A Economia da Informação
Manuel Castells |
Vivemos uma nova economia, gradativamente formada a partir da metade do século passado e marcada por cinco características fundamentais que estão sistematicamente interligadas. A primeira destas características é que as fontes de produtividade – e, portanto do crescimento econômico em termos reais – são cada vez mais dependentes da aplicação da ciência e da tecnologia, e também da qualidade e gestão da informação no processo de produção, consumo, distribuição e comercialização. O trabalho inovador de Robert Solow, em 1957 [1], seguido pelos estudos de agregação-produção-função dos recursos da economia produtiva de Denison, Malinvaud, Jorgenson e Kendrik, entre outros [2], mostrou que economias desenvolvidas incrementaram sua produtividade não tanto pelo capital e o trabalho adicionado ao processo de produtividade, tal como foi nos estágios iniciais da industrialização, mas foi a resultante de uma maior eficácia na combinação de fatores de produção. Embora equações econométricas sejam obscuras na identificação de precisos recursos do novo padrão de produtividade, os “resíduos estatísticos” encontram seu ponto crítico na nova função produtiva quando são assimilados pelos novos avanços representados por um aprofundamento de ciência, tecnologia, habilidades de trabalho e conhecimento gerencial no processo produtivo [3]. Conclusão similar a respeito da evolução da economia soviética é reportada por Abel Aganbegyan, primeiro conselheiro econômico de Gorbachev. Segundo os cálculos de Aganbegyan, a economia soviética cresceria fortemente até 1971, ou enquanto o Estado pudesse depender puramente de uma expansão considerável, promovida por meio da injeção de capital e mão-de-obra e pelo fornecimento de mais e mais recursos naturais para uma estrutura industrial e um tanto primitiva. Assim que a economia soviética fosse ficando mais complexa, em razão da industrialização, seria preciso introduzir um conhecimento mais sofisticado no processo de produção para sustentar o crescimento. Por causa da dificuldade em desenvolver e aplicar a ciência e a tecnologia no controle da economia, as taxas de crescimento baixaram de 1971 em diante, até chegar a zero na metade da década de 80 [4], alertando assim para a necessidade da perestoika e precipitando a queda do comunismo soviético. Assim, parece que o incremento do papel do conhecimento aplicado e da informação é uma característica dos sistemas econômicos avançados, transcendendo as características históricas de seus modos de produção. É certo afirmar também que o crescente papel do conhecimento e tecnologia não é exclusivo da economia do fim do século XX, mas que esta nova economia resultou de uma mudança repentina nas técnicas de produção. Estamos diante de uma tendência secular. Conhecimento sempre importou na direção e promoção do crescimento econômico [5]. Mas a maior complexidade e produção de uma economia, os maiores componentes informacionais e o maior papel desempenhado pelo conhecimento e pela sua aplicação (comparando com a mera adição desses fatores de produção ao capital ou trabalho) no crescimento da produtividade [6]. A segunda característica da nova economia mundial – e outra tendência secular que se acelerou recentemente – é o deslocamento, nas sociedades capitalistas avançadas, da produção material para as atividades de processamento e de informação, ambas em termos proporcionais ao GNP e à população empregada nessas atividades [7]. Esta parecer ser uma mudança fundamental proposta pela noção de transição da economia para os serviços. O setor de serviços hoje é tão diverso que se torna uma categoria residual, misturando diversas atividades (de programação de linguagens de computador até limpezas de assoalhos) ao ponto que toda estrutura econômica de análise deve agora começar com uma diferenciação tipológica das atividades do chamado setor de serviços [8]. Além disso, como Cohen e Zysman enfaticamente afirmam [9], há um enlace sistêmico entre o setor manufatureiro e o setor de serviços, de modo que muitas de tais atividades sejam de fato uma parte integral do processo de produção industrial. Assim, a real transformação da estrutura econômica das sociedades avançadas é a emergência do que Marc Porat, em seu seminal estudo de 1977, chama de “a economia da informação”, na qual um papel cada vez mais importante é exercido pela manipulação dos símbolos na organização da produção e no aumento da produtividade [10]. Em 1990, 47,4 % da população economicamente ativa dos Estados Unidos, 45,8% do Reino Unido, 45,1% da França e 40% da Alemanha Ocidental estava empregada nas atividades de processamento de informação, na produção de bens ou na prestação de serviços [11], e esse número continuou a crescer com o passar dos anos [12]. Além do mais, a qualidade da informação e a eficiência em processá-la constitui agora um fator estratégico na competitividade e produtividade das empresas e nações [13]. As mudanças fundamentais que ocorreram no processo de produção é a terceira característica da nova economia: uma transformação profunda na organização da produção e da atividade na economia em geral. Essa mudança pode ser descrita como um deslocamento da produção em massa padronizada para uma produção personalizada e flexível das organizações verticalmente integradas em grande escala e a desintegração vertical das redes horizontais entre as unidades econômicas [14]. Essa tendência, às vezes associada ao papel dinâmico exercido por empresas de pequeno e médio porte (expressões da nova flexibilidade) na oposição a grandes corporações burocratizadas, como na formulação de Piore e Sabel [15], já foi discutida no contexto do assim chamado Terceiro Modelo Italiano de desenvolvimento industrial [16]. A transformação organizacional da economia, entretanto, vai além do tamanho das empresas e não contradiz a tendência fundamental para a concentração do poder econômico em alguns grandes conglomerados. Se é verdadeiro que as pequenas empresas mostraram uma grande elasticidade, tornando-se unidades dinâmicas em uma economia avançada, a organização padrão de descentralização e flexibilidade, é também característica das grandes corporações, ambas em sua estrutura interna e em seu relacionamento com uma rede de firmas subordinadas, como foi ilustrado “ just in time ” introduzida pelas grandes montadoras de automóveis japonesas. Assim o importante não é tanto o declínio das grandes corporações (ainda que elas continuem sendo o agente dominante da economia mundial) como é a transformação organizacional de todas as atividades econômicas, enfatizando a flexibilidade e a adaptabilidade em resposta a uma mudança, diversificando o mercado. Em quarto, a nova economia é uma economia global, em que o capital, a produção, a gerência, os mercados, o trabalho, a informação e a tecnologia são organizados além dos limites nacionais. Embora o Estado ainda seja uma das realidades fundamentais a serem constituídas ao se pensar estruturas e processos econômicos, o que é significativo é que as unidades de contabilidade econômica assim como o quadro da referência para estratégias econômicas não pode ser maior que as economias nacionais. Competição é um jogo global [17], não apenas por corporações multinacionais, mas também pelas empresas de pequeno e médio porte que se conectam direta ou indiretamente ao mercado globalizado por meio de seus enlaces nas redes que as relacionam às grandes empresas [18]. O que é novo, então não é que o comércio internacional seja um componente importante da economia (nesse sentido, podemos dizer da economia globalizada do século XVII em diante), mas que a economia nacional trabalha agora como uma unidade no nível do mundo em tempo real. Nesse sentido, estamos observando não somente um processo de internacionalização da economia, mas um processo de globalização – isto é, a interpenetração de atividades econômicas e de economias nacionais no nível globalizado. A integração da economia do Leste Europeu, antiga União Soviética, e China – provável curso do excesso da década seguinte – completará esse processo de globalização que, ao não ignorar os limites nacionais, inclui simplesmente as características nacionais como características importantes dentro de um sistema global unificado. Finalmente, essa transformação econômica e organizacional do mundo ocorre (e não por acidente) em meio ao mais significativo momento tecnológico da história da humanidade [19]. O núcleo dessa informação tecnológica (microeletrônica, informática e telecomunicações) em torno de uma constelação de descobertas científicas e suas aplicações (biotecnologia, novos materiais, laser, energia recarregável, etc.) está transformando a base material de nosso mundo há menos de vinte anos. Esta revolução tecnológica foi estimulada por uma demanda gerada pela economia e as transformações organizacionais antes discutidas. Por sua vez, constitui as novas tecnologias a base material indispensável para tais transformações [20]. Assim como o avanço das telecomunicações criou a infraestrutura material necessária para a formação de uma economia global [21], em um movimento similar ao de construções das ferrovias para a formação dos mercados nacionais durante o século XIX. O fato de as novas tecnologias da informação estarem disponíveis no momento em que a organização da atividade econômica confia cada vez mais em processar uma vasta quantidade de informação contribui para remover o obstáculo fundamental ao crescimento da mão-de-obra enquanto as economias evoluem de produção material para a informação, gerando emprego para muitos trabalhadores. Nos Estados Unidos, a diferença do crescimento da produtividade entre os trabalhadores informatizados e os não informatizados cresceu muito até 1980, depois disso, entretanto, essa tendência foi projetada a dobrar, pois as novas tecnologias de informação se difundiram pela economia [22]. Mais do que isto, estas tecnologias são o fator crítico que permitem flexibilidade e a descentralização da produção e do gerenciamento: as unidades de produção e comércio podem funcionar independentemente, contudo serão reintegradas através de redes de informação, constituindo de fato um novo tipo de espaço econômico, que chamo de “espaço de fluxos” [23]. Assim, com revolução da tecnologia de informação como a base material do sistema emergente, as várias características de transformação econômica estrutural que nós identificamos relacionam-se entre si. De fato, juntam-se para dar forma a um novo tipo de economia que eu, juntamente com um crescente número de economistas e sociólogos [24], proponho chamar de “a economia da informação” [25], porque, em seu núcleo, a fonte fundamental da geração da riqueza se encontra em uma habilidade de obter novos conhecimentos e aplicá-los a cada espaço das atividades humanas por meio realce tecnológico e procedimentos organizacionais do processo de informação [26]. A economia da informação tende a ser, em sua essência, uma economia global; e sua estrutura e lógica definem, dentro da ordem mundial emergente, uma nova divisão internacional do trabalho. NOTAS: 1 Robert Solow, “Technical Change and the Aggregate Production Function”, Review of Economics and Statistics 39 (1957), pp. 312-20 2Para uma completa discussão de literatura sobre a questão das fontes de produtividade, veja Richard R. Nelson, “Research of Productivity Growth and Productivity Differences: Dead Ends New Departures.” Journal of Economic Literature 19 (September 1981), pp. 1029-64. 3 Veja Christian Sautter, “L'Efficacité et la rentabilité de l'économie française de 1954 à 1974 ,” Economic et Statistique 68 (1976); Edward Denison, Trends in American Economic Growth 1929-1982 (Washington, DC: Brooking, 1985). 4 Abel Aganbegyan, The Economic Challenge of Perestroika (Bloomington: Indiana University Press, 1988), pp. 10-11. 5 Ver Nathan Rosenberg and L.E. Birdzell, How the West Grew Rich: The Economic Transformation of the Industrial Word (New York: Basic Books, 1986). 6 Jerome A. Mark and William H. Waldorf, “Multifactor Productivity: A New BLS Measure”, in Monthly LaborReview 106 (December 1983), pp. 3-15. 7 Tom Stonier, The Wealth of Information: A Profile of the Postindustrial Economy (London: Thames Methuen, 1983). 8 Ver Pascal Petit, Slow Growth and the Service Economy (London: Pinter, 1986). 9 Stephen S. Cohen and John Zysman, Manufacturing Matters: The Myth of the Postindustrial Economy (New York: Basic Books, 1987). 10 Ver Marc Porat, The Informational Economy: Definition and Measurement , Special Publication 77-12(1) (Washington, Dc: U.S. Department of Commerce, Office of Telecommunications, 1977). 11 Pesquisa em andamento: dados elaborados por Manuel Castells e Yuko Aoyama, University of Califórnia-Berkeley, 1992. 12 Ver Mark Hepworth, Geography of the Information Economy (London: Belhaven Press, 1989). 13 Ver Bruce R. Guile and Harvey Brooks (eds.), Technology and Global Industry: Companies and Nations in the World Economy (Whasington, DC: National Academy Press, 1987). 14 Ver Robert Boyer, Technical Change and the Theory of Regulation (Paris: CEPREMAP, 1987). 15 Michael Piore and Charles Sabel, The Second Industrial Divide ( New York: Basic Books, 1984). 16 Ver Vittorio Capecchi, “The Informal Economy and the Development of Flexible Specialization in Emilia-Romagna ” in A. Portres, M. Castells, and L.Benton (eds.), The Informal Economy: Studies in Advanced and Less Developed Countries (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1989). 17 Ver A. Michael Spence and Heather ª Hazard (eds.), InternationalCompetitiveness (Cambridge, MA: Ballinger, 1988). 18 Ver Manuel Castells, Lee Goh, and R.W.Y. Kwok, The Shek Kip Mei Syndrome: Economic Development and Public Policy in Hong Kong and Singapore (London: Pion, 1990). 19 Ver Tom Forester, High Tech Society (Oxford: Basil Blackewll, 1987). 20 Ver Manuel Castells et al., Nuevas technologías, economia y sociedad em España (Madrid: Alianza Editorial, 1986). 21 Ver François Bar, “Configuring the Telecommunications Infrastructure for the Computer Age: The Economics of Network Control” (PhD dis., University os Califórnia-Berkeley, 1990). 22 Ver C. Jonscher, “Information Resources and Economic Productivity.” Infomation Economics and Policy 2 , no.1 (1983), pp. 13-35. 23 Ver Manuel Castells, The Informational City: Information Technology, Economic Restructuring, and the Urban-Regional Process (Oxford: Basil Blackwell, 1989) 24 Ver J. Beniger, The Control Revolution: Technology and Economic Origins of the Information Society (Cambridge: Harvar University Press, 1986); and “Prospective sociologiche per la società postindustriale. Lo scenario internazionale,” Sociologia (Rome), no. 1 (1989). 25 Eu prefiro “informational economy” para Daniel Bell's “postindustrial society” porque dá conteúdo concreto a uma noção de outra maneira puramente descritiva. 26 Ver Ralph Landau and Nathan Rosenberg (eds.), The Positive Sum Strategy: Harnessing Technology for Economic Growth (Washington, DC: National Acadmey Press, 1986). CASTELLS, Manuel. The Infomational Economy. In: David Trend (org.) Reading digital culture.Oxford: Blackwell Publishers, 2001. Traduzido por Marcus Andrade e Mônica Rossi. Manuel Castells é professor de planejamento da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e catedrático de sociologia e diretor do Instituto de Sociologia da Universidade de Madri. Publicou mais de vinte livros, incluindo uma série sobre movimentos sócio-politicos globais, intitulada “A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura”. Nesse ensaio, Castells esboça cinco características fundamentais da nova economia global da informação. |
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