automatização, ela perpetua a lógica da máquina industrial que, no decorrer deste século, tornou possível racionalizar o trabalho enquanto foi diminuindo a dependência das habilidades humanas. Entretanto, quando a tecnologia também informatiza os processos aos quais é aplicada, ela aumenta o conteúdo explícito de informações das tarefas executadas e coloca em movimento uma série de dinâmicas que resultará na reconfiguração da natureza do trabalho e das relações sociais que organizam a atividade produtiva.

Pelo fato de esta dualidade da tecnologia inteligente não ter sido claramente reconhecida, as conseqüências da capacidade de informatização da tecnologia são freqüentemente consideradas não-intencionais. Seus efeitos não são planejados, e o potencial que ela descortina permanece relativamente inexplorado. Por ser parcamente definido, o processo de informatização geralmente escapa das categorias convencionais de descrição que são usadas para medir os efeitos da tecnologia industrial.

Estas duas capacidades da tecnologia da informação não são opostas; elas estão hierarquicamente integradas. A informação deriva e se constrói através da automatização. Esta é uma condição necessária porém não suficiente para a informatização. É razoavelmente possível prosseguir com a automatização sem referências a como ela vai contribuir para o potencial de informatização da tecnologia. Quando isso ocorre, a informatização é experimentada como uma conseqüência não intencional da automatização. Este é um ponto no qual as escolhas são deixadas em aberto. Empresários podem escolher explorar a emergente capacidade e explorar as inovações organizacionais necessárias para sustentá-la e desenvolvê-la. Alternativamente, eles podem escolher ignorar ou suprimir o processo de informatização. Em contraste, é possível considerar objetivos informatizacionais no começo de um processo de automatização. Quando isso ocorre, as escolhas feitas com respeito a como e o que automatizar são guiadas por critérios que refletem objetivos desenvolvimentistas associados com o uso do poder único de informatização da tecnologia.

A tecnologia de informação é freqüentemente saudada com "revolucionária." Quais são as implicações deste termo? Revolução significa uma mudança penetrante, marcada, radical, mas revolução também se refere a um movimento em volta de um curso fixo que volta ao ponto de partida. Cada sentido da palavra tem relevância para o problema central deste livro. A capacidade de informatização das novas tecnologias baseadas em computador produz mudanças radicais na medida em que altera o caráter intrínseco do trabalho – a forma com que milhões de pessoas experimentam a vida diária no emprego. Ela também propõe escolhas fundamentalmente novas para os nossos futuros organizacionais, e as formas em que o trabalho e a administração responderão a estas novas rotas finalmente determinarão se a nossa era se tornará um tempo para mudança radical ou um retorno aos padrões familiares e armadilhas do ambiente de trabalho tradicional. Uma ênfase na capacidade de informatização da tecnologia inteligente pode oferecer um ponto de origem para novas concepções de trabalho e poder. Outra mais restrita à sua capacidade de automatização pode oferecer a ocasião para aquele segundo tipo de revolução – um retorno aos terrenos familiares da sociedade industrial com interesses divergentes batalhando pelo poder, aumentado por uma variedade de novos recursos materiais com os quais ataca e defende.

As questões que encaramos hoje são finalmente relacionadas à liderança. Haverá líderes capazes de reconhecer o momento histórico e as escolhas que este apresenta? Encontrarão eles maneiras de criar as condições organizacionais nas quais novas visões, novos conceitos e uma nova linguagem de relações no ambiente de trabalho possam emergir? Serão eles capazes de criar inovações organizacionais que possam explorar as capacidades únicas da nova tecnologia e assim mobilizar o potencial produtivo de suas organizações ao encontro dos elevados rigores da competição global? Haverá líderes que compreendam o papel crucial no qual podem atuar os seres humanos de cada estrato organizacional na adição de valor à produção de bens e serviços? Se não, ficaremos encalhados em um mundo novo com velhas soluções. Sofreremos através das não intencionais conseqüências da mudança, porque teremos falhado em entender essa tecnologia e como ela difere do que veio antes. Negligenciando a capacidade única de informatização da avançada tecnologia computadorizada e ignorando a necessidade de uma nova visão do trabalho e da organização, teremos confiscado os dramáticos benefícios empresariais que ela pode oferecer. Ao invés disso, iremos descobrir formas de absorver as disfunções, apagando apenas os incêndios menores e tratando feridas em uma perplexidade que lentamente se extingue.

 

NOTA DO AUTOR


1 Ver, por exemplo, Michael Piore e Charles F. Sabel, The Second Industrial Divide: Possibilities for Prosperity (New York: Basic Books, 1984).


Dilemmas of Transformation in the Age of the Smart Machine. In: ZUBOFF, Shoshana . In the Age of the Smart Machine: The Future of Work and Power. United States of America: Basics Books, 1988. p. 3-16. Traduzido por Camila Rockenbach.








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