A Perfeição da Técnica*

Friedrich-George Jünger


A tecnologia, como prova toda observação, está completamente integrada à nossa época atual. Ela criou uma organização do trabalho nova e radical. Ela expande essa organização através daquele automatismo mecânico, que é sinal de sua crescente perfeição. Ela é uma força de mudança, de transmutação, de destruição. Ela se encaixa perfeitamente nesse momento, não porque contem os elementos de uma nova ordem, mas porque é o instrumento mais eficiente para se desfazer da velha ordem das coisas, para se nivelar as diferenciações pré-existentes, para se fazer uma equiparação fundamental. Pois é assim que ela funciona, em sua luta por uma igualdade - usando um conceito platônico - aritmética, que é mecânica.

Já que todos os aparatos mecânicos utilizam forças elementares, sabemos que, certamente, em um estado de tecnologia perfeita, a raça humana irá dispor de um máximo de poderes elementares. Aqui nós nos aproximamos dos limites do progresso técnico. Nós notamos barreiras finais para seu avanço. Pois nada é mais garantido que o fato de que o homem moderno, em sua luta pelo poder, irá fazer uso resoluto daquelas forças que ele sujeitou através da força.

Em outras palavras, o excedente de poder elementar que o homem obteve através da exploração destrutiva da natureza, assim, volta-se contra ele e ameaça destruí-lo. Usando expressões de uma linguagem mais antiga, é a vingança dos espíritos elementares que o feiticeiro moderno invocou. Com uma hostilidade não mais disfarçada, as forças elementares acumuladas utilizadas em nossas máquinas estão se rebelando contra seus mestres. Essa é a regressão que avança exatamente na mesma proporção que a tecnologia progride.

A seguir, enquanto examinamos as áreas pré-eminentemente ameaçadas pela destruição, ou seja, as zonas com maior densidade demográfica e industrialização, perceberemos a direção da regressão destrutiva e as suas relações. Apenas agora os aspectos demoníacos dessa regressão tornam-se plenamente manifestos. O tempo livre que pensamos poder comandar e aproveitar à vontade, esse tempo livre agora aprisiona hermeticamente o homem moderno através das máquinas, que ele domina. Ele desdenha o trabalhador; coloca-o atrás das mesmas barras de aço que o homem criou. Na teoria, o tempo livre parecia ser uma quantidade infinita e imensurável. Mas quando ele entrou em conflito com o tempo biológico da vida humana, quando a nossa vida tornou-se escrava do tempo mecânico, a conseqüência foi o fim de todo o lazer, de todo o tempo humano. Dessa maneira, também, todo o globo estava encolhendo; repentinamente parecia não haver mais espaço para viver, onde, uma vez, ele parecera ilimitado.

O pensamento mecânico nunca recusa-se a desrespeitar o que está morto ou que acredita estar morto. Se o universo tivesse realmente aquela característica submissa e sem vida pressuposta pelo pensamento mecânico, aí tentar aperfeiçoar a tecnologia seria um empreendimento bastante seguro. Mas onde há algo sem vida, também há algo vivo. Não se pode encontrar a morte sem a implicação da vida, já que uma não tem sentido e não pode ser concebida sem a outra. É por essa razão que todo aparato mecânico penetra profundamente a vida. Não importa onde na natureza a tecnologia aplica seus mecanismos e organizações, ela simultaneamente organiza a resistência contra sua própria coerção, e a força dessa resistência atinge o homem com a precisão de um martelo, com a exatidão de um pêndulo de um daqueles relógios que medem um tempo sem vida. Como dizem os anciãos: geralmente os demônios estão dormindo; aquele que tiver a audácia de acordá-los deve ser o primeiro a se colocar a seu alcance. Se adotarmos essa perspectiva, não há dúvida de que hoje os demônios estão bem despertos.

Devido a esse fato, a ansiedade e o medo da destruição escurecem o espírito do homem moderno. Ele sente em seus nervos, que ficaram mais sensíveis, um fenômeno que está intimamente relacionado a certos aperfeiçoamentos da tecnologia. Vivendo sob a premonição de uma catástrofe iminente, o homem moderno se assusta com qualquer barulho estranho. Pois quando a razão se torna impotente, ela circula mais e mais ao redor da catástrofe. A catástrofe é o acontecimento pelo qual a mente humana se obceca quando ela não vê mais saídas, quando ela se rende ao medo ao invés de usar o bom senso. É por isso que teorias de catástrofes e seus porta-vozes afloram em todos os lugares hoje. Eles mascaram seu desespero mental com doutrinas de eras glaciais iminentes ou dilúvios cataclísmicos. Predizem a lua caindo sobre a terra; o fim da civilização, e afirmam que a próxima guerra significará o fim de tudo. Na realidade, entretanto, nada está chegando ao fim; somente eles estão no limite do seu juízo e, por esse motivo, mergulhando no desespero. A catástrofe mundial é um evento imaginário projetado no futuro por uma mente desamparada. É claro, é certo que todos nós morreremos, e ninguém precisa ser um profeta para prever revoluções e mudanças no futuro. Mas o poder da morte se manifesta apenas em relação à vida. Em todas as épocas existiu uma relação exata entre a destruição efetiva e aquilo que está pronto para ser destruído. E esse é um estado que os esforços humanos não podem alterar.

Como já foi mencionado, o progresso da ciência e a exatidão do conhecimento científico são possíveis dentro da premissa básica que diz que as leis da natureza, com as quais os cientistas devem trabalhar, são inalteráveis. O experimento perderia toda a sua autoridade para ele se não pudesse ser repetido ad infinutim, se a resposta uma vez estabelecida a uma questão não permanecesse sempre a mesma. O conhecimento científico progride por um meio morto e rígido, e a ciência também envelhece com esse conhecimento. Ela se move em direção a um mecanismo rigoroso, que repete todos os movimentos uniformemente. O mundo é uma máquina, o homem, um autômato. A máquina que o técnico projeta apenas copia essa máquina universal, esse super-engenho que serve como primeiro motor para todos aqueles pistões, rodas, correntes, cintos de força e torniquetes com os quais as obras da tecnologia são construídas. A ciência coordenada à tecnologia é casual; ela origina-se de quaisquer revelações que possamos obter a respeito do mecanismo casual da natureza. Enquanto esse conhecimento se expande e produz grandes obras, torna-se cada vez mais evidente como esse conhecimento se movimenta inevitavelmente pelos caminhos que o pensamento mecânico lhe traçou. Pois o progresso técnico, devido à sua natureza específica, conduz àquela mecanização completa que sujeita o indivíduo à mesmíssima compulsão. O tempo sem vida vem ao primeiro plano. A vida se torna sujeita a um automatismo onipresente que a regula.

A ciência pode ser comparada a um imenso monastério, cujas inúmeras celas são cubículos nos quais os homens trabalham. É verdade que esse não é um convento de devotos que se preparam para o céu. Da mesma forma, esses homens não são destinados ao celibato. Ainda assim, não se pode negar que na paixão dos devotos da ciência existe algo de acético, monástico, uma certa esterilidade do homem carnal.

O mundo da ciência é uma hierarquia daqueles que são os pais das grandes idéias; como tal, é de caráter inviolavelmente masculino. Todo pensamento racional, se traçado até suas origens, chega a um homem. Por isso, não somente o pensamento científico, mas também o pensamento tecnológico é essencialmente paternalista. Com seu grande respeito pelas idéias, o cientista quer estabelecer e assegurar sua paternidade, e essa é mais uma razão pela qual ele vive em uma hierarquia paternalista. Em qualquer campo que a racionalidade científica estiver em ação, ela é sempre uma racionalidade causal. Aquele que não é capaz de pensar racionalmente e causalmente não pode ser um cientista preciso. É por isso que as mulheres são amplamente excluídas da ciência; elas não tem o que fazer por lá. As mulheres que entram nas celas do trabalho científico são como trabalhadoras assexuadas em uma colméia. É claro que há algumas mulheres espertas com mentalidade científica, assim como aquelas que andam nos territórios do homem. Mas, contrariamente à colméia, a trabalhadora aqui é a exceção, e não a regra.

O provérbio Mulier taceat in ecclesia (Mulheres devem permanecer em silêncio na igreja) também se aplica à ciência. Qualquer coisa matriarcal é levada para longe da ciência e deve ser mantida à distancia, porque se o pensamento feminino algum dia se sobressaísse ele destruiria a própria ciência, quebraria o poder do pensamento racional. Como regra, mulheres não são cientificamente criativas, elas também não são inventoras; nossa tecnologia não é uma das suas potencialidades.

As mulheres não são daquela espécie inventiva à qual os técnicos pertencem. Também não são mecânicas, aptas a serem servas da máquina. O progresso técnico, que favoreceu a emancipação feminina para absorvê-la como uma trabalhadora em sua organização, não somente a despoja de seu poder feminino, mas também a debilita em seus mais profundos propósitos. A visão da mulher empregada em atividades técnicas sempre tem algo de incongruente. Lawrence afirma, corretamente, que se deixa a mulher para trás quando se vai para a máquina. E, sem dúvida, porque a mulher deveria estar trabalhando com máquinas? Seu ponto forte encontra-se em outra direção. As mulheres pré-eminentemente pertencem ao lado da existência que oferece a vida, ao passo que as máquinas confrontam-nos com um mundo morto de autômatos estéreis e assexuados. A máquina não é feita de matéria animada como o golem da mitologia judaica. Ela não é uma argila trazida à vida através da mágica de um rabino, e também não é um espírito criado pelo homem, um homúnculo. Ela é um autômato morto, um robô, incansável e uniformemente repetindo a mesmíssima operação. É tão racional quanto um mecanismo pode ser, e a precisão mecânica com a qual ela trabalha pressupõe uma mente que trabalhe com exatidão mecânica, tal como foi descrito por Baudelaire em um verso amargurado e bem aplicável ao técnico:

Cette crapule invunérable
Comme lês machines de fer,
Jamais, ni l'été ni l'hiver,
N'a connu l'amour vêritable.


Como essa investigação se aproxima do final, deixe-nos dar uma última olhada no mito simbólico de Prometeu. A opinião mantida pelos antigos mitos a respeito do homem como um inventor é decididamente negativa. Ela seria ainda mais contrária ao homem moderno, com seus poderosos explosivos e máquinas de combustão interna.

Lembramos que Prometeu, o mais sábio dos Titãs, constituiu-se como o protetor do homem criador de coisas, mas falhou em sua revolta contra os deuses. É uma peculiaridade bastante significativa que Prometeu tenha roubado o fogo dos deuses, e que seja precisamente este roubo que provoque sua cólera contra os Titãs e os homens.

Que tipo de fogo é esse que ele traz à terra em um caule oco de girassol? O mito é vago sobre o lugar de onde ele o roubou, mas o recipiente que usou nos fornece uma pista de que aquele fogo não se da oficina de Hefaísto, mas sim do sol - de que aquilo que Prometeu roubou fazia parte da calor do sol. Qual é o significado do roubo? A vida é impensável sem o calor do sol. A cólera dos deuses, então, não pode ter sido provocada pelo fato de Prometeu ter tentado trazer esse fogo ao homem, como um elemento essencial à vida, já que, como elemento essencial à vida, o sol sempre veio ao homem; não havia necessidade de roubá-lo. Não! A cólera dos deuses foi provocada por algo muito diferente, pela escravização do fogo sagrado a qual Prometeu ousou perpretar. Esse foi um ato de profanação, um perigoso empreendimento. A razão pela qual esse roubo fascinou tanto e por tanto tempo a mente humana encontra-se naqueles poderes sagrados, santificadores, purificadores e expiatórios da chama.

Nossas máquinas modernas não utilizam como fonte de energia o aquecimento solar. Talvez seja significativo que as muitas tentativas de se utilizar a energia solar diretamente para a produção de vapor, por exemplo, tenham falhado até o momento. O que a nossa tecnologia rouba e explora são aquelas reservas em que a energia solar está adormecida em formas modificadas, como o carvão e o petróleo, as quais estão impregnadas com o fogo do sol. O fogo da ferraria, o primeiro fogo da tecnologia, então, origina-se da terra. A alquimia mais tarde simbolizou o espírito desse fogo na "salamandra". É o fogo terrestre de onde e com o qual a tecnologia se inicia. Desde o princípio, ela faz aquele fogo servil, construindo aparatos os quais, de um jeito ou de outro, são operados pelo fogo. Toda a nossa equipe de tecnologia originou-se dos ferreiros. Deles vieram os serralheiros e então, nos estágios mais avançados da especialização tecnológica, todos aqueles trabalhadores técnicos cujo número hoje forma uma legião.

Hoje vive uma raça de aço,
Eles nunca descansam de dia,
Do peso do trabalho e do desgosto,
Eles não descansam à noite.


- Hesíodo

O próprio Hefaísto é um patrono do homem, o feitor. Ele é sujo, suado, e pálido, como o são todos os ferreiros, cujas peles tornam-se pálidas sob a radiação das chamas.

Por que ele manca, por que Wayland, o Ferreiro, manca? E por que a arte da ferraria é ensinada por anões, criaturas deformadas e aleijadas? Porque a sua relação com os tesouros dos abismos, das cavernas, das entranhas das montanhas onde os metais adormecem, era considerada ilegal e profana. Por que é que um terror ancestral está relacionado à arte do trabalho com metais? Por que os mitos têm tantos fatos e desastres diabólicos ligados à essa atividade, desde os dias de Dédalus?

Os deuses, manifestadamente, não amam o homem feitor; eles se opõem a ele violentamente algumas vezes, enquanto, em outras, eles consentem uma figura meio burlesca ao seu lado, como Hefaísto. Eles jogam por terra a revolta e a presunção dos Titãs. Mas toda tecnologia está no modelo titânico, e o homem feitor é sempre da raça dos Titãs. E assim nós o encontramos, antes de tudo, em paisagens vulcânicas. De seu parentesco titânico origina-se seu amor pela imensidão, pelo grandioso, pelo colossal; seu prazer em trabalhos grandiloqüentes que impressionam pela sua quantidade e massa, a vastidão da sua matéria amontoada. Essa peculiaridade, incidentalmente, explica porque o homem técnico com tanta freqüência carece de uma noção de beleza de proporção; ele não é um artista.

O mito da Batalha de Titãs e o mito de Prometeu nos mostram como os gregos, o mais artístico de todos os povos, familiarizados com a regra de ouro da beleza, superaram a tentação de aliarem-se aos Titãs. E não pode haver dúvida de que esse mito, de uma vez por todas, descreve o papel comparativamente modesto da máquina na Antigüidade. Sua indústria incansável, sua movimentação agitada, sua ânsia extravagante por poder, fizeram o homem inventor detestável para os deuses. A majestade de Zeus é a plenitude do ser, a força quiescente. A força de Prometeu, em contraste, está na sublevação rebelde, no ímpeto de tirar Zeus do seu trono dourado, de expulsar todos os deuses e fazer-se mestre do mundo.

Simbolicamente, o técnico é aleijado em sua mente também. Ele tem apenas um olho, como todos os Ciclopes. Seu empirismo, sozinho, indica isso. Ele não se preocupa pela questão a respeito de para onde seus esforços se dirigem. Sua realidade consiste precisamente em evitar essa questão, porque ela se encontra fora do domínio do seu trabalho. Podemos esperar dele pensamentos técnicos, do tipo que tal conhecimento especializado pode produzir, mas não devemos esperar dele nenhuma sabedoria fora da área técnica. A sua preocupação com os fatos não somente o previne de pensar sobre si mesmo; ela também bloqueia sua aproximação com aquela sabedoria mais espiritual que não pode ser reduzida à mecânica.

Ainda assim, sua busca por poder tem limites que podemos definir, se pudermos delimitar as zonas dentro das quais a tecnologia atual, quase perfeita, é efetiva. A pilhagem, que é inseparável do desperdício irresponsável e implacável do homem e da matéria-prima não pode continuar por muito tempo. Ela encerra-se com a exaustão dessas reservas sobre as quais esse progresso técnico devorador se estabelece. Freqüentemente encontramos uma tendência de se representar essas reservas como inesgotáveis, mas tais afirmações são contraditas pelo racionalismo da exploração. Pois essa racionalização é a melhor medida para a diminuição da riqueza natural (1). Todos os cálculos referentes a reservas subterrâneas são de alguma forma questionáveis, e eles permanecem questionáveis mesmo que tais estimativas estejam acima de qualquer suspeita. Pois o que todas essas estatísticas desconsideram é o fato de que, entre os recursos consumidos pelo progresso técnico, estão os recursos humanos. Eles deixam de considerar os limites da expansão tecnológica, limites que são estabelecidos por forças destrutivas, as quais se levantam contra o homem e suas obras no mesmo grau em que essas forças elementares são utilizadas pelas nossas máquinas. Eles esquecem, enfim, que a organização humana está intimamente ligada à existência de riquezas desorganizadas, ou seja, que nós organizamos tal riqueza para utilizá-la. Uma vez, no entanto, que a riqueza desorganizada se aproximar da exaustão, a organização humana adoece, transforma-se em um fim em si mesma, cresce como um câncer e sem limitações; no fim, ela destrói tudo que não é organizado.

Nenhuma invenção humana poderia possivelmente abolir a reciprocidade entre o progresso mecânico e a regressão elementar. Com essa reciprocidade em mente, nós mantemos uma régua pela qual medimos as altas esperanças e expectativas que comumente são colocadas nas novas e inéditas invenções mecânicas. Uma dessas é a reivindicação de que o progresso técnico irá, por exemplo, através da fissão atômica, fornecer ao homem energias de um incomensurável alcance, que o homem conseguirá extrair poderes elementares muito além de do que sabemos até agora. As esperanças de controle sobre tais poderes talvez não sejam utópicas. O que é completamente utópico é o otimismo ingênuo sobre os quais tais especulações se baseiam, e a inocência com a qual elas são afirmadas. Existe algo que o homem deve temer mais, algo que poderia se tornar mais terrível do que a concretização de tais descobertas e invenções? Que possibilidades de destruição se apresentam onde tais invenções se concretizam! (2) A ficção científica, para a qual esse é um dos tipos favoritos de invenção, normalmente nos mostra um nobre herói que usa esse novo poder para o benefício de toda a humanidade. Mesmo se fosse assim, o que poderia ser mais abominável do que a idéia de o uso de tal invenção depender da vontade de um único ser? Nós não deveríamos temê-lo, por mais nobre que ele seja, bem mais do que o criminoso mais perverso e desumano? Colocar tal poder nas mãos de um único homem é um pensamento mais desumano do que qualquer crime humano.

A luta da tecnologia pelo poder é contínua. Diariamente nós observamos como suas bordas estão chegando mais longe, e como as suas organizações estão se expandindo. No correr desse avanço agressivo, as relações mudam entre tecnologia e estado. O estado é agora visto pela tecnologia como uma organização que deve ser conduzida à perfeição, que deve ser controlada por um automatismo perfeito. O técnico afirma que o estado pode realizar apropriadamente as suas tarefas somente quando ele for organizado em uma base completamente técnica, quando a idéia de estado e dos seus propósitos for organizada de acordo com um funcionalismo centralizado, uma máquina capaz de comportar tudo e da qual nada escape.

Mas essa definição, precisamente, aniquila a essência do estado. Pois é indispensável para o estado aquilo que não é estado, e que nunca pode se transformar em estado. Isso através do que o estado pode ser um estado é o povo. O povo pode muito bem ser concebido como o carregador do estado, há todos os tipos de relação entre os governados e os seus governantes, mas nunca o povo, em si, pode ser o estado. A própria idéia de estado é nula e vazia uma vez que essas bases, sobre as quais o estado é construído, entram em colapso. A organização técnica de todo o povo a ponto de nenhum setor da vida permanecer desorganizado, finalmente, traz a derrocada do estado.

NOTAS

1. "Em qualquer época, é missão da ciência puramente natural preparar o solo sobre o qual a máquina deve crescer; e como o solo cultivado logo se exaure, é importante que novos solos sejam adicionados constantemente". (Heisenberg). A importância dessa afirmação está em seu reconhecimento do caráter destrutivo da máquina. Pode-se assumir que a terra incognita, a terra não explorada, é ilimitada e suas riquezas são inesgotáveis. Mas essas riquezas não estão à disposição da reivindicação de qualquer um. Para cada caverna de tesouros deve haver um Ali Babá de posse da palavra mágica. O pensamento racional não tem acesso à terras inexploradas; ele sempre trabalha sobre solos cultivados.
2. Cientificamente falando, a exploração técnica da energia atômica é possível hoje. E não se pode descartar a possibilidade de que, durante experimentos desse tipo, não somente os cientistas, mas talvez toda a terra possam desaparecer. É significativo que a física atômica esteja baseada, em uma ampla extensão, nas investigações de reações desintegrantes.

Traduzido por Mario Flores Neto. Revisão de Barbara Nickel e Marcelo Träsel.

* Trechos extraídos de The failure of technology. Chicago: Gateway Editions; distributed by H. Regnery Co., [1956].






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