Dissolução e Fragmentação:
Problemas nas Comunidades On-line *


Beth Kolko e Elizabeth Reid


A prolifera��o das comunidades virtuais nos �ltimos anos resultou na cria��o de novos espa�os sociais e novas formas de intera��o e forma��o de identidade. Embora, as comunidades virtuais t�m sido o foco de muita pesquisa, a maioria dessas avalia��es deixou v�rias suposi��es desarticuladas e evitou a quest�o de o que significa fracassar no ciberespa�o como um "eu virtual" e como uma comunidade virtual.

Esses insucessos s�o o assunto principal desse texto. As hist�rias escritas de um bom n�mero de comunidades on-line catalogam uma variedade de falhas de comunica��o: incidentes nos quais uma pane na capacidade de colaborar da comunidade rompem o tecido social. Examinando exemplos de falhas nas comunidades virtuais, procuramos um entendimento mais completo da tens�o existente entre a linguagem escrita e falada nos ambientes virtuais. Para tal, examinaremos ambas as linguagens de intera��o e tamb�m a linguagem de constru��o de espa�os. A linguagem, como o bloco de constru��o do que ocorre no ciberespa�o, � mais ef�mera que a palavra escrita, e mais est�vel que a palavra falada casualmente. Essa tens�o pode criar problemas para as comunidades on-line, onde as palavras t�m tanto a espontaneidade e a imediaticidade da fala social quanto a perman�ncia da escrita.

Como Mark Poster (1995), Allucquere Rosanne Stone (1991), Sherry Turkle (1995) e outros discutem, o "eu" no ciberespa�o � fragmentado e m�ltiplo. A liberdade ciberespacial para obscurecer ou recriar aspectos do "eu" tem sido descrita como capacitadora de maiores explora��o e express�o do "eu". Para todo o potencial positivo de tal recria��o e reinscri��o do "eu", as hist�rias de relacionamentos criados nessas circunst�ncias tamb�m podem conter temas menos not�rios. Em Life on the Screen, Turkle afirma o potencial positivo dessa multiplicidade da personalidade a medida em que registra um n�mero de experi�ncias de usu�rios com comunidades virtuais e personas. Seus perfis de Gordon (p.189) e Mathew (p.90), por exemplo, s�o duas narrativas que ilustram os diferentes modos pelos quais as pessoas usam a flexibilidade da identidade on-line para negociar os desafios do mundo face-a-face. Ambos participam de comunidades virtuais para, ao mesmo tempo, expandir e aperfei�oar seus conceitos de si mesmos, e para adquirir um equil�brio emocional na vida real. Ao passo que estas e outras caracteriza��es no livro relatam uma rela��o bastante positiva com a exist�ncia virtual, Turkle tamb�m reconhece casos como o de Stewart, um jovem que basicamente experimenta efeitos n�o positivos de sua persona on-line e sente que essas experi�ncias "tiraram algumas de suas defesas dando a ele nada em troca" (p.198).

Apesar dessas ressalvas em seu trabalho, quando outros pesquisadores utilizaram os argumentos de Turkle (1995) em suas pr�prias medita��es sobre o ciberespa�o eles mais freq�entemente focaram as declara��es emancipat�rias de euforia quanto � ado��o de "eus" virtuais. Em contraste, neste cap�tulo procuramos explorar temas consensuais mais qualificados a cerca da intera��o ciberespacial e discutir as maneiras como as contranarrativas por n�s propostas - hist�rias de dissolu��o - sugerem que proje��es fragmentadas do "eu" podem se tornar est�veis e invari�veis e impedir uma intera��o social flex�vel. Contrariamente ao foco psicanal�tico de Turkle sobre os afetos e o que afeta o indiv�duo, n�s desejamos focar na, �s vezes negativa, rela��o entre a constru��o do "eu" ciberespacial e a forma��o da comunidade on-line.

As vis�es de fragmenta��o e inflexibilidade no ciberespa�o que este texto examina relacionam-se com uma s�rie de colabora��es no ciberespa�o em que n�s participamos ou observamos. Exploramos os insucessos nas comunidades primeiramente ao examinar um experimento de administra��o on-line, um que, em sua conclus�o, enquadrou assuntos maiores refletidos por outras tentativas, no ciberespa�o, de estabelecer sistemas de justi�a e estruturas de governo. Os debates que surgiram desses experimentos formam uma cr�tica poderosa e interessante das no��es atuais de comunidade virtual. Enquanto essas discuss�es ilustram a inadequa��o das no��es tradicionais de fronteiras individuais e culturais para direcionar as necessidades das comunidades virtuais, n�s buscamos uma perspectiva, que considera o uso da linguagem, para enfatizar a ret�rica natural do espa�o virtual.




Estudos de Casos de Colabora��o e Comunidade

Em 1993 um estudante de p�s-gradua��o come�ou uma comunidade virtual para pesquisadores de m�dia, um MOO apenas para filiados. Em janeiro de 1997, com quase 4 anos de exist�ncia, este MOO tinha 919 membros, 37 pa�ses representados entre os membros, e uma m�dia di�ria de acesso m�xima de 13 usu�rios. A filia��o era por um processo de aplica��o formal e n�o muito preciso. Muitos participantes eram acad�micos; o grupo tamb�m inclu�a programadores, estudantes, artistas, e uma variedade de outros que se identificavam em categoria diferente ("outros"). Por volta de 1 ano de exist�ncia, essa comunidade embarcou num experimento em administra��o virtual; at� aquele ponto ela operou - como muitos ambientes virtuais fazem - sob uma ditadura benigna de seu administrador principal, ou "mago-regente" (The wizards). As ra�zes da decis�o de mudar a estrutura da comunidade foram confundidas e complicadas pelas id�ias e expectativas muito diferentes das partes envolvidas: os administradores, um punhado de membros que inicialmente levantaram a quest�o de modos alternativos de governar a comunidade, o grupo que participou de um encontro inicial para discutir a id�ia, e um n�mero bem maior daqueles que permaneciam desinteressados e � parte nas discuss�es.

� poss�vel sustentar que essa experi�ncia estava condenada desde o in�cio por causa das particularidades com que foi tomada a decis�o de criar o que veio a ser conhecido como "o conselho". Suspeitamos que uma an�lise particular seria importante para conduzir a algo relevante. Essa n�o �, por�m, a hist�ria que vamos contar aqui. Ao inv�s disso, n�s queremos focar na dissolu��o do conselho, e na s�rie de eventos que levaram seus membros at� a frustra��o. Em termos etnogr�ficos, essa hist�ria se concentra, talvez, muito no aspecto participativo da rela��o contida na observa��o participante; um dos autores estava no conselho e outro era um membro do MOO. Esse texto nasceu de aproximadamente 3 anos de tentativa de honrar significativo o que aconteceu durante aqueles meses. Algu�m tamb�m poderia argumentar, partindo do que sabemos sobre metodologia etnogr�fica, que o que segue � uma hist�ria; uma vers�o das muitas poss�veis narrativas que poderiam ser contadas a partir destes eventos.

As particularidades do caso que conduziram a dissolu��o da comunidade. Foi um caso de ass�dio, complicado por evid�ncia e testemunho que abrangiam v�rias comunidades virtuais diferentes, pelas diferentes nacionalidades envolvidas no caso, os acusados, e os membros de conselho, e o envolvimento pessoal de dois membros do mesmo. Os membros do conselho procuraram algumas diretrizes legais, mas n�o podiam confiar em limites institucionais nem nacionais para dispor de par�metro. E mais, porque dois dos seis membros do conselho estavam envolvidos no caso, eles se recusaram a participar, ficando quatro para julgar. Os membros do conselho n�o tinham nenhum precedente, nenhum apoio legal, e nem mesmo um c�digo social aut�ctone para guiar as decis�es. Os conselheiros falaram com as pessoas, leram os registros que lhes foram enviados, re-entrevistaram os participantes e tamb�m estabeleceram uma lista de correio que permitiu aos quatro facilitar as conversas, pesar as evid�ncias, e de modo incerto extraiu algumas decis�es e racionaliza��es para aquelas as mesmas.

O processo foi frustrante para aqueles no centro e nas margens. Mas o que se tornou mais desconcertante: n�o realizou o processo de transforma��o em uma esp�cie de julgamento, que alguns membros do conselho acreditavam ser um valioso uso do tempo. O caso era fascinante, desafiador, e demandava substancialmente o pensamento criativo e o mapeamento de um novo terreno; em geral os conselheiros perceberam-se como engajados em algo importante, algo que valia a pena. As conseq��ncias da decis�o � que foram, por�m, t�o desconfortantes, pois o conselho chegou a uma decis�o que encontrou obje��o de alguns membros da comunidade. Os pontos falhos que faziam parte de discord�ncia n�o s�o de nossa preocupa��o - nossa preocupa��o � o fato de que tais linhas falhas persistiram, apesar de terem sido empenhados grandes esfor�os na sua negocia��o.

A base de nosso texto � uma vis�o dos MOOs (e MUDs em geral) como ambientes de escrita, lugares onde o discurso � todo-poderoso e a negocia��o ling��stica � a �nica arma real. � sob essa luz que n�s lemos o resultado da decis�o do conselho, um tempo em que diferentes vers�es de como o conselho procedeu circularam. Um exemplo de como narrativas contradit�rias persistiram concerne o fato de que dois membros do conselho faziam parte do grupo dos queixosos. Uma das primeiras decis�es que o conselho tomou foi com a recusa em participar de dois de seus membros . O testemunho deles foi subseq�entemente desconsiderado na percep��o de um conflito potencial de interesses e nas maneiras como as rela��es pessoais poderiam afetar o resultado. Se o conselho protegeu-se ou n�o suficientemente da acusa��o de partidarismo n�o � o caso aqui. O crucial � que as tentativas de auto-representa��o do conselho de M. Christine Boyer (1996, p.80) no processo da tomada de decis�o foram anuladas pela condena��o ao que chama de "zonas de sil�ncio". Formid�veis quantidades de texto foram postadas nas listas de correio internas; as acusa��es eram incans�veis. Apesar das numerosas mensagens passada adiante pelos membros do conselho visando a continuidade do processo, nunca foi encontrado um meio-termo. O ressentimento cresceu por todos os lados, e a acrim�nia resultante tornou dif�cil reivindicar qualquer senso de esp�rito comunit�rio ou de objetivos em comum.

No despertar do furor sobre a decis�o do conselho, somos for�ados a perguntar o levou a esse particular fracasso. Poder�amos propor v�rias explica��es poss�veis. Poderia ser que o conselho apenas fez um mau trabalho. Poderia ser o resultado dos membros do MOO serem trazidos de v�rios pa�ses e tendo uma diversidade de experi�ncias e expectativas em rela��o a de governo . Isso poderia estar ligado ao fato MOO do ser freq�entado por pessoas com id�ias fortemente divergentes sobre o que deveria ser o objetivo do MOO. O fracasso tamb�m poderia ser relacionado com um sentido de p�blico versus privado equ�voco dentro da comunidade, uma supress�o do espa�o virtual que o impediu de funcionar claramente para, ao inv�s, seguir uma forma obscura.

De perspectiva de um estudioso da ret�rica, este �ltimo colapso parecia ser uma li��o bastante clara de que as comunidades virtuais n�o s�o o �gora, que elas n�o s�o um lugar de discurso p�blico aberto e livre. � um engano pensar que a Internet � uma institui��o inerentemente democr�tica ou que ela ir� necessariamente levar a liberdades pessoais e entendimento entre as pessoas mais desenvolvidos. Depois de algum tempo, n�o muito cedi, os usu�rios de Internet percebem que, quando on-line, estavam impossibilitados de ver a idade de algu�m ou a placa da porta do escrit�rio, mas come�am a dividir as pessoas em novas categorias com novos status simb�licos e novos idiomas de domina��o e subordina��o social. Os operadores de IRC�s, os moderadores de MUD�s, os mantenedores - e conselheiros virtuais - de listas de FAQ (Frequently Asked Questions), todos entram em cena, criando hierarquias sociais que podem ser t�o restritivas e opressivas quanto algumas da vida real.

Embora n�s sejamos relutantes em aceitar qualquer experimento fracassado como evid�ncia de que as comunidades on-line n�o podem ser um espa�o de um discurso p�blico construtivo, as narrativas do LambdaMOO comprovam pretens�es semelhantes. O artigo "A Rape in Cyberspace" de Julian Dibbell (1993) � talvez a melhor hist�ria conhecida sobre LambdaMOO, e embora sua narrativa seja claramente sobre a cria��o de uma comunidade, uma leitura atenta revela que a cria��o estava baseada na dissolu��o. Em outras palavras, foi a transgress�o e os atentados � justi�a e administra��o resultantes que Dibbell viu como a for�a que uniu membros do LambdaMOO. No decorrer de sua narrativa, Dibbell descreve uma not�vel r�pida fragmenta��o de uma comunidade. Jennifer Mnookin (1996b) e Charles Stivale (1995) escreveram hist�rias semelhantes sobre o LambdaMOO; seus trabalhos contam em detalhe as maneiras como as tentativas das administra��es on-line definitivamente falharam ao julgar desentendimentos sem provocar ressentimento dentro da comunidade. Mnookin presta particular aten��o ao desenvolvimento do "Lambda Law", enquanto Stivale aborda narrativas de constrangimento. Os argumentos deles ilustram a aparente inefabilidade da colabora��o comunit�ria no ciberespa�o, o fracasso para realizar o ciberespa�o como uma esfera p�blica, que evocam escritores como William Mitchell (1995) e Howard Rheingol (1993).

As circunst�ncias que Dibbell relata incitaram, ativaram e fundamentalmente polarizaram os membros da LambdaMOO. Participantes das comunidades dedicaram substancial energia para analisar o evento, entendendo a import�ncia filos�fica e legal do incidente e rea��o das pessoas a ele, e desenvolvendo diretrizes apropriadas para lidar com rompimentos futuros. Com o surgimento disso, a forma de sociedade on-line mudou drasticamente. N�o � nossa tarefa avaliar o sucesso da introdu��o �s ferramentas administrativas do LambdaMOO, mas sugerimos que a necessidade percebida de reformar uma comunidade como um corpo virtual legislado pode ser entendido como uma vers�o do colapso da comunidade - como um ponto contra a vis�o de comunidades virtuais como libertadoras, radicalmente democr�ticas e positivamente transformativas.




Eus M�ltiplos e Fragmentados

A liberdade para obscurecer ou recriar aspectos do eu on-line permite a explora��o e express�o de m�ltiplos aspectos da exist�ncia humana. A pesquisa sobre comunidades virtuais est� recheada de hist�rias de m�scaras de idade e ra�a, sexo e classe; m�scaras para quase todos os aspectos de identidade (e.g., McCrae,1996; Ullman, 1996). Essas s�o hist�rias que nem sempre tem finais felizes. As hist�rias de travestis on-line, que existem em grande quantidade, por exemplo, freq�entemente culminam em relatos de trai��o, e no corpo desse conhecimento acumulado, encontram-se os usu�rios de internet falando sobre o modo como suas no��es de mundo e de si mesmos foram desestabilizadas, perderam seu reconhecimento, levando-os emocional e socialmente ao desequil�brio. Nesse estado de instabilidade, � dif�cil de caracterizar a base de todos os contatos sociais: os participantes sentem que n�o podem confiar em ningu�m, que tudo que faz parte do mundo virtual pode ser mentira e que as pessoas on-line n�o assumem realmente quem s�o.

Advert�ncias em rela��o a tais cen�rios s�o, agora, parte do folclore do ciberespa�o e, em concord�ncia com isso, muitos provedores passaram a alertar os novos usu�rios para o fato de que n�o devem confiar sempre nas apar�ncias virtuais. A separa��o em rela��o � aparente estabilidade do eu existente no "mundo real" repousa no �mago da concep��o do eu on-line como fluido. Isso implica em responsabilidade para as narrativas emancipat�rias e alarmistas, que se alternam como dominantes na imprensa popular. Em uma comunidade virtual baseada em texto, o eu flu�do depende de pr�ticas descont�nuas e resist�ncias discursivas para tentar negociar com e reformar o mundo. Linda Brodkley (1996), considerando a linguagem uma matriz social, caracteriza a resist�ncia discursiva como sendo a din�mica pela qual as pessoas "interrompem a pr�pria no��o de eu unificado - a tradicional no��o cartesiana segundo a qual o eu � uma entidade absoluta e transcendente, mais do que uma cria��o da linguagem e da ideologia presente em textos escritos e falados" (p.90).

Apesar da fluidez do eu ter concentrado a aten��o dos estudiosos, poucos trabalhos examinaram os modos pelos quais o car�ter flu�do do espa�o em ambientes on-lines poderia ser relacionada ao rompimento do eu. Sugerimos que as pr�ticas de ruptura associadas com a identidade fluida relacionam-se com constru��o de espa�o virtual onde o eu fragmentado se dispersa, e que ambas - ruptura e constru��o - tornam dif�cil a evolu��o duradoura tanto das personalidades quanto das comunidades on-line. As experi�ncias on-line com identidade t�m um acentuado car�ter focal e s�o em geral ef�meras. � muito comum os usu�rios terem numerosos personagens. Poderia haver um personagem intelectual em LambdaMOO, uma boneca peluda em Furry Fuck, um Vulcano sard�nico em TrekMUSE - enfim, uma pessoa diferente para todo o tipo de humor a cada dia da semana. Em final das contas, as v�rias inst�ncias m�ltiplas do eu podem permitir ao indiv�duo projet�-las de modo a conquistar uma maior diversidade em rela��o a si mesmo, do que seria de outra forma o caso, mas cada uma delas opera em um plano psicol�gico e social muito limitado.

A fragmenta��o do indiv�duo dificulta a forma��o de uma personalidade on-line flex�vel e el�stica. Os problemas inter pessoais requerem flexibilidade para sua resolu��o. Assumir compromissos, mudar, ter empatia e senso de negocia��o s�o qualifica��es vitais para dar continuidade a uma rela��o que ainda n�o seja segura. Ao mesmo tempo, a negocia��o com a mudan�a tem que permitir continuidade individual. A presen�a virtual freq�entemente pode impedir essa mudan�a ou, quando o permite, � �s custas da continuidade. De algum modo, tamb�m agimos dessa maneira fragmentada no "mundo real". Muitos de n�s exibem personalidades diferentes em circunst�ncias profissionais e pessoais. Todavia, para a maioria de n�s, estas faces sociais fragmentadas s�o integradas em uma sensa��o visceral de se ser um �nico eu. Nesta integra��o, somos ajudados pela dificuldade pr�tica em isolar nossas faces sociais fisicamente. Tudo habita um mesmo espa�o e � identificado como oriundo de uma �nica pessoa pelas demais. Em contraste, a personalidade on-line n�o est� espacialmente integrada e, do ponto de vista do indiv�duo, pode ocorrer a� uma disjun��o psicol�gica muito clara entre a experi�ncia de ser uma determinada pessoa ou outra. Esta disjun��o psicol�gica � tornada poss�vel pela natureza discreta dos espa�os on-line. V�rios espa�os sociais on-line podem superpor-se na mesma identidade real dos participantes, mas personalidades on-line n�o podem ser unificadas prontamente atrav�s pelos outros como sendo origin�rias de um �nico indiv�duo.

Essa falta de integra��o n�o permite muita flexibilidade de negocia��o quando se interage com outra pessoa on-line. O espectro de express�es que uma personalidade pode obter �, em geral, muito menor que o espectro de elementos que ela pode obter no mundo real, da mesma forma que o agregado de personalidades que uma cole��o individual de personalidades pode exceder seu espectro na vida real. No mundo real, � nossa pluralidade - nossos estados de espir�to e opini�es vari�veis - que sustenta a perman�ncia de nossa subsist�ncia ps�quica individual e a cria��o de uma cultura vibrante e vital. As comunidades virtuais freq�entemente encorajam a multiplicidade, mas n�o a flexibilidade com que cada indiv�duo lida se limita socialmente: essa esquizofrenia cultural torna fr�gil e vitima as comunidades on-line ao fazerem frente �s demandas das circunst�ncias. As comunidades virtuais normalmente falham em aproveitar as li��es aprendidas por designers originais dos protocolos t�cnicos subjacentes � Internet. Apesar de Paul Baran perceber que uma rede robusta deve ter conex�es m�ltiplas, muitos mantenedores de comunidades on-line n�o se deram conta da import�ncia de que pode haver m�ltiplos aspectos para as pessoas e conex�es sociais muito diversas entre elas, se � para o grupo sobreviver como coletivo.

Em conseq��ncia disso, a personalidade virtual est�, imediatamente, comprometida com a particularidade do eu que ela projeta, mas � muito irrespons�vel em rela��o � sua continuidade. Reid (1992) cita um usu�rio de IRC (Internet Relay Chat), segundo o qual, se a intera��o on-line se torna muito irritante ou desagrad�vel, � f�cil desconectar-se e retornar � cena com um nome diferente (p.11). Na ocasi�o, era a liberdade implicada nesta tecnologia que lhe parecia uma instigante possibilidade. Queremos agora nos concentrar nas limita��es sociais que isso engendra.

Nessa �tica, considerar a natureza documental da intera��o digital se torna crucial. A fala e a a��o virtuais t�m a espontaneidade e instantaneidade da tradicional conversa social n�o protocolada, mas tamb�m a perman�ncia da escrita. On-line, somos o que escrevemos de maneira mais �ntima e inflex�vel do que o que somos puramente ou do que dir�amos face-a-face com algu�m. Uma caracter�stica prim�ria das guerras de ofensas - essas trocas virulentas que regularmente se desencadeiam em ambientes on-line - � a velocidade com que os indiv�duos se polarizam e se fixam em suas opini�es. A an�lise das palavras muito r�pida que ocorre nas listas de correio eletr�nico faz com que os autores dessas palavras se tornem inexoravelmente ligados � sustenta��o do que disseram. Em geral, � muito f�cil entrincheirar-se numa posi��o on-line que � cada vez mais indefens�vel ou meramente inc�moda de manter; � igualmente f�cil, por�m, abandonar essa posi��o, abandonando a personalidade on-line atrav�s da qual ela foi projetada. Fazendo isso, quem sofre � a continuidade da comunidade. A excessiva fixa��o das palavras acaba preenchendo o vazio formado pela fragmenta��o inexor�vel do eu de uma maneira que dificulta a forma��o de uma comunidade.




Espa�os deslocados e dispersos

A natureza dispersiva dos espa�os virtuais tamb�m p�e em perigo a capacidade muito fr�gil dos eus m�ltiplos e fragment�rios contribu�rem para a continuidade da comunidade. O crescente n�mero de cr�ticas levantado com as comunidades virtuais intimida seu debatido relacionamento com o eu virtual e apesar de que aquele ainda precise ser mais detalhado muitos escritores predicam a exist�ncia de uma liga��o social e culturalmente inst�vel entre os espa�os e eus fragmentados. Segundo Edward Soja (1989), "a espacialidade n�o pode ser totalmente separada dos espa�os f�sicos e psicol�gicos" (p. 120). Trata-se de ponto diretamente relacionado � conex�o que tentamos tra�ar entre o eu m�ltiplo e n�o fixado e a dispersiva geografia do ciberespa�o. A fragmenta��o do eu �, em �ltima inst�ncia, uma dissolu��o da paisagem psicol�gica interior. No entanto, o territ�rio externo desse espa�o tamb�m � deslocado e fragmentado. Devido a essa superposi��o, a teoriza��o mais recente tem se movido no sentido de integrar as discuss�oes sobre o espa�o � teoria social capaz de fornecer as linhas-guia oara pensar a intera��o e a forma��o da comunidade no espa�o virtual em termos de algo envolvido ao mesmo tempo com o desenvolvimento do eu e dos lugares do ciberespa�o. M. Christine Boyer (1996) escreve o seguinte sobre os territ�rios n�o-virtuais, numa cr�tica das estruturas urban�sticas:

"No desencantamento do corpo que assombra nossa era p�s-moderna, se o indiv�duo � inst�vel, desmaterializado e, portanto, algo que come�a a desaparecer, tornam-se amb�guas e obscuras a seu respeito, de modo que a imagem da cidade como um corpo saud�vel ou de funcionamento regular tamb�m come�a a ser implodida. As analogias corporais entre corpo/arquitetura, e entre corpor/cidadea feitas sob a �gide o pensamento p�s-humanista e p�s-estruturalista est�o marcadas por zonas de sil�ncio, aliena��o e vazio." (p.80)

A cr�tica da autora � forma como as estruturas urbanas acomodam um corpo em desaparecimento significantemente se relaciona com o ciberespa�o e �s estruturas virtuais que se mostram incapazes de definir seus limites. Isto �, assim como as comunidades virtuais tendem, de forma semelhante, a deslocar, mas n�o a aniquilar o elemento material, tamb�m as categorias de espa�o e de intera��o com as quais estamos mais familiarizados est�o tendendo a se dissolver. As zonas de sil�ncio que ela nomeia aqui s�o muito evidentes no ciberespa�o, onde h� uma not�vel indiferen�a das pessoas em rela��o a suas palavras, �s outras pessoas, a suas comunidades. O retrato pessimista por ela feito da cidade p�s-moderna se baseia na cren�a de que o espa�o se correlaciona com uma fun��o. Um espa�o disperso permite somente a exist�ncia de sujeitos dispersos: havendo muita dispers�o, o indiv�duo se torna somente um objeto, n�o um agente.

Mark Lajoie (1996) cr�tica as comunidades virtuais, porque elas resultam na elimina��o do espa�o p�blico. Seu argumento se baseia na pressuposi��o de que as intera��es virtuais reduzem os cidad�os ao "estado de entidades atomizadas, mal-equipadas para as pol�ticas coletivas e para a vida p�blica" (p. 154). A cr�tica do autor �, nesse sentido, predominantemente geogr�fica; isto �, a atomiza��o � qual ele se refere � uma dispers�o de tempo e de espa�o, uma separa��o do indiv�duo corporificado em rela��o aos efeitos sensoriais do espa�o f�sico. Acreditamos que sua cr�tica � bem colocada. Os indiv�duos t�m de ser geograficamente localiz�veis para se situarrem firmemente numa rela��o de causa-efeito. Como o turista que pode se comportars destrutivamente sempre que se afasta das coa��es sociais e das responsabilidades do lugar onde ele reside, a pessoa virtual pode perder a responsabilidade social, quando se deslocam seus la�os com o lugar de pertencimento.

Dan Nguyen e Jon Alexander (1996) fazem eco de muitas das preocupa��es de Lajoie. Dan e Alexander, criticando os efeitos pol�ticos do espa�o virtual. Alegam eles que a esfera p�blica que est� sendo criada na Internet � uma "democracia dialogal, desmassificada e n�o representativa" (p.111), que re�ne pouco potencial no sentido da efic�cia pol�tica. Eles reconhecem alguns dos potenciais positivos do meio, incluindo os modos pelos quais as subjetividades mutantes podem levar � quebra de algumas estruturas hegem�nicas. Em conclus�o, contudo, eles v�em a falta de ra�zes geogr�ficas e a descentraliza��o das comunidades virtuais como for�as destruidoras do conceito de pol�tica e, por isso, como sendo essencialmente despolitizadoras. Eles escrevem:

"Os campos em b�rbara prolifera��o do ciberespa�otempo s�o ... profundamente apol�ticos. No ciberespa�otempo, o dom�nio social engolfa e subverte o dom�nio pol�tico. O "social" decomp�e o corpo pol�tico ... Milh�es de pessoas fizeram do flutuar para dentro e para fora das realidades digitais uma parte significativa de suas vidas cotidianas. Porem, essas s�o um retiro global de nossas vidas p�blicas vazias, dos pap�is que uma dia n�s desempenhamos no dom�nio pol�tico da vida real. Essas s�o um retiro das na��es, do nacionalismo e da pr�pria pol�tica. O ciberespa�otempo � um retiro da civiliza��o. Ele coloca milh�es de pessoas no �mbito de uma cultura fantasiosa tribal, num teatro do bizzarro e do absurdo. A cultura da fantasia torna-se universal atrav�s da transforma��o do mundo em uma prolifera��o de ciberpalcos, numa inaut�ntica simula��o virtual do theatrum mundi de Shakespeare." (pp.109, 116-117)

Nguyen e Alexander (1996) baseiam sua cr�tica muito mais na percep��o da intera��o esvaziada de vida real do que nas falhas inerentes �s comunidades virtuais. Possu�mos reservas acerca de seu argumento de que a atividade on-line � inerentemente in�cua e que seu crescimento significa uma redu��o no interesse e na a��o pol�tica "real". � luz do trabalho pol�tico on-line do Electronic Frontier Foundation e da ACLU, entre outros, somos otimistas a respeito do potencial da Internet para atuar como um campo de intera��o pol�tica com efeitos concretos no mundo off-line, ainda que quest�es de acesso continuam a arrefecer os argumentos sobre o pretendido potencial pol�tico da Internet. Entretanto, estamos solid�rios com a percep��o de Nguyen e Alexander com rela��o � natureza flutuante e arrebatadora de muitas das realidades digitais e personagens da vida on-line. Para n�s, a base para seu conceito de "cultura tribalizada" se encontra na atomiza��o geogr�fica, conforme descrita por Lajoie (1996). Tamb�m adicionar�amos a ela nossa pr�pria vis�o da disjun��o psicol�gica como o fator que leva ao niilismo evocado pelos indiv�duos fixados e que se revelam incapazes de negociar as demandas complexas de sua suposta humanidade.

Jennifer Mnookin (1996) acrescenta mais uma dimens�o a esse argumento, quando defende a id�ia de que os indiv�duos necessitam ser localiz�veis em uma paisagem legal para serem vistos como conseq�entes. Lajoie e Mnookin apresentam dois argumentos aparentemente diversos que podem ser redut�veis a um central: o sentimento de lugar e a perman�ncia nele s�o necess�rios para que os indiv�duos sejam conceituados como seres comprometidos com as comunidades que os cercam. Nguyen e Alexander (1996) refinam isso noutro ponto, ao distinguir o virtual como aquilo que surrupia o indiv�duo de seu poder, ao criar espa�os atrav�s dos quais indiv�duos apenas flutuam, aparentemente alheios �s conseq��ncias de suas a��es. Os espa�os virtuais s�o quase sempre apenas isso: locais onde os participantes, aqueles indiv�duos m�ltiplos e fluidos que Turkle (1995) delineia, movem-se pela superf�cie de mundos virtuais, incapazes de se encaixar nas camadas da comunidade e de experimentar a id�ia de a��o e conseq��ncia. Destarte, o que se progride neles � uma esp�cie de conex�o tempor�ria, que n�o sustenta conseq��ncias tang�veis para aqueles que s�o tocados por tais v�nculos ef�meros. Sugerir�amos, todavia, que essa falta de intimidade, enraizada na realidade, �, mais do que sua causa, um resultado psicol�gico da natureza fragmentada dos espa�os on-line.




Unifica��o e fragmenta��o: espa�o e eu

O sentimento perdido de perman�ncia do eu � um componente dessa superficialidade terminal. Apesar disso, a constru��o de comunidades virtuais, particularmente da arquitetura ling��stica dos MUDs, refor�a esse tipo de fen�meno, ao criar espa�os e eus atomizados. A arquitetura dispersa que d� aos indiv�duos mundos separ�veis que n�o buscam conex�o refor�a a sensa��o de que os eus m�ltiplos existem apenas para um tipo de intera��o. A multiplicidade, nesse caso, resiste � fluidez, porque os participantes v�em o poder de criar diferentes eus como uma raz�o para n�o integrar tipos diferentes de a��es e rea��es num �nico. O resultado � uma singulariza��o muito particular do eu virtual e, em �ltima inst�ncia, a convers�o dos usu�rios em seres incapazes de contribuir significantemente para a sa�de e a perman�ncia de uma comunidade virtual.

Quando Lajoie (1996) criticou comunidades virtuais, foi em parte porque, como ele argumentou, tais ambientes sociais negam o plano e o eu f�sicos. Como Mnookin (1996a), ele se ocupa com a import�ncia de um eu corporificado. Argumentar�amos que o foco de Lajoie, de Mnookin e de outros cr�ticos neste ponto � sinal de reconhecimento da import�ncia de caracter�sticas como perman�ncia e fixa��o do eu para empreender interc�mbio social significativo. Contudo, h� um ponto no qual esse argumento hesita de maneira perigosa, chagando perto da reafirma��o de concep��es modernistas do eu e de uma nega��o da viabilidade do eu p�s-moderno e disperso. Nosso argumento, por�m, n�o toma partido por qualquer lado desse grande diferendo; prefere, antes, fazer uma esp�cie de uso estrat�gico de ambos. Num sentido modernista, recorremos aos conceitos de responsabilidade e de persist�ncia da identidade; das li��es do p�s-modernismo aprendemos a import�ncia da presen�a socialmente difundida, particularmente a devida � media��o das tecnologias da comunica��o, e uma ampla expectativa em rela��o �s suas possibilidades de a��o pol�tica. Sugerir�amos que as no��es de identidade unificada e fragmentada n�o necessitam competir, podendo de fato cooperar para produzir um conceito de eu que consista nas inter-rela��es entre diversas personalidades discretas, cada uma contribuindo para um todo que nenhuma domina de maneira permanente.

Talvez possamos nos basear nos trabalhos de Donna Haraway (1991, 1997) e de outras feministas p�s-modernas para explicar como a corporifica��o n�o � sin�nimo de modernismo e como a responsabilidade n�o nega a id�ia do l�dico. Tomemos por exemplo a obra de Alluc�vere Roseanne Stone (1991, 1995). Stone trabalha com uma conceitualiza��o do indiv�duo que � m�ltipla, l�dica e, ainda assim, envolvida em conseq��ncias. Ela toma por base o argumento de Turkle (1995) em Life on the Screen. Concentrando-se nas conseq��ncias positivas em detrimento das negativas, a autora ajusta o foco da discuss�o. Afirmamos de nossa parte que, quando as comunidades virtuais falham em criar espa�os p�blicos vi�veis, devemos procurar explica��o na sua pr�pria presen�a difusa, � qual tantos autores se referem. A arquitetura de ciberespa�os vai de encontro aos limites tradicionais tanto quanto � constru��o de "cibereus". A afilia��o geopol�tica � mascarada quase que da mesma maneira que o g�nero, idade ou ra�a. Isso n�o quer dizer que nenhuma dessas caracter�sticas possa ser completamente liquidada, mas que h� maneiras de concili�-las e que, quanto mais se tenta, mais tais tra�os podem passar a ser enfraquecidos. Apesar disso, a aus�ncia de paredes imperme�veis numa comunidade virtual e a maneira como tais comunidades resistem ao espa�o tradicional e �s constri��es do tempo na comunica��o humana desestabilizam os efeitos das trocas tanto quanto a fluidez da identidade no ciberespa�o.

O lugar sempre tem sido atado � autoridade ret�rica. A desconstru��o do espa�o reconstr�i a nossa compreens�o da ret�rica. As estruturas do ciberespa�o afetam as vidas on-line a partir do �ngulo da �tica da comunica��o. A sobreposi��o de trabalho e brincadeira nesses espa�os tem ramifica��es econ�micas. A reformulakl��o do espa�o dom�stico causado pelas tecnologias da comunica��o tem conseq��ncias significativas na perspectiva da teoria feminista. Mas o arranjo do espa�o nas comunidades virtuais provoca devasta��o na compreens�o tradicional da comunica��o, particularmente no que diz respeito aos conceitos de espa�o privado e p�blico. A ret�rica trata de rela��es, das variadas conex�es entre ethos, logos e pathos. Apenas a rela��o entre esses pontos que mudam: os pontos, em si, se identificam uns em rela��o aos outros. O rompimento dessa rela��o � o fato perturbador nas tentativas de se comunicar com alguma autenticidade no ciberespa�o. A fluidez do espa�o combina-se com a fluidez da identidade, amea�ando a capacidade de falar com algum sentido de familiaridade, os compromisso com os c�digos do mundo tal como o conhecemos e no qual nos movimentamos diariamente no mundo real. Cremos que � nessas experi�ncias de governan�a on-line que podemos ver mais claramente o que est� em jogo nas tentativas de separar o espa�o p�blico da paisagem amorfa do ciberespa�o.

Embora creiamos na id�ia de que as comunidades virtuais podem ter efeitos tang�veis e positivos na vida das pessoas no espa�o real e que os limites entre real e virtual est�o se apagando substancialmente, somos for�ados a defender tamb�m o argumento contr�rio de que as comunidades virtuais podem ser menos efetivas desde outros pontos de vista. Citando os relatos de in�meros trabalhos sobre comunidades on-line (Dibbell (1993), Mnookin (1996a) e Stivali (1995), por exemplo), nosso objetivo � salientar a variedade de falhas na comunica��o. O colapso na capacidade da comunidade em colaborar efetivamente, viu-se, interrompeu suas rotinas di�rias. Quando William Mitchel (1995) levanta a quest�o do car�ter c�vico nas comunidades ciberespaciais, dizendo que "teremos que descobrir como fazer comunidades ciberespaciais trabalharem de maneira justa, igualit�ria e satisfat�ria (p. 160), apresenta um imperativo que ainda precisa ser melhor conhecido. O ciberespa�o pode ser essa " alucina��o consensual" referida por William Gibson, mas para alcan�armos espa�os justos e igualit�rios tamb�m necessitamos que o ciberespa�o seja um lugar capaz de discurso consensual. Verifica-se, por�m, que � o colapso de tais consensos que leva �s hist�rias que lemos sobre LAMBDAMOO. � a recusa em se engajar num discurso consensual que levou aos debates sobre governo no MOO discutido no in�cio deste texto. Carecemos de um discurso consensual no ciberespa�o. O discurso consensual n�o parece ser uma tem�tica do ciberespa�o. Esperamos que nosso texto possa auxiliar no desenvolvimento de tal tem�tica, reavaliando a natureza dos indiv�duos on-line engajados em tal discurso.




Conclus�o

Dentre a variedade de poss�veis explica��es para as falhas que ocorrem nas comunidades on-line, argumentar�amos as principais tais est�o ligadas ao indiv�duo, ao espa�o e o papel do lugar no que diz respeito � ret�rica. Parece claro que os indiv�duos virtuais podem ser estanques de uma s�rie de maneiras. A perda de qualquer no��o de continuidade do indiv�duo amea�a o desenvolvimento comunit�rio, e a natureza deslocada e dispersa do espa�o virtual refor�a a fragmenta��o psicol�gica do indiv�duo on-line. O efeito cumulativo disso silencia e estrangula os habitantes de mundos on-line. O corpo pol�tico no ciberespa�o � t�o fragmentado quanto o indiv�duo. A fluidez das fronteiras nacionais sobrep�e-se � permeabilidade das estruturas virtuais, dando vida a espa�os amorfos que votam o plano f�sico a uma improbabilidade conceitual. Parece que com a perda do nexo tradicional entre lugar e poder, somos deixados com a necessidade de construir uma via alternativa de an�lise das rela��es ret�ricas. A resist�ncia discursiva precisa de um lugar onde agir, seja este lugar um corpo ou um espa�o. A media��o daquele e o apagamento deste nas comunidades virtuais �, por�m, um desafio ainda desconhecido, se pensarmos no modo como se articula a constru��o de tais ciberespa�os via f�runs p�blicos vi�veis.

Dada a fluidez do espa�o numa comunidade virtual, perdemos com eles aqueles marcadores de lugar que conferiam autoridade ret�rica. Parece necess�rio de alguma forma encontrar maneiras de relacionar-se com a bagun�a do espa�o virtual, de forma a fazer convergir os diversos objetivos em rela��o ao espa�o e aos v�rios pap�is que uma comunidade virtual oferecer as indiv�duos. Deixando dissociadas as id�ia de lugar e autoridade ret�rica e de ambiente virtual, limitamos nossos capacidade de usos progressista de tal meio de comunica��o. No entanto, acreditamos que espa�os dispersos e proje��es fragment�rias do indiv�duo continuar�o sendo parte integrante da experi�ncia on-line. Expedientes como postagem an�nima e presen�a pseudon�mica na rede oferecem meios populares, atrav�s dos quais indiv�duos podem explorar aspectos escondidos de si mesmos e que parece improv�vel que venha a desaparecer. A capacidade de projetar uma multiplicidade desconexa de eus nos espa�os virtuais � um dos principais fatores que ocasiona grande parte do interesse na Internet.

No entanto, esses aspectos oportunistas dos ciberindiv�duos criam muitos dos problemas encontrados nas comunidades virtuais. A perman�ncia psicol�gica dos indiv�duos promana da adaptabilidade: relaciona-se com a capacidade de mudar a express�o facial para se ajustar ao momento e de criar novas para encarar as mudan�as nas circunst�ncias, mantendo o tempo todo a coer�ncia e a continuidade entre essas faces m�ltiplas. Nossa pr�pria pluralidade, nossos m�ltiplos humores e opini�es mut�veis, � o que permite a cria��o de uma cultura vibrante e vital. Para n�s, � a singularidade dos personagens on-line que pode ser a grande amea�a �s comunidades virtuais. Nelas tem sido muito f�cil incentivar a multiplicidade, mas n�o a coer�ncia: cada personalidade tem um espectro social limitado e n�o diversificado. Essa esquizofrenia cultural torna a comunidade virtual muito fr�gil e mal equipada para desenvolver-se com as exig�ncias de suas circunst�ncias. O corpo humano n�o consegue sustentar o acentuado crescimento de c�lulas n�o diversificadas: isto � c�ncer. O corpo cultural tamb�m demanda diversidade e adaptabilidade. Possuir uma multiplicidade de facetas � singularmente humano. Mas, se as comunidades virtuais devem ser sustent�veis como comunidades, devem permitir e encorajar uma proje��o hol�stica do indiv�duo na paisagem virtual.

Existem, por certo, sinais de que a natureza das ferramentas da Internet que permitem conex�es sociais est�o mudando para tornar poss�vel o rastreamento das m�ltiplas liga��es existentes as personalidades individuais. Oferecemos como exemplo o servi�o de Dejanews, que permite a qualquer usu�rio da Internet ver um perfil de qualquer correspondente da Usenet e que inclui uma lista de todos os diret�rios de not�cias para o qual aquela pessoa postou, permitindo-lhe acessar os arquivos de cada artigo. Com essa simples ferramenta, o Dejanews p�s um fim no sentimento de anonimato que postar no vasto e desorganizado lixo inform�tico que era gerado naquela rede. Estendendo essa id�ia, Mark Smith, do Centro para Estudos de Comunidades Virutais da UCLA est� desenvolvendo o NetScan, uma ferramenta para an�lise das liga��es sociais e similaridades nas buscas de corpos de dados, originem-se eles da Usenet, da WWW, dos IRC ou dos MUD.

Esperamos que possa se tornar mais comum para as comunidades virtuais encorajar as express�es de multiplicidade tanto quanto de perman�ncia em rela��o a uma mesma presen�a individual. Buscando essa id�ia, tentemos n�o esquecer que, embora o indiv�duo virtual possa ser desencarnado e m�ltiplo, ainda permanece atado a um ponto material: um lugar onde o que importa � o acesso e a largura da faixa de conex�o � uma vari�vel crucial, um local onde essa se estabelece, um local onde as leis a respeito da liberdade de express�o e ass�dio n�o apenas colidem uma com a outra mas, tamb�m, com as palavras fornecidas pelos participantes da comunidade virtual. Embora o espa�o on-line possa ser virtual, a express�o on-line se enra�za numa identidade corporal: � preciso elaborar uma vis�o coerente desse fato para entender como comunidades virtuais podem funcionar, mas tamb�m porque, em geral, n�o funcionam.




Traduzido por Helena Furtado e Josemari de Quevedo. Revisão de Francisco Rüdiger.




* "Dissolution and fragmentation: problems in on-line communities". In Steven Jones (org.): Cybersociety 2.0 Thousando Oaks (CA): Sage, 1998, p. 212-230. Beth Kolko é professora da Universidade do Texas. Elizabeth Reid é consultora organizacional graduada pela Universidade de Melbourne.




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