Abordando o Outro Extremo
A cultura discursiva do ciber-ódio


Susan Zickmund


A Internet tem transformado a natureza de comunidade e de identidade dentro dos EUA. Junto com outros grupos, esta nova mídia vem afetando a forma das organizações subversivas. Os indivíduos que propagam ideologias nazistas tradicionalmente operavam isolados, com poucas ligações estruturais maiores. Mas com o advento do correio eletrônico e do acesso às páginas da internet, esses subversivos estão agora descobrindo meios de propagar suas mensagens além dos limites estreitos de suas ligações pré-estabelecidas.

A literatura subversiva é uma forma de articulação do discurso de uma comunidade, expressando sua consciência histórica e sua identificação cultural. Baseado neste conhecimento histórico e cultural, desenvolve-se uma Weltanschauung argumentativa, que vem promovendo uma retórica da antipatia e que dá suporte às facetas (aos símbolos) únicas do radicalismo americano. Os indivíduos que propagam estes discursos unificam-se em estruturas de uma mesma ideologia subversiva. Eles são 'interpelados', um fenômeno que Althusser define como o processo discursivo de chamar um coletivo de indivíduos a formar um grupo através de uma tela de projeção ideológica. Esta interpelação ideológica torna-se mais importante quando se examina a cultura subversiva no ciberespaço. Essas ciberculturas não têm o que Heidegger define como 'cotidianidade' da vida, que é requerida para criar das Man, ou as estruturas mais abrangentes da sociedade que, por vezes, moldam a percepção individual de estar no mundo.

Acesso ao material extremista

A dificuldade de acesso aos seus materiais costuma flagelar as organizações subversivas. Por exemplo, a Alemanha proibiu constitucionalmente a publicação ou distribuição de documentos nazistas após a Segunda Guerra (Charney 1995). Na década de 90, o governo alemão também proscreveu os skinheads, e o rock pesado com letras promovedoras do ódio, após jovens neonazistas terem queimado a residência de um turco Gastarbeiter. Mas com o acesso global à Internet, a autonomia de uma nação para restringir a literatura radical tem se reduzido muito. Documentos postados na rede passam a ser disponíveis para qualquer um que possua tal tecnologia para acessá-los. Esta liberdade de disseminar literatura subversiva através da Internet provoca um crescimento da cultura radical. Também está criando novos problemas legais, ao desviá-los dos mecanismos de controle nacionais, desafiando, deste modo, as noções tradicionais de soberania. As implicações desta mudança foram recentemente ilustradas quando a Alemanha tentou controlar a literatura disponível dentro de suas fronteiras, solicitando à CompuServe para restringir o acesso aos materiais radicais (Brenner, 1996). Embora inicicalmente o servidor tenha tentado executar esta restrição, a companhia decidiu depois, em uma reversão supreendente, restringir o acesso dos alemães à rede, em vez de impedir a disponibilidade de informação para os seus usuários. No futuro, tais assuntos podem ser trazidos à tona, como um tribunal norte-americano que decidiu manter a liberdade de expressão no internet. Um juiz que apóia a decisão argumentou que é melhor permitir que a cacofonia de vozes na Internet se auto-controle, sem o uso de intervenção governamental ou judicial (Lewia 1996).

A direita radical dos EUA

A direita radical é um compêndio de grupos discrepantes com ideologias diferentes, freqüentemente conflitantes, que, não obstante, possuem alguns elementos em comum: um senso vociferante de ódio que se estende a um ou mais grupos (tipicamente envolvendo racismo e anti-semitismo), desdém frente à autoridade federal e um forte ou difuso vínculo familiar com a Ku Klux Klan ou outras organizações nazistas, originalmente criadas na primeira metade do século XX. Elinor Langer (1990), em seu trabalho 'O movimento neonazista na América hoje', estima que os membros dessas organizações estão entre 20 mil e 100 mil pessoas, um número expressivo, mas que equivale a uma fração mínima de todos os americanos.

Os extremistas americanos contemporâneos geralmente descendem de organizações anteriores a Klan, mas também de movimentos nazistas americanos. Juntos, compartilham sentimentos raciais estridentes, muitas vezes aumentados por uma visão religiosa ou semicosmológica da criação humana. Estes grupos incluem organizações tão divergentes como a seita Identidade Cristã, orientada religiosamente, e a Resistência Branca Ariana (WAR), organização californiana. WAR foi fundada pelo técnico de televisão Tom Metzger. Metzger dirigiu um programa de entrevistas chamado Raça e Razão em um canal a cabo em San Diego no decorrer de quase toda a década de 80 (Ridgeway 1990). Em seu programa, convidados discutiam a inferioridade genética dos judeus e das minorias e a ameaça iminente à raça branca que eram as ações afirmativas e o casamento inter-racial. Este grupo produziu boletins informativos, revistas, programas de rádio e vídeos promovendo suas mensagens racistas. Grupos que apóiam tais idéias têm se tornado mais ativos na parte noroeste da América, tais como o norte da Califórnia, Oregon, Washington e Idaho, onde as agências reportaram um crescimento de 400% de atividades anti-semitas em 1989.

Uma outra importante organização, que não descende diretamente da Klan ou do movimento nazista, são os skinheads. Este movimento, estruturado de maneira imprecisa, emergiu na década de 80, a partir dos centros operários urbanos economicamente deprimidos da Grã-Bretanha. Deste grupo, emergiu uma subcultura, que adotou a idéia de discriminação racial. Este segmento racista do movimento se espalhou no Ocidente durante as décadas de 80 e 90, promovido em parte pela distinta versão de rock pesado que seus membros produziam.

Finalmente, um grupo mais antigo é conhecido como o Destacamento Comitatus, um nome que se origina de um dos desejos centrais da organização: o governo local. Embora o Destacamento não tenha um papel importante na Internet, sua ideologia tem influenciado as crenças de outras organizações radicais. Desse modo seus membros efetivamente permitem cristalizar uma variedade de visões radicais. O Destacamento Comitatus acredita que o governo nacional está envolvido em uma ampla conspiração para destruir os fazendeiros, as pessoas brancas e a família americana. Eles aderem tendenciosamente à crença em ZOG (O Governo de Ocupação Sionista), que eles vêem como um sinônimo para o governo dos EUA. Membros do destacamento argumentam que o ZOG é controlado pela Conspiração Internacional Judaica, um grupo de poderosos financistas judeus reunido para controlar o mundo. Como resultado desta crença, os membros se recusam a pagar impostos, previdência social ou licença de motorista, e, ao invés disso, freqüentemente estocam armas e esperam o dia do confronto final com as autoridades controladas pelos judeus.

Somando-se a essas organizações dominantes, outros grupos, formados por revoltados contra impostos e rancheiros anti-ecologistas no noroeste dos EUA, têm surgido ao longo dos anos para se adicionar a um sentimento antigovernamental. Muitos de seus membros também temem a conspiração do ZOG, como fazem os grupos mais radicais. De fato, a crença no ZOG tornou-se um dos carros-chefes do ódio radical. Encontra expressão na teoria da conspiração muito difundida de que o governo dos EUA e a Federal Reserve Board operam no centro do ZOG. Este senso de conspiração mundial tem sido adornado por esses grupos em tempos recentes pela confirmação a suas crenças que o presidente Bush teria dado, em um discurso em 1990, durante a Guerra do Golfo, quando falou no desenvolvimento de 'uma nova ordem mundial das nações'. Dentro do radicalismo americano, este termo simboliza os poderes dados às Nações Unidas, patrocinadas pelos judeus com o objetivo de invadir os EUA a fim de privar os cristãos de seus preceitos, liberdades e vidas (After Oklahoma (2) 1995).

Subversivos no ciberespaço: sites e estruturas de crenças dos radicais

Embora estes grupos tenham uma longa história nos EUA, a Internet tem sido importante em termos de aumentar de sua visibilidade. O rabino Abraham Cooper do Centro Wiesenthal, de Los Angeles, argumenta que: 'mesmo com todas as oportunidades educacionais maravilhosas que são criadas todos os dias via Internet e recursos on-line, grupos extremistas estão utilizando agressivamente esses mesmos caminhos para promover suas agendas cheias de ódio' (citado em Schwartz 1995: 22). Para a compreensão do uso da Internet, primeiramente discutirei a emergência dos sites radicais, para depois explicar algumas dimensões que têm transformado indivíduos radicais em uma comunidade subversiva.

Os grupos brancos e arianos no ciberespaço estão representados em uma variedade de sites, sendo o mais proeminente o do reverendo Ronald Schoedel, da 'Identidade Cristão On-line', a 'Aliança Nacional', e a 'Página Frente Nacionalista Branca". As listas de discussão e notícias que lutam pela supremacia branca incluem a 'Frente L' e a 'Agência de Notícias Arianas'. Os dois grupos de mensagens mais populares da Usenet - que são o foco deste capítulo - são o alt.politics, nationalism.white e o alt.politis.white-power. Estas listas de discussão e notícias têm aparecido em análises jornalísticas tanto quanto têm sido louvadas pelos próprios radicais como centrais para o crescimento da rede radical. Somado a essas formas tradicionais de acesso à Internet, Tom Metzger aproveitou a tecnologia ainda mais, fazendo propaganda na 'Página da Resistência Branca e Ariana', em um provedor livre que publica qualquer página racista censurada pelos servidores comerciais.

Outro grupo radical proeminente representado na Internet são os skinheads. O serviço de busca Alta Vista revela uma pletora de organizações americanas na rede, tanto nacionalmente quanto regionalmente. Essas incluem os 'Wolfpack Services' e 'Skinheads U.S.A. Links Page'. As listas dos skinheads têm sido chamadas apropriadamente de 'listas de resistência'. O título reflete o ethos hostil cultivado pelos membros do grupo. A mais proeminente dessas listas skinheads são a alt.skinheads e a alt.skinheads.moderated. A cibercultura radical, em geral, também tem cultivado laços com fontes internacionais, tendo em vista a existência de lugares com severas leis de censura, como a Alemanha. Organizações com que se mantem correspondência incluem: 'Dinamarca (DNSB)', 'Recursos da Noruega', 'Página de Recursos da Suécia', 'Partido Nacional Britânico', 'Frente Linguagem Espanhola'. A nação mais bem representada é a Alemanha, com sites listados pelo 'Zündelsite: linguagem alemã', 'Frente: Linguagem Alemã', 'Nationale Volkspartij/ CP'86' e 'Germanica On-line'.

O principal eixo de tráfego do discurso subversivo ainda fica na América. Aqui, os membros podem facilmente passar de um grupo para outro, via uma estação como o link para a Reeducação Ariana. Esta estação é um serviço de links para 34 páginas de conteúdo radical. Esses grupos tendem para o espectro dos skinheads, mas os suprematistas brancos também são propagandeados. Vinte e dois destes grupos são iconicamente representados por seus logos, e é aqui que uma análise do discurso simbólico e cultural pode começar.

As culturas subversivas operam dentro do que Wittgenstein (1953) descreve em suas Investigações Filosóficas como um 'jogo de linguagem'. Wittgenstein argumenta que a própria linguagem funciona dentro de uma comunidade e que as regras do jogo discursivo formulam as noções de racionalidade que existem dentro de cada cultura. Quando alguém se muda de uma sociedade para a outra, as regras e as normas do jogo de linguagem mudam. Baseadas nestas suposições, a comunicação lingüística, antropológica e simbólica pode revelar muito sobre as dimensões que unificam uma cultura.

Nas cibercomunidades radicais, a associação metafórica dominante usada pelos membros de grupo é a da guerra. Simbolicamente, os radicais se associam a ícones de opressão política, violência e morte. As organizações que pendem em direção a crenças arianas tipicamente empregam a suástica, símbolo do Terceiro Reich, tal como a usada pela página 'Página Racista branco Independente'. Os grupos de skinheads estão mais propensos a imagens de violência, incluindo a insígnia da 'Página de New Jersey de Skinhead', na qual o punho ameaçador tem a palavra 'pele' tatuada ao longo dos dedos. Várias dimensões de vestimentas e da cultura de corpos reforçam estes símbolos. Os Suprematistas Brancos freqüentemente usam roupas militares, com trajes de camuflagem. Os Skinheads particularmente preferem um estilo paramilitar, tendo nas botas o mais proeminente artefato de vestuário. São tão importantes quanto as botas que eles usam e que se tornou uma insígnia de identificação: os membros usam saudações como 'olá, garoto de botas'.

Esta cibercultura reflete, em geral, uma fixação pela guerra. Por exemplo, os arquitetos do 3º Reich funcionam como figuras heróicas tanto para os suprematistas brancos quanto para os skinheads (Talty 1996). A importância da era nazista se faz aparente através da modificação da insígnias fascistas. Por exemplo, em alt.politics.White-power, um homem vendendo uma 'antiga edição do Mein Kampf de Hitler' recebeu uma oferta do líder da Identidade Cristã, Reverendo Ronald Schoedel (1996). No catálogo de pedidos da mensagem do NSDAP aparecem centenas de itens nazistas e de parafernália militar, incluindo um alfinete de gravata com a suástica (item no. 211), 'Músicas de Guerra do Terceiro Reich' (no. 201), e um livro de fotografias intitulado 'O Hitler que nós amamos e por quê' (no. 189) (Mail Order Catalogue 1996). A solicitação de mercadorias nazistas reafirma certos ícones culturais, ao mesmo tempo em que encoraja uma orientação consumista de materiais radicais. Desse modo, este local de compras virtual de mercadorias nazistas oferece símbolos e textos: eles espalham e fortalecem as idéias que estes itens significam.

Esta Weltanschauung centrada na guerra colore a estrutura de crença de muitos extremistas. O historiador Richard Hofstadter (1965) notou que a preocupação com a guerra e conspiração são características do 'estilo paranóico'. Grandes conspirações, argumenta Hofstadter, indicam uma forma de psicopatologia política. Esta patologia faz com que os indivíduos interpretem eventos sem relação como eventos ligados causalmente, como sinais reveladores de tirania e opressão. A aceitação do ZOG como um mecanismo dominante de controle mundial demonstra claramente um 'estilo paranóico'. Mas também é importante ir além dos aspectos estilísticos da piscopatologia política para entender como este discurso paranóico desperta um sentimento de coesão no grupo.

Um vínculo central e unificante deste movimento é sua estrutura de crenças míticas, aquelas que borram a distinção tradicional entre narrativas fabricadas e concepções tradicionais da história. Dentro desses mitos, figuras demoníacas, como o ZOG, operam em estruturas narrativas criadas discursivamente que, por vezes, mantêm a comunidade unida. Os 'conspiradores' demoníacos por elas construídos são elementos essenciais dentro desse processo: eles se tornam os catalisadores para a revelação de uma série de narrativas que, então, fazem surgir uma visão de mundo que inclui todas elas. Para entender o significado dessas figuras demoníacas e a maneira em que elas são representadas, precisamos nos voltar para a abordagem extremista do Outro.

Abordando o Outro

O discurso suprematista aqui examinado abriga um duplo retrato do Outro. Estas duas construções prevalecentes servem a propósitos diferentes, ainda que interdependentes dentro do movimento, e podem ser melhores visualizadas em termos de "o Outro como um contaminador social" e "o Outro como um conspirador poderoso".

O Outro como fonte contaminação social

A construção do outro como um contaminador social é evidente em toda a literatura extremista. Nela, o outro se transforma metaforicamente em uma doença cultural, cuja própria presença dentro da nação é suficiente para destruir a estabilidade social e os valores especiais que fizeram a nação forte em sua fundação. Esta descrição do Outro possui laços fortes com o gênero de discurso racista articulado anteriormente na história americana, assim como na propaganda nazista dos anos de 1930 e no discurso anti-semita francês do século XIX (Dinnerstein 1994, Ridgeway 1990). A importância dada à construção de novos mitos abrangentes - a inventio discursiva dos radicais - é menos significativa neste contexto do que a questão de como as ciberculturas se apropriam de gêneros antecedentes para promoverem novas estruturas narrativas.

Os Afro-americanos como o outro

No discurso radical atual, a manifestação dominante dessa "contaminação social" é encarnada na imagem do afro-americano. Para construir este retrato, os extremistas copiam imagens racistas geradas na história americana e nos meios de comunicação dos Estados Unidos durante a primeira metade do século XX. A identificação dos afro-americanos como outros envolve sua descrição como brutos, como forças primitivas, biologicamente criadas para corromper a sociedade americana. Um homem escreveu no alt.politics.white-power:

"O problema dos afro-americanos é que eles estão destruindo nossas cidades da mesma maneira que eles vêm fazendo há 35-50 anos... A ameaça afro-americana tem atacado nossas cidades e subúrbios com mais força do que todas aquelas tribos indígenas hostis e aquelas forças francesas/inglesas combinadas e organizadas contra nós nos dias coloniais e pós-revolucionários. Mesmo assim, nós continuamos a tratar nossos inimigos como cidadãos." (Bertleson, 1996)

Tal retrato dos afro-americanos identifica-os como um fonte de contaminação nefasta e, particularmente, estrangeira. De acordo com esta lógica, os americanos negros personificam e põem em andamento a decadência urbana e suburbana. Eles se tornam o agente causal das forças impessoais que afetam os setores urbanos da sociedade dos Estados Unidos. A descrição completa o que Boehmer (1995) argumenta: os afro-americanos servem como antíteses da sociedade dominante, refletindo negativamente a superioridade social e cultural do colonizador.

Um colaborador do alt.politics.nationalism.White descreve os afro-americanos como seres primitivos: 'A África é imbecil, é um continente da idade da pedra e os africanos estão trazendo a idade da pedra para a Europa e para a América. Por que nós estamos permitindo isso?' ('Rad' 1996a). Aqui, novamente, os afro-americanos se tornam uma contra-imagem do lado civilizado e produtivo da sociedade. Esse retrato culto e civilizado é usado por sua vez para definir os próprios racistas arianos como pessoas ideais.

Tal racismo estridente seguidamente oculta de maneira imprecisa muitos medos a respeito da sociedade. A aparente preocupação com os 'perigos' dos afro-americanos enquanto um grupo cultural único se torna mais notável quando removida do contexto dos Estados Unidos. A consistência dos medos sociais, o caráter variável do outro e a reação racista a ele como sendo o subversivo de outras nações são típicas nos materiais na internet. Por exemplo, a 'Scarborough Skinhead Web Page' canadense distribui uma mensagem notavelmente similar:

"Você está cansado de ver sua comunidade virada alvo de gangues? Você está cansado de ver drogas sendo vendidas nos arredores? Cansado do Canadá gastar milhões de dólares dos impostos que você paga com imigração, sem contar o quanto se gasta para manter esses imigrantes e refugiados no país? Mantê-los aqui pode resultar na perda do seu emprego, do imposto que você paga, do patrimônio canadense... A imigração do terceiro mundo está matando nosso povo e nosso estilo de vida. COMPROMETA-SE E DEFENDA SEUS DIREITOS DE BRANCO." (Scarborough Skinheads)

Os homossexuais como o outro

Os homossexuais operam neste contexto como um outro construído socialmente, destinado a servir de exemplo da degradação da sociedade. A página da web intitulada 'Cyberhate' ('Ciberódio') escolheu para seu lema: 'Mantenha a América Branca, Heterossexual e Orgulhosa!!' Esse slogan deixa de fora por exclusão o outro baseando-se nos critérios de raça e orientação sexual. Outra página da Web, a "CNG", uma auto-proclamada "organização branco-nacionalista de natureza individualista", incluiu um trabalho chamado "A Ameaça Homossexual", de Jeff Vos (1996). Nesse trabalho, Vos faz citação, repleta de elipses, atribuída a um periódico chamado "Notícias da Comunidade Gay". Ele apropriou-se da voz do outro para montar um manifesto que ameaça o seguinte:

"Nós sodomizaremos seus filhos... nós os seduziremos em suas escolas, em seus dormitórios... [elipses do autor] Todas as leis banindo a homossexualidade serão revogadas... Cuidado quando você fala de homossexuais, porque nós estamos sempre à sua volta... a unidade familiar... será abolida... Todas as igrejas que nos condenam serão fechadas. Nossos únicos deuses são homens jovens e atraentes." (Vos, 1996)

Essa narrativa da "ameaça" homossexual é remanescente do gênero anticomunista dos anos 50. O perigo físico aos jovens é ainda mais exacerbado pela presença conspiratória de homens gays ateus. A partir desses "dados" alegados contra os gays, Vos condena os homossexuais: "porque esses indivíduos doentes já causaram muita dor e problemas na vida de muitas crianças para a sociedade continuar fazendo vista grossa para seus excessos".

Refletindo mais uma vez a ameaça conspiratória do discurso anticomunista, o autor alerta seus leitores que "nós estamos em guerra. Não se enganem quanto a isso. Existe um inimigo, e o inimigo já fez avanços significativos."

Apoiando-se na abordagem de Hofstadter sobre psicopatologia política, esse retrato do outro pode funcionar como um teste de Rorschach, revelando os ícones psicológicos embutidos no discurso (Black 1983). Uma leitura atenta da literatura do site revela que, como os negros, os homossexuais e as outras minorias "destroem" a sociedade - através de comportamento violento ou degradação sexual. Torna-se responsabilidade dos subversivos agir como protetores da sociedade. Mas, diferentemente dos fundamentalistas cristãos, que podem recorrer aos seus princípios religiosos e seu conhecimento da Bíblia, os suprematistas e skinheads precisam basear-se em algum outro critério para sustentar seu status superior. Eles concentram-se em um critério biológico, que serve de fundamento para uma tapeçaria cultural elaborada: a da pigmentação da pele. A brancura torna-se um talismã, que faz os suprematistas e skinheads o espelho oposto do outro.

A grande importância de assegurar a "brancura" como uma categoria irredutível ajuda a clarificar o fundamento biológico que freqüentemente caracteriza o discurso suprematista. Numa lista de mensagens, um advogado argumentou que: "Na verdade, o racismo é bom e necessário para o surgimento de novos tipos de seres humanos dentre os existentes... em algum ponto, o homo sapiens recusou-se a se reproduzir com os homúnculos a seu redor" (Strom 1996). O fundamento biológico para distinguir entre os suprematistas e seus outros revela a natureza essencialista de seus argumentos. A distinção, claro, torna-se problemática quando estendida aos homossexuais, pois aqui não há nenhum critério racial inerente a partir do qual se possa basear a condenação. Ainda assim, a raça emerge novamente quando as discussões se concentram em preservar a civilização ocidental, pois nesse caso os homossexuais são acusados - seja pela determinação biológica ou pela sua livre escolha de preferência sexual - de falharem em propagar a raça branca. Assim, no final das contas, os atributos do inimigo são reconstruídos a partir de impurezas deterministas, essencialistas e biológicas inerentes ao corpo do outro.

O outro como conspirador

Examinar o outro como um conspirador revela uma relação de poder muito diferente que há entre os suprematistas e o outro. Enquanto afro-americanos são retratados como selvagens sub-humanos e os gays como pervertidos sexuais, é o judeu quem é mais cruelmente condenado na literatura radical direitista. Entretanto, aqui a imagem prototípica do judeu difere da construção do outro antes descrita. Questões de poder, riqueza e controle predominam. Existem duas construções proeminentes, uma envolvendo o outro como um agente impessoal conspirador, e outra centrando em características essenciais do judeu individual.

A imagem do judeu como um grande agente conspirador funciona como um ponto de concordância entre esses agitadores. Langer (1990) enfatiza a importância do judeu poderoso como uma imagem com a qual esses extremistas geralmente concordam. Retoricamente, o excedente de poder do judeu possui um papel-chave no gênero radical. O judeu, imbuído de poder, personifica as mudanças da sociedade de massa. O discurso dos radicais gera uma narrativa mítica, que converte os problemas sociais em conflitos entre entidades distintas e identificáveis. Trata-se de estratégia criadora de um quadro que leva seus proponentes a lutarem contra formas de mudanças que os prejudiquem. Os judeus, com seu suposto acesso ao "poder", personificam essas forças mais efetivamente do que grupos tais como afro-americanos, que ainda detêm pouca influência sobre a sociedade. Assim o judeu é construído como o agente que fica escondido dentro das instituições e possui poder hegemônico. Os judeus usariam essas estruturas para manipular a sociedade. O governo, a mídia e mesmo a disseminação do conhecimento acadêmico ou de doutrinas ideológicas podem emanar em última análise dessa fonte, segundo os extremistas.

Dentro dessas narrativas, o outro é dotado de um poder quase super-humano. Essa atribuição é imperativa, se é para o judeu ser capaz de controlar eventos nacionais ou mesmo mundiais. Por exemplo, o Dr. William L. Pierce (1996), da National Alliance, mostra essa crença no poder de dominação dos judeus. No seu texto postado no Diretório da National Alliance da web, ele defende que a reação negativa ao movimento skinhead foi causada por uma conspiração monolítica judia. Aqui os judeus são a causa por trás do "uso de drogas entre os skinheads. Eles encorajaram a música rap e a mistura racial." Tendo falhado nessa tentativa, "os judeus tentaram fazer lavagem cerebral no público contra os skinheads, através do controle da mídia." Finalmente, Pierce sustenta, os judeus começaram a perpetuar um sistema de propaganda, através do qual os "lacaios" dos judeus, a União de Liberdades Civis da América e a Liga Anti-Difamação de B'nai B'rith, começaram a colocar a polícia contra os skinheads: "Todas essas organizações propagandísticas dos judeus são bem-conectadas politicamente, de maneira que eles podem acercar-se dos departamentos de polícia vestidos com a falsa capa de autoridade."

A literatura subversiva também acusa o judeu de instaurar o caos na sociedade americana, através da organização do tráfico de escravos para a América. Alegam que o espírito empreendedor do judeu levou à introdução da escravidão, na época usada como um meio de obter lucro e de dominar importantes instituições dentro do jovem país. Uma discussão no grupo alt.skinhead ilustra esse ponto. Aqui dois usuários entraram num diálogo, sendo o primeiro um judeu e o segundo um extremista:

[Usuário 1] Essa coisa é tão estúpida que é difícil de levar a sério. Eu particularmente gosto dessa parte onde se acusa a nós, judeus, de ter trazido os escravos pra cá em primeiro lugar. Hmmmm. Como é que fizemos isso? Eu vou contar.

[Usuário 2] Aposto que você pode contar pra gente, mas é claro que não vai fazê-lo. Foram os judeus quem inventaram a escravidão! Basta ler o Antigo Testamento para saber da verdade.

[Usuário 1] É, sim, daí nós os vendemos por uma moedinha, né.

[Usuário 2] Todo mundo sabe que os judeus fazem qualquer coisa por dinheiro.

[Usuário 1] Então eu acho que já está bem claro que as únicas pessoas que REALMENTE levam isso a sério já tiveram morte cerebral.

[Usuário 2] Você é muito seguro de si, não é mesmo (odeio isso nas minorias)? Então, por que você não quer que ninguém responda às minhas observações pessoais? Eu posso pensar em algumas boas razões pelas quais os judeus não querem que as pessoas falem de sua atuação na história. Eu não tenho medo da verdade! (Braun 1996)

O pressuposto de que os judeus iniciaram o tráfico de escravos, em última análise, transforma o afro-americano em um outro sem voz, objetivado; eles se tornam um instrumento, que o judeu usou cruelmente para infligir dano nos americanos cristãos e brancos. Esse discurso demonstra a polaridade das figuras demoníacas usadas pelos extremistas: um é uma força animal e sem inteligência, o outro é um manipulador muito inteligente e mau, que se apropria dos negros de maneira objetivista. Essa suposta manipulação pelo judeu aparece na narrativa suprematista até mesmo quando os próprios radicais reificam e definem o outro como uma espécie malevolente de "coisa". A estrutura de crença diferencia entre um "povo da lama" étnico enquanto não-humanos e o judeu satânico enquanto super-humanos. Juntos, ambos atuam como uma força rancorosa, contra a qual devem lutar os filhos de Adão.

O contexto histórico do anti-semitismo, ampliado até o passado da Europa medieval, provê a substância ideológica para muitos textos extremistas. Ao mesmo tempo em que os radicais definem um judeu todo-poderoso, eles podem se utilizar dessa vasta história discursiva. Páginas da web e grupos de mensagens discutiram o velho documento anti-semita Protocolos dos Primogênitos de Sião. Esse documento, forjado na virada do século, tinha o propósito de denegrir os judeus. A narrativa fala de um amplo plano de líderes judeus para controlar a sociedade, com o objetivo final de destruir o cristianismo. Apesar de os Protocolos já terem sidos desmascarados como farsa, grupos extremistas ainda se referem a esta história para provarem as nefastas intenções do judeu em querer dominar o mundo. Um homem em alt.politics.nacionalism.white convocava outros suprematistas a fazer o download do texto, descrevendo-o como "leitura imprescindível para os interessados em aumentar seu entendimento da Nova Ordem Mundial" (Mathis 1996).

Além de usar essa elaborada narrativa da história, cada nova geração de extremistas precisa redefinir novamente o judeu, construindo esse outro dentro dos parâmetros da ideologia contemporânea. Na reconstrução mais recente, o judeu é personificado pela Nova Ordem Mundial. Novamente, o outro está fortemente ligado ao medo prevalecente de um governo mundial opressor. O judeu, dentro dessa narrativa radical, manipula o mundo abertamente, sob o disfarce das Nações Unidas. Secretamente o judeu atua em um nível ainda superior: ganhando controle dos governos do mundo, sob o disfarce do ZOG. Os radicais pressentem tão fervorosamente este governo mundial, que um suprematista escreveu no alt.politics.nationalism: "Morte ao ZOG e a todos os traidores que trabalham para eles" (Shook, 1996).

Na literatura radical o poder do ZOG é tão difundido que invade até as mentes dos próprios americanos brancos e cristãos, através do uso da propaganda governamental. Os extremistas brancos vêem o governo dos Estados Unidos como um instrumento da conspiração judaica que promove a filosofia liberal que tornou as Nações Unidas possível. Essa arma ideológica inclui questões tais como a diversidade cultural e a ação afirmativa. Essas políticas, de acordo com os extremistas, têm feito 'lavagem cerebral' na sociedade, permitindo, desta forma, que as minorias desqualificadas e as feministas cresçam em envergadura sobre homens brancos acossados.

Visto que as ideologias extremistas mostram o judeu como conspirador contra a nação e a raça branca, elas não podem exaltar qualquer aspecto do espírito empreendedor judeu. Isso pode criar uma tensão discursiva, particularmente em uma sociedade capitalista, na qual o sucesso econômico é tipo com positivo. Como anticomunistas ferozes, os radicais de direita geralmente apóiam o capitalismo, freqüentemente glorificando-o como uma forma de herança econômica da América. Para resolver esse paradoxo, os subversivos precisam distinguir os judeus dos capitalistas em geral, demarcando especificamente a diferença entre os negócios judaicos e aqueles dos empreendedores cristãos.

Esse processo requer uma demonização que torne cada indivíduo judeu repreensível. Os extremistas definem rigidamente os judeus como classe étnica ou cultural, não permitindo a eles se tornarem membros reconhecidos da sociedade - apesar da falta de marcadores físicos distintivos. Por exemplo, uma pessoa em alt.politics.nationalism.white, sob o título de "Como Identificar um Judeu", descreveu a fisionomia de um judeu: "Muitos judeus proeminentes (depois de séculos roubando os genes europeus) têm olhos azuis e pele clara, o que parece fora do lugar devido às suas feições basicamente tropicais: olhos grandes, sonolentos e lembrando os de peixe, lábios gordos e quadrados, orelhas pontudas" (Rad 1996b).

No final da categoria intitulada "Atividades dos judeus", o autor adicionou "Qualquer coisa que permita o controle político ou cultural sobre os Arianos". Esse discurso ilustra um judeu essencializado e dá carta branca para excluir os indivíduos que, não fosse por isso, estariam perfeitamente integrados com a sociedade. O judeu não pode se tornar aceitável, não pode se converter, pois sua corrupção encontra-se essencialmente na sua construção cultural e genética. Os extremistas precisam tornar o judeu óbvio, marcando-o discursivamente como outro.

O deslocamento do outro

A discussão sobre a diversidade cultural e a ação afirmativa foca uma última dimensão do relacionamento entre os extremistas e os outros. Os radicais contemporâneos freqüentemente negam a condição oprimida da maior parte dos grupos destituídos de poder. Ao invés disso, eles se vêem nesta posição. O discurso sobre a necessidade de afastar o outro ganhou tanta proeminência que serve como uma outra característica definidora desses extremismo enquanto cultura.

O discurso radical descreve tipicamente a terrível condição dos caucasianos. Por exemplo, o site Registros da Resistência comentava: "Olhe para os níveis de população global. Os brancos somam apenas 8% da população do planeta. Apenas 2% dos bebês nascidos no ano passado eram brancos... São as PESSOAS BRANCAS que, na verdade, são a 'nova' minoria" (Hawthorne 1996). De acordo com estes argumentos, a imigração descontrolada e o casamento inter-racial estão transformando o setor branco da sociedade em uma raça 'minoritária'. Aqui a categoria de branco também é essencializada. O argumento escutado retoma a regra do "uma gota" da era dos direitos pré-civis, quando mesmo a menor quantidade de diversidade étnica no perfil de alguém tornava-o um 'não-branco'.

Os extremistas também argumentam que as regulamentações governamentais procuram impor - em nome do 'multiculturalismo' - o que esses radicais descrevem como o 'fardo' das cotas e dos pagamentos da previdência, peso econômico que seria carregado desproporcionalmente por brancos. Um texto escrito por "Yggdrasil" (1996a), a árvore da vida alemã falando via Aliança Nacional, articulou uma lista das 'explorações' que a raça branca enfrenta:

É uma lista longa. Esquemas de preferência racial onerosos para dar empregos, esquemas de preferência racial para fazer admissões às universidades, esquemas de preferência racial em contratos governamentais e empréstimos para pequenos negócios. Além das cotas, existe a negação dos direitos de liberdade de expressão e de mover processo aos brancos que são críticos dessas políticas governamentais. Nós temos punições especiais quando agressões cometidas por brancos têm motivos raciais. Além disso, os brancos pagam uma porção dos custos do estado de bem-estar que é desproporcional aos que eles recebem em benefícios.

Este texto argumenta que são os brancos que, na realidade, sofrem na América, porque as 'minorias bem-sucedidas' controlam a mídia, proibindo "a disseminação de qualquer mensagem que chame a atenção para a dominação racial e étnica. Apenas mensagens da vitimização da minoria podem passar" ('Yggdrasil' 1996b). O próprio discurso do deslocamento vem, em parte, dos sentimentos de dissociação com a sociedade.

Os membros desses grupos freqüentemente comentam sobre a sua perda de liberdade de expressão em função da censura, imposta tanto legalmente quanto nas normas sociais. Tais 'restrições' transformaram aqueles que articularam o 'orgulho branco' em párias. George Burdo - conhecido como 'George Eric Hawthorne', o fundador dos Registros da Resistência - afirmou nesta página: "Observe o quão os indivíduos pró-brancos, como eu, são retratados como 'demônios' pela mídia. Eu pensaria que ser 'racista' é pior do que ser 'estuprador' hoje em dia. Apenas mude uma pequena letra e 'bingo', você tem um título instantâneo para as notícias da noite" (Hawthorne 1996).

Enquanto às pessoas de bagagem genética diversa são dadas vantagens "injustas" por parte do governo, estes radicais brancos dizem ter seus direitos econômicos e sociais cassados. Os radicais articulam sua identidade como um outro privado e castigado socialmente. Desse modo, o conflito que os suprematistas têm com os membros de grupos oprimidos pode, em parte, ser, ao invés, agravado por um esforço para expropriar sua identidade de outro.

Relações Interativas no Ciberespaço

A cibercultura radical de direita não existe em um vácuo comunicativo. Assim como seus membros descobrem maneiras mais eficientes de conquistar novos integrantes, o indivíduo não-racista pode, também, contatar os radicais. A interação estimulada pelas listas de mensagens Usenet funciona, no microcosmo, como uma conversa entre esse radicais e a sociedade como um todo. Apesar deles ocasionalmente apresentarem seus pontos de vista para o grande público, interações on-line ocorrem diariamente via internet. Dada a importância do movimento e o acesso que elas dão a contatos externos, é importante examinar os padrões de interação e as tendências que constroem o "jogo de linguagem" dessas listas de mensagens e grupos de discussão.

Os grupos operados por extremistas políticos promovem uma comunicação entre seus membros e servem como um meio de recrutamento. Analisando o discurso, eu descobri um fenômeno inesperado: a presença regular de pessoas de fora. Estes não-membros, que eu irei chamar pelo termo "antagonistas", são um componente proeminente desses grupos de mensagens. Eu escolhi o termo "antagonistas" para rotular este grupo porque ele é o que mais apropriadamente satisfaz os atributos estilísticos de muitos (embora não todos) não-integrantes. Uma pessoa escrevendo sobre alt.skinhead sob o título de "perdedor Nazi" exemplifica a aversão que alguns "antagonistas" manifestam em relação aos extremistas:

"Ei, você aí, pequeno perdedor nazista!... Apenas no caso de você não ter escutado, Adolph (sic) está morto, a SS acabou e vocês, lixos-brancos, são ressentidos remanescentes das divisões de panzer!... Agora que eu descobri seu pequeno esconderijo, vou pedir a todos os meus companheiros para lhe pegar. Vai ser divertido! Canalhas como vocês devem ser colocados numa jaula e levados a fazer uma viagem de circo!" (Membari 1996)

Embora ataques semelhantes devam ser esperados, a importância dos "antagonistas" nos diálogos gerados continua surpreendendo. A maioria das contribuições encontradas no alt.politics.nationalism.white, no alt.politics.white-power, e no alt.skinhead contém críticas que partem de fora desta subcultura. As mensagens antagônicas podem ter um papel-chave ao desencadear um diálogo, fornecendo um tema ou uma sensação de vivacidade necessária para que a discussão continue.

Estes confrontos entre os pertencentes a esses grupos e seus antagonistas funcionam como uma espécie de dialética ideológica. Eles resultam numa interação entre os extremistas e seus outros que cria listas de discussão com o objetivo de disputar espaço com os radicais. Em última instância, dois interlocutores no alt.politics.white-power, o primeiro, um oficial do exército, demonstra a tendência dos de fora criticarem as reivindicações raciais:

"[Usuário 1]: Bem, eu sou orgulhoso e não aceito desaforo de ninguém. Eu odeio negros, latino-americanos, europeus sulistas, judeus e sim, lixos brancos.

[Usuário 2]: Tal pensamento brilhante mostra claramente que as Forças Especiais americanas selecionam homens do melhor calibre - pensadores lógicos e inteligentes, que desprezam o perigo. Eu sugiro ao Exército americano repensar a sua política de recrutamento. E, a propósito, sua mãe o veste de forma engraçada. Pip Pip!" ("Flipper" 1996)

Este indivíduo, "Flipper", também conhecido como "Finger McPhee", incorpora o estilo de um antagonista quando se insere dentro das listas de discussão dos suprematistas brancos e skinhead. Em uma ocasião, outro antagonista veterano formulou uma pesquisa sobre racistas para os participantes regulares de outro grupo. A pesquisa inicia demonstrando um sentimento de familiaridade, uma forma amigável usada para aumentar o sarcasmo das mensagens textuais: "Les, você está de fato bastante famoso na Internet! Apenas faça uma busca no Alta Vista por 'Les Griswold' e veja! Você está famoso! Alguns até mesmo chamam você de premiê cybernazi! Tenho algumas questões para você, se você pudesse fazer a gentileza de responder" ('Carleton', 1996).

Uma mulher enviou suas respostas para a pesquisa, censurando parte das mensagens dos antagonistas, comentando: "(cortem essa - restos de barulhentos liberais deletados)". Este intercâmbio de críticas e insultos culminou com o antagonista acabando com a seriedade formal do interrogatório para perguntar à mulher porque ela não mudou para rec.music.white-power - um site que foi recentemente banido por votação massiva na Internet - acrescentando:

"[Usuário 1]: Ah sim, eu esqueci, eu até já votei, hahahahahahaha. Perdedores!

[Usuário 2]: Alegre-se enquanto você puder cuzão...
                          ********DIGA AO MUNDO********
                                          REVOLUÇÃO"

("Razorrougue" 1996)

Este diálogo exemplifica a tensão entre familiaridade e a hostilidade freqüentemente encontrada nestas listas de discussão. Tais mudanças do reconhecimento cordial ou amigável para comentários debochados também existem em discussões entre os próprios suprematistas. Os integrantes talvez incluam níveis mais moderados de fervor racista, que ocasionalmente comentam os textos enviados. Esta crítica interna pode regular o que alguns suprematistas vêem como sendo o nível de "aceitável" dentro do discurso racial.

O uso da crítica e repreensão pode funcionar ainda em outro nível. O internauta que responde para ambos - os de dentro e os de fora - escreve e aparece para solicitar reações desrespeitosas. Isto pode se tornar óbvio até mesmo no começo, quando um usuário introduz um tema. O padrão de insulto e repreensão pode ser parte do "jogo de linguagem" destas listas. Estes internautas desenvolvem uma forma de falar e reagir aos ataques verbais, usando argumentos ad hominem e hipérboles. Ao mesmo tempo em que tais discursos criam um clima de insultos, também promovem discussões amigáveis. As discussões giram dentro de operações lingüísticas limitadas; limitado no sentido de que os usuários não procuram o fim da interação com o oponente, mas levar o internauta a um grau maior de extremismo. Nas respostas seguintes, uma sobreposição de mensagens confunde os temas, que defendem e contrariam a superioridade racial. Isto obscurece as distintas ideologias através de um único jogo de linguagem.

"[Usuário 1]: As pessoas brancas devem se unir para vencer todos os negros.

[Usuário 2] Os humanos envolvidos devem se juntar para impedir que parasitas símios como este idiota passe seu gene (epíteto muito grosseiro) para uma outra geração de imbecis. Ei, colega! Você acha que pode tentar queimar seu outro neurônio?

[Usuário 3] Opinião muito legal, meu amigo, mas você poderia por favor parar de se dirigir a grupos em que o lixo racista de Snowy [internauta número 1 - SZ], e a insensatez de Whitey [internauta número 2] só servem para dar respostas completamente redundantes? Nós não temos problemas com racismo aqui na Austrália! Nós somos racistas! Sem problemas!" (Hughes 1996)

Este padrão de pergunta e resposta muda dramaticamente quando modelos alternativos de comunicação entram em cena. A inserção de material erudito serve de melhor exemplo. Num tópico de lista de discussão alternativa (misc.activism.militia), um pesquisador enviou uma pergunta visando adquirir uma informação sobre seus integrantes. A solicitação foi recusada pelo participantes. Similarmente, uma afirmação que soava acadêmica apareceu no alt.skinhead. Esta mensagem iniciava com uma linguagem que contrastava imensamente com os moldes aceitos no jogo de linguagem skinhead: "Sou uma mulher, estudante de graduação, escrevendo uma tese sobre as mulheres skins" (Megan, 1996). Continuava com uma linguagem sofisticada, concluindo, em tom simpático raramente encontrado neste grupo: "Obrigada por sua atenção e espero por suas respostas".

Embora a pesquisa obtivesse várias respostas sérias, membros da lista ridicularizaram o seu estilo. Particularmente problemático para alguns era a afirmação da estudante de graduação segundo a qual as mulheres skinheads constituiriam um "movimento". Uma mulher respondeu: "Participando de um movimento? Eu estou muito confusa: eu simplesmente sou uma skinhead... Eu acho que você está tentando, artificialmente, criar alguma estrutura, definição hierárquica de skinhead que realmente não existe" ("Schroedinger Cat" 1996). Outro respondeu esforçando-se para desconstruir a própria noção de lógica que a estudante empregou ao formular a sua pergunta:

"Se você quisesse escrever a verdade, por que você chama o skinhead de um movimento? Você acha realmente que o skinhead é isso? Eu duvido. Então, eu vou falar para você o que você quer escutar, embora isso seja absurdamente falsa. Eu sou um skinhead, por isso eu posso reproduzir com outros brancos e fazer proliferar a raça ariana. (para aqueles que me conhecem, encarem isso de maneira apropriada, como uma BRINCADEIRA)." (Welch 1996)

Finalmente, uma mulher enviou uma repreensão on-line à acadêmica depois de várias mulheres terem fornecido respostas sérias para as perguntas:

"Ela é o sistema. Ignorem-na irmãs. Ela é o mal" [She iz EzTABLIzHMENT. IgnoR her sisterz. she iz Evl].

Talvez a mais impressionante de todas, tal resposta identificou a acadêmica como uma "estrangeira". Mais do que se procurar atacar a ideologia radical, essa estudante de graduação todavia esforçou-se para estudar isso. Como resultado, sua questão deu início a muitos e diferentes modos de relacionamento com os usuários da lista. Vinha de fora essa voz acadêmica, de uma cultura que era exterior aos parâmetros previamente estabelecidos do grupo de mensagens alt.skinhead. O objetivo da estudante, ao invés de provocar insulto, era técnico. Ela procurava definir o movimento, tornando-o objeto no sentido foucaultiano, o de dirigir um olhar disciplinado sobre ele (Foucault, 1980).

Ao invés de empregar uma linguagem agressiva, ofensiva, seu discurso procurava redefinir os membros do grupo em termos acadêmicos. Aqui, ocorreu uma forma de crítica, ainda que essa crítica aparecesse em um estilo lingüístico e num modelo de mediação não acessível ao grupo. A exigência acadêmica proibia um relacionamento sob a forma de discussões amigáveis, que freqüentemente ocorre nestas listas. Dentro do conduta agressiva, percebeu-se, havia uma abertura, um senso de liberdade que não tem lugar em um trabalho acadêmico. Por esta razão, a acadêmica - em sua linguagem formal e educada - foi interpretada como "Evl".

Baseado nessa análise do discurso das listas de discussão dos grupos extremistas, alguém poderia argumentar que, enquanto os antagonistas estão fora desta comunidade subversiva, suas respostas podem ter uma importante função. Os antagonistas permitem aos membros do grupo contra-atacar e dar apoio aos seus pares, aumentando, desta maneira, a coesão interna do coletivo. O jogo de linguagem de agressões e insultos permite ao estilo da cultura radical emergir de maneira mais enérgica. Esta vazão pode ser discursivamente importante para uma cultura que luta para ser hiperbólica e de confrontação. A participação de antagonistas dá a essas pessoas uma audiência e um amplo acesso ao público, fatores que aumentam as oportunidades de representação da retórica extremista.

Conclusão

Esta análise retratou aspectos da cultura subversiva na Internet, assim como o delicado relacionamento entre os extremistas, a sociedade e o outro. A articulação das idéias extremistas dentro dos cibertextos demonstra que os radicais encorajam a perseguição de membros inocentes da sociedade. Tais idéias e ações não podem ser ratificadas. Concordo com o sentimento predominante em nossa sociedade, que procura limitar a força de tal discurso. Entretanto, nós devemos notar que também preocupações éticas autênticas podem levar ao mal da censura. Os estudos de caso apresentados aqui revelam que uma infiltração substancial desde fora pode servir como uma alternativa à censura. Na Internet, uma multiplicidade de vozes articula uma diversidade de pontos-de-vista, e isso a diferencia, substancialmente, das antigas seções de "cartas para o editor" que havia nas revistas extremistas e que apresentavam somente a fala de convertidos. A abertura da internet e suas opções interativas podem ser menos apropriada para os suprematistas escaparem da sociedade estabelecida e, assim, formarem culturas isoladas completamente fora do alcance das influências moderadas. Concordo com o opinião dada por um judeu, escrevendo no alt.skinhead, que se confrontou com seu oponente extremista:

"Fale, você vai até seus vizinhos judeus e explica sobre o "ZOG", a "invenção judia da escravidão", e etc.?...Vá até um idoso judeu com uma bengala e fale a ele que o Holocausto foi um exagero, e ele faria o melhor dele para te matar com a bengala. Estranho tipo de verdade esta. Visto que você é o maior suprematista branco armado com a verdade, por que você não pode gritar essas coisas aos quatro ventos? Medo das pessoas rirem de você?" (Braun 1996)

Embora o ciberespaço não possa se tornar um substituto da confrontação pessoal, engajar um radical em uma lista de discussão é, entretanto, um passo no sentido de forçar os extremistas a interagir abertamente com a sociedade. As comunidades fechadas vivem em uma isolamento hermético e podem servir como multiplicadores de territórios para os extremistas e todo a sua ameaça física. As aberturas do ciberespaço não oferecem tal isolamento. A Internet pode, desta maneira, pôr em risco a própria noção de comunidade fechada; ela pode se tornar uma aliada na batalha contra a intolerância e o racismo.

Tradução de Carolina Konrath, Laura Dalla Zen e Gilmar Silva Júnior. Revisão de Daiane Menezes.

* Approaching the radical other: the discursive culture of cyberhate. In David Bell & Barbara Kennedy (orgs.): The cybercultures reader. Londres: Routledge, 2000, p. 237-256. Susan Zickmund era, na época de redação do artigo, professora-visitante do Depto. de Medicina Interna da Universidade de Iowa.



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