A Ideologia Californiana

Richard Barbrook e Andy Cameron


"Não mentir sobre o futuro é impossível, e pode-se mentir sobre ele à vontade"

Naum Gabo (1)


Enquanto a represa se rompe...

No fim do século XX, a longamente anunciada convergência da mídia, computação e telecomunicações em hipermídia está finalmente acontecendo (2). Mais uma vez, a implacável caminhada do capitalismo rumo à diversificação e intensificação das forças criativas do trabalho humano está prestes a transformar qualitativamente o modo como trabalhamos, interagimos e a vida de uma maneira geral. Integrando-se diferentes tecnologias por meio de protocolos comuns, está-se criando algo que é mais do que a soma de suas partes. Quando a habilidade de produzir e receber quantidades ilimitadas de informação sob qualquer forma é combinada com o alcance das redes telefônicas globais, as formas existentes de trabalho e lazer podem ser fundamentalmente transformadas. Novas indústrias irão nascer e as atuais favoritas do mercado de ações sumirão do mapa. Em tais momentos de profunda mudança social, qualquer um que possa oferecer uma explicação simples do que está acontecendo será ouvido com grande interesse. Nesta conjuntura decisiva, uma estranha aliança de escritores, hackers, capitalistas e artistas da costa oeste dos EUA teve sucesso em definir uma ortodoxia heterogênea para a era da informação vindoura: a Ideologia Californiana.

Esta nova fé emergiu de uma bizarra fusão da boemia cultural de São Francisco com as indústrias de alta tecnologia do Vale do Silício. Promovida em revistas, livros, programas de televisão, páginas da rede, grupos de notícias e conferências via Internet, a Ideologia Californiana promiscuamente combina o espírito desgarrado dos hippies e o zelo empreendedor dos yuppies. Este amálgama de opostos foi atingido através de uma profunda fé no potencial emancipador das novas tecnologias da informação. Na utopia digital, todos vão ser ligados e também ricos. Não surpreendentemente, esta visão otimista do futuro foi entusiasticamente abraçada por nerds de computador, estudantes desertores, capitalistas inovadores, ativistas sociais, acadêmicos ligados às últimas tendências, burocratas futuristas e políticos oportunistas por todos os EUA. Enquanto o recente relatório de uma Comissão da União Européia recomenda seguir o modelo californiano de "livre-mercado" para construir a "superestrada da informação", artistas de vanguarda e acadêmicos imitam avidamente os filósofos "pós-humanos" do culto Extropiano (A) da costa oeste (3). Sem rivais óbvios, o triunfo da Ideologia Californiana parece completo.

O amplo apelo destes ideológos da costa oeste não é simplesmente resultado de seu otimismo infeccioso. Acima de tudo, eles são defensores apaixonados do que parece uma forma de política impecavelmente libertária - eles querem que as tecnologias da informação sejam usadas para criar uma nova "democracia jeffersoniana", em que todos os indivíduos serão capazes de se expressar livremente dentro do ciberespaço (4). No entanto, ao defender este ideal aparentemente admirável, estes tecno-fomentadores estão ao mesmo tempo reproduzindo algumas das características mais atávicas da sociedade americana, em especial aquelas derivadas da amarga herança da escravatura. Sua visão utópica da Califórnia depende de uma cegueira voluntária frente a outras - e muito menos positivas - características da vida na costa oeste: racismo, pobreza e degradação do meio-ambiente(5). Ironicamente, no passado não muito distante, os intelectuais e artistas da Bay Area estavam apaixonadamente preocupados com estes problemas.

 

Ronald Reagan contra os hippies

Em 15 de maio de 1969, o governador Ronald Reagan ordenou à polícia - portando armas - que fizesse um ataque surpresa matinal aos manifestantes hippies que haviam ocupado People's Park, perto do campus Berkeley da Universidade da Califórnia. Durante a batalha subseqüente, um homem foi baleado e morto e 128 outras pessoas precisaram de tratamento hospitalar (6). Naquele dia, o mundo "careta" e a contracultura pareceram ser implacavelmente opostos. De um lado das barricadas, o governador Reagan e seus seguidores defendiam a iniciativa privada irrestrita e a invasão do Vietnã. Do outro lado, os hippies lutavam por uma revolução social em casa e se opunham à expansão imperialista pelo mundo. No ano do ataque surpresa em People's Park, parecia que a escolha histórica entre estas duas versões opostas do futuro da América só poderia estabelecer-se através do conflito violento. Como Jerry Rubin, um dos líderes hippies, disse na época: "nossa busca por aventura e heroísmo nos leva para fora da América, para uma vida de auto-criação e rebelião. Em resposta, a América está pronta para nos destruir..."(7)

Durante os anos 60, radicais da Bay Area espalharam a aparência política e o estilo cultural dos movimentos da Nova Esquerda mundo afora. Rompendo com a política estreita do pós-guerra, lançaram campanhas contra o militarismo, o racismo, a discriminação sexual, a homofobia, o consumismo inconsciente e contra a poluição. Em lugar da tradicional hierarquia rígida da esquerda, criaram estruturas coletivas e democráticas que supostamente prefiguravam a sociedade libertária do futuro. Acima de tudo, a Nova Esquerda californiana combinou luta política com rebelião cultural. Diferentemente de seus pais, os hippies se recusavam a conformar-se às rígidas convenções sociais impostas ao "homem organização" pelos militares, universidades, corporações e mesmo partidos políticos de esquerda. Ao contrário, eles declaravam abertamente sua rejeição ao mundo careta pelas roupas casuais, promiscuidade sexual, música alta e drogas recreativas(8).

Os hippies radicais eram liberais no sentido social da palavra. Eles defendiam ideais progressistas, universais e racionais, como a democracia, tolerância, auto-satisfação e justiça social. Encorajados por mais de vinte anos de crescimento econômico, eles acreditavam que a história estava a seu lado. Nos romances de ficção científica, eles sonhavam com a "ecotopia": uma Califórnia futurista onde carros haviam desaparecido, a produção industrial era ecologicamente viável, as relações entre os sexos eram igualitárias e o cotidiano era vivido em grupos comunitários(9). Para alguns hippies, esta visão só poderia se realizar pela rejeição do progresso científico como um falso Deus e pelo retorno à natureza. Outros, em contraste, acreditavam que o progresso tecnológico inevitavelmente tornaria seus princípios libertários em fatos sociais. Mais importante, influenciados pelas teorias de Marshall McLuhan, estes tecnófilos pensavam que a convergência da mídia, da computação e das telecomunicações criaria inevitavelmente a ágora eletrônica - um lugar virtual onde todos poderiam expressar sua opinião sem medo de censura(10). Apesar de ser um professor de inglês de meia-idade, McLuhan predicava a mensagem radical de que a força do grande capital e do governo hipertrofiado seria logo derrubada pelos efeitos intrinsecamente reforçadores do indivíduo das novas tecnologias.

"Mídia eletrônica (...) abolir a dimensão espacial (...) Pela eletricidade, nós retornamos às relações cara-a-cara em todos os lugares, na mesma escala das menores aldeias. É uma relação profunda, e sem a delegação de funções ou poderes (...) O diálogo supera a palestra." (11)

Encorajados pelas predições de McLuhan, os radicais da costa oeste se envolveram no desenvolvimento de novas tecnologias da informação para a imprensa alternativa, rádios comunitárias, clubes de computadores caseiros e colecionadores de vídeo. Estes ativistas da mídia comunitária acreditavam estar na linha de frente da luta pela construção de uma nova América. A criação da ágora eletrônica era o primeiro passo no sentido de implementar a democracia direta em todas as instituições sociais(12). A batalha podia ser dura, mas a "ecotopia" estava quase palpável.

 

O Surgimento da "Classe Virtual"

Quem poderia prever que, menos de 30 anos depois da batalha de People's Park, caretas e hippies criariam juntos a Ideologia Californiana? Quem pensaria que uma mistura tão contraditória de determinismo tecnológico e individualismo libertário se tornaria a ortodoxia híbrida da era da informação? E quem suspeitaria que enquanto a tecnologia e a liberdade eram adoradas mais e mais, ficaria menos e menos possível dizer qualquer coisa sensata a respeito da sociedade em que eram aplicadas?

A Ideologia Californiana retira sua popularidade da própria ambigüidade de seus preceitos. Nas últimas décadas, o trabalho desbravador dos ativistas da mídia comunitária foi grandemente recuperado pelas indústrias de alta tecnologia e mídia. Apesar de as companhias deste setor poderem mecanizar e subcontratar muito de suas necessidades de mão-de-obra, elas continuam dependentes de pessoas chave que possam pesquisar e criar produtos originais, de softwares e chips de computador a livros e programas de televisão. Junto com alguns empreendedores de alta tecnologia, estes trabalhadores especializados formam a assim chamada "classe virtual": "... a tecno-intelligentsia dos cientistas da cognição, engenheiros, cientistas da computação, criadores de jogos eletrônicos e todos os outros especialistas em comunicação..."(13). Incapazes de submetê-los à disciplina da linha de produção, ou substituí-los por máquinas, os gerentes organizaram estes trabalhadores intelectuais através de contratos temporários. Como a "aristocracia trabalhista" do último século, o pessoal de alto escalão na mídia, computação e indústrias de telecomunicações experimenta as recompensas e inseguranças do mercado. Por um lado, estes artesãos hi-tech não apenas tendem a ser bem pagos, mas também possuem considerável autonomia sobre seu ritmo de trabalho e local de emprego. Como resultado, a fronteira cultural entre o hippie e o "homem organização" tornou-se bastante vaga. Porém, por outro lado, estes trabalhadores estão presos pelos termos de seus contratos e não têm garantia de emprego continuado. Sem o tempo livre dos hippies, o trabalho em si tornou-se o principal caminho de auto-satisfação para boa parte da "classe virtual"(14).

A Ideologia Californiana oferece uma maneira de se entender a realidade vivida por estes artesãos da alta tecnologia. Por um lado, estes trabalhadores essenciais são parte privilegiada da mão-de-obra. Por outro, são herdeiros das idéias radicais dos ativistas da mídia comunitária. A Ideologia Californiana, assim, simultaneamente reflete as disciplinas da economia de mercado e as liberdades do artesanato hippie. Esse híbrido bizarro só é possível através de uma crença quase universal no determinismo tecnológico. Já desde os anos 60, os liberais - no sentido social da palavra - esperavam que as novas tecnologias da informação fossem realizar seus ideais. Respondendo ao desafio da Nova Esquerda, a Nova Direita ressuscitou uma forma antiga de liberalismo: liberalismo econômico(15). Em lugar da liberdade coletiva visada pelos radicais hippies, eles defendiam a liberdade dos indivíduos no mercado. Mesmo estes conservadores não conseguiam resistir ao fascínio das novas tecnologias da informação. Nos anos 60, as predições de McLuhan eram reinterpretadas como publicidade das novas formas de mídia, computação e telecomunicações sendo desenvolvidas pelo setor privado. Dos anos 70 em diante, Toffler, De Sola Pool e outros gurus tentaram provar que o advento da hipermídia paradoxalmente envolveria um retorno ao liberalismo do passado (16). Esta retro-utopia ecoou as predições de Asimov, Heinlein e outros escritores de ficção científica chauvinistas, cujos mundos futuros sempre eram cheios de mercadores espaciais, vendedores vaselina, cientistas geniais, capitães piratas e outros individualistas rudes(17). O caminho do progresso tecnológico não levava sempre à "ecotopia" - ele poderia, ao contrário, levar de volta à América dos Pais Fundadores.

 

Ágora Eletrônica ou Mercado Eletrônico?

A ambigüidade da Ideologia Californiana é mais pronunciada em suas visões contraditórias do futuro digital. O desenvolvimento da hipermídia é um componente chave do próximo estágio do capitalismo. Como Zuboff demonstra, a introdução das tecnologias de mídia, computação e telecomunicações nas fábricas e nos escritórios é a culminação de um longo processo de separação da mão-de-obra do envolvimento direto na produção (18). Nem que seja por razões competitivas, todas as grandes economias industriais serão forçadas, mais cedo ou mais tarde, a conectar suas populações para obter os ganhos de produtividade do trabalho digital. O que é desconhecido é o impacto social e cultural de permitir às pessoas trocar quantidades quase ilimitadas de informação em uma escala global. Acima de tudo, o advento da hipermídia vai realizar as utopias da Nova Esquerda ou da Nova Direita? Como uma fé híbrida, a Ideologia Californiana alegremente responde a esta charada acreditando nas duas visões ao mesmo tempo - e não criticando nenhuma delas.

Por um lado, a pureza anticorporativa da Nova Esquerda foi preservada pelos defensores da "comunidade virtual". De acordo com seu guru, Howard Rheingold, os valores dos baby-boomers da contracultura estão moldando o desenvolvimento das novas tecnologias. Como conseqüência, os ativistas comunitários serão capazes de usar a hipermídia para substituir o capitalismo corporativo e o governo hipertrofiado por uma economia de dádivas hi-tech. Os sistemas de grupos de notícias, conferências em tempo real via Rede e espaços de bate-papo já se baseiam no intercâmbio voluntário de informação e conhecimento entre seus participantes. Na visão de Rheingold, os membros da "classe virtual" ainda estão na primeira linha da luta pela libertação social. Apesar do arrebatado envolvimento político e comercial na construção da "superestrada da informação", a ágora eletrônica vai inevitavelmente triunfar sobre seus inimigos corporativos e burocráticos(19).

Por outro lado, outros ideólogos da costa oeste abraçaram a ideologia laissez-faire de seu ex-inimigo conservador. Por exemplo, a revista Wired - a bíblia mensal da "classe virtual" - reproduziu acriticamente os pontos de vista de Newt Gingrich, o líder republicano de extrema-direita da Câmara dos Deputados, e dos Tofflers, que são seus conselheiros íntimos(20). Ignorando suas políticas de cortes nos gastos sociais, a revista fica hipnotizada pelo seu entusiasmo quanto às possibilidades libertárias oferecidas pelas novas tecnologias da informação. No entanto, apesar de eles emprestarem o determinismo tecnológico de McLuhan, Gingrich e os Tofflers não são defensores da ágora eletrônica. Ao contrário, eles afirmam que a convergência da mídia, computação e telecomunicações vai produzir um mercado eletrônico: "no ciberespaço (...), mercado após mercado está sendo transformado pelo progresso tecnológico de um 'monopólio natural' para um em que a competição é a regra"(21).

Nesta versão da Ideologia Californiana, é prometida a cada membro da "classe virtual" a oportunidade de se tornar um empreendedor hi-tech de sucesso. As tecnologias da informação, continua o argumento, dão poder ao indivíduo, aumentam a liberdade pessoal e radicalmente reduzem a força do estado-nação. As estruturas de poder social, político e legal existentes irão murchar, para serem substituídas por interações irrestritas entre indivíduos autônomos e seus softwares. Estes McLuhaníacos reestilizados argumentam vigorosamente que o governo deveria sair da frente de empreendedores engenhosos, as únicas pessoas ligadas e corajosas o suficiente para aceitar riscos. Em vez de regulamentos contraproducentes, engenheiros visionários estão inventando as ferramentas necessárias para a criação de um "livre mercado" no ciberespaço, tais como codificação, dinheiro digital e procedimentos de verificação. Com certeza, tentativas de interferir junto às propriedades emergentes destas forças tecnológicas e econômicas, particularmente pelo governo, mal repercutem nos que são tolos o suficiente para desafiar as leis primitivas da natureza. De acordo com o editor executivo da Wired, a "mão invisível" do mercado e as forças cegas da evolução darwinista são na verdade uma e a mesma coisa(22). Como nos romances de ficção científica de Heinlein e Asimov, o caminho rumo ao futuro parece levar de volta ao passado. A era da informação do século XXI será a realização dos ideais liberais oitocentistas de Thomas Jefferson: "...a (...) criação (...) de uma nova civilização, fundamentada nas verdades eternas do Ideal Americano"(23).

 

O Mito do "Livre Mercado"

Seguindo-se à vitória do partido de Gingrich nas eleições legislativas de 1994, esta versão direitista da Ideologia Californiana está agora em ascendência. Porém, os dogmas sagrados do liberalismo econômico são contraditos pela verdadeira história da hipermídia. Por exemplo, as tecnologias icônicas do computador e da Rede só puderam ser inventadas com a ajuda de subsídios massivos do estado e o envolvimento entusiástico de amadores. A iniciativa privada desempenhou um papel importante, mas apenas como parte de uma economia mista.

O primeiro computador - o Dispositivo Diferencial - foi projetado e construído por companhias privadas, mas seu desenvolvimento só se tornou possível graças a uma doação de £17470 do governo britânico, o que era uma pequena fortuna em 1834(24). De Colossus a EDVAC, das simulações de vôo à realidade virtual, o desenvolvimento da computação dependeu em momentos chave de esmolas para a pesquisa pública ou de contratos gordos com agências públicas. A corporação IBM só construiu o primeiro computador programável digital depois de receber um pedido para fazê-lo do Departamento de Defesa dos EUA, durante a Guerra da Coréia. Desde então, o desenvolvimento de gerações sucessivas de computadores foi direta ou indiretamente subsidiado pelo orçamento de defesa americano (25). Assim como uma ajuda do estado, a evolução da computação também dependeu do envolvimento da cultura faça-você-mesmo. Aliás, o computador pessoal foi inventado por técnicos amadores que queriam construir suas próprias máquinas baratas. A existência de uma "economia de dádivas" entre os amadores era uma precondição necessária para o subseqüente sucesso dos produtos feitos pela Apple e Microsoft. Além do mais, programas de distribuição gratuita continuam a desempenhar um papel vital no avanço do design de softwares.

A história da Internet também contradiz os dogmas dos ideológos do "livre mercado". Nos primeiros vinte anos de sua existência, o desenvolvimento da Rede foi quase por completo dependente do tão injuriado governo federal americano. Seja via militares americanos ou através das universidades, grandes somas de dólares dos contribuintes foram usados na construção da infraestrutura da Rede e para subsidiar os custos pelo uso dos serviços. Ao mesmo tempo, muitos dos principais programas e aplicativos da Rede foram inventados por amadores ou por profissionais trabalhando em seu tempo livre. Aliás, o programa MUD(B) que permite conferências via Rede em tempo real foi inventado por um grupo de estudantes que queriam jogar RPGs por uma rede de computadores(26).

Uma das coisas mais esquisitas a respeito da corrente de direita da Ideologia Californiana é que a costa oeste mesma é uma criação da economia mista. Dólares governamentais foram usados para construir sistemas de irrigação, rodovias, escolas, universidades e outros projetos de infraestrutura que fazem a boa vida possível na Califórnia. No topo destes subsídios públicos, a indústria de alta tecnologia da costa oeste vem se refestelando no maior barril de banha da história por décadas. O governo dos EUA derramou milhões de dólares de impostos na compra de aviões, mísseis, equipamentos eletrônicos e bombas nucleares de companhias californianas. Para aqueles que não estavam cegos pelos dogmas do "livre mercado", era óbvio que os americanos sempre tiveram planejamento estatal: eles apenas o chamam de orçamento de defesa(27). Ao mesmo tempo, elementos chave do estilo de vida da costa oeste vêm de sua longa tradição de boemia cultural. Apesar de eles terem sido posteriormente comercializados, a mídia comunitária, a "nova era", a espiritualidade, o surfe, a comida saudável, as drogas recreativas, música pop e muitas outras formas de heterodoxia cultural emergiram da cena decididamente não-comercial estabelecida em volta dos campi universitários, comunidades de artistas e comunas rurais. Sem a sua cultura faça-você-mesmo, os mitos da Califórnia não teriam a ressonância global que têm hoje(28).

Todo este financiamento público e envolvimento da comunidade tiveram um efeito enormemente benéfico - apesar de irreconhecido e invalidado - no desenvolvimento do Vale do Silício e de outras indústrias de alta tecnologia. Empreendedores capitalistas freqüentemente têm um senso inchado de sua própria capacidade de desenvolver novas idéias e dão pouco reconhecimento às contribuições feitas pelo estado, à sua própria mão-de-obra ou à comunidade em geral. Todo o progresso tecnológico é cumulativo - depende dos resultados de um processo histórico coletivo e deve ser encarado, ao menos em parte, como uma conquista coletiva. Então, como em todos os outros países industrializados, os empreendedores americanos inevitavelmente apoiaram-se na intervenção estatal e nas iniciativas faça-você-mesmo para nutrir e desenvolver suas indústrias. Quando companhias japonesas ameaçaram controlar o mercado americano de microchips, os libertários capitalistas da computação da Califórnia não tiveram escrúpulos ideológicos quanto a juntar-se a um cartel custeado pelo estado, organizado para combater os invasores do leste. Até que os programas da Rede que permitiam à comunidade a participação no ciberespaço pudessem ser incluídos, Bill Gates acreditou que a Microsoft não tinha outra opção, senão atrasar o lançamento do Windows 95(29). Como em outros setores da economia moderna, a questão com que a indústria emergente da hipermídia se depara não é se ela vai ser ou não organizada como uma economia mista, mas que tipo de economia mista será.

 

Liberdade é Escravidão

Se seus preceitos sagrados são refutadas pela história profana, por que os mitos do "livre mercado" influenciaram tanto os proponentes da Ideologia Californiana? Vivendo em uma cultura contratual, os artesãos hi-tech levam uma existência esquizofrênica. Por um lado, eles não podem desafiar a primazia do mercado sobre suas vidas. Por outro, eles se ressentem das tentativas, por parte daqueles investidos de autoridade, de molestar sua autonomia individual. Misturando a Nova Esquerda e a Nova Direita, a Ideologia Californiana fornece uma resolução mística das atitudes contraditórias sustentadas pelos membros da "classe virtual". Mais decisivamente, o anti-estatismo fornece os meios para reconciliar idéias radicais e reacionárias sobre o progresso tecnológico. Enquanto a Nova Esquerda condena o governo por financiar o complexo industrial-militar, a Nova Direita ataca o estado por interferir na disseminação espontânea das novas tecnologias através da competição mercadológica. Apesar do papel central desempenhado pela intervenção pública no desenvolvimento da hipermídia, os ideólogos californianos predicam um sermão anti-estatista de libertarianismo hi-tech: uma gororoba bizarra de anarquismo hippie e liberalismo econômico engrossada com montes de determinismo tecnológico. Em vez de compreender o capitalismo realmente existente, os gurus da Nova Esquerda e da Nova Direita preferem muito mais defender versões rivais de uma "democracia jeffersoniana" digital. Por sinal, Howard Rheingold, da Nova Esquerda, acredita que a ágora eletrônica vai permitir aos indivíduos exercitarem o tipo de liberdade midiática defendido pelos Pais Fundadores. Similarmente, a Nova Direita afirma que a remoção de todos os freios regulatórios da iniciativa privada vai criar uma liberdade midiática à altura de uma "democracia jeffersoniana" (30).

O triunfo deste retro-futurismo é o resultado de uma falha na renovação dos EUA durante o final dos anos 60 e início dos 70. Seguindo-se ao confronto em People's Park, a luta entre o establishment e a contracultura norte-americana entrou em uma espiral de confrontação violenta. Enquanto os vietnamitas - ao custo de um enorme sofrimento humano - foram capazes de expelir os invasores americanos de seu país, os hippies e seus aliados no movimento de direitos civis dos negros acabaram sendo esmagados por uma combinação de repressão estatal e cooptação cultural.

A Ideologia Californiana sintetiza perfeitamente as conseqüências desta derrota para os membros da "classe virtual". Apesar de eles desfrutarem das liberdades culturais conquistadas pelos hippies, a maior parte deles não está mais diretamente envolvida na luta para contruir a "ecotopia". Em vez de rebelar-se abertamente contra o sistema, estes artesãos hi-tech agora aceitam que a liberdade individual somente pode ser atingida trabalhando-se dentro das restrições do progresso tecnológico e do "livre mercado". Em muitos romances ciberpunks, este libertarianismo associal está personificado na figura central do hacker, que é um indivíduo solitário lutando pela sobrevivência dentro do mundo virtual da informação(31).

A corrente mais à direita dos ideólogos californianos é a que sai ganhando com esta aceitação acrítica do ideal liberal do indivíduo autosuficiente. No folclore americano, a nação foi construída em cima da selvageria, por indivíduos errantes - os caçadores, cowboys, pastores e colonos da fronteira. A revolução americana mesma foi levada a cabo para proteger as liberdades e propriedades de indivíduos contra leis opressivas e impostos injustos cobrados por um monarca estrangeiro. Para a Nova Esquerda e a Nova Direita, os primeiros anos da república americana fornecem um modelo potente para suas versões rivais da liberdade individual. Porém, existe uma contradição profunda no centro deste sonho primordial americano: neste período, os indivíduos só prosperavam através do sofrimento de outros. Nada esclarece melhor isto do que a vida de Thomas Jefferson - o ícone principal da Ideologia Californiana.

Thomas Jefferson foi o homem que escreveu o inspirador chamado para a democracia e a liberdade na Declaração de Independência americana e - ao mesmo tempo - tinha como escravos cerca de 200 seres humanos. Como político, ele defendeu o direito de fazendeiros e artesãos americanos determinarem seus próprios destinos sem se sujeitarem às restrições da Europa feudal. Como outros liberais do período, ele pensava que as liberdades políticas somente poderiam ser protegidas de governos autoritários pela posse universal da propriedade individual privada. Os direitos dos cidadãos eram derivados deste direito natural fundamental. No sentido de encorajar a autosuficiência, ele propôs que cada americano deveria receber ao menos 50 acres de terra para garantir sua independência econômica. Porém, enquanto idealizava os pequenos fazendeiros e homens de negócios da fronteira, Jefferson era na verdade um latifundiário da Virgínia vivendo do trabalho de seus escravos. Apesar de a "peculiar instituição" sulista incomodar sua consciência, ele ainda acreditava que os direitos naturais do homem incluíam o direito de possuir seres humanos como propriedade privada. Na democracia jeffersoniana, a liberdade dos brancos se assentava sobre a escravidão dos negros (32).

 

Em Frente rumo ao Passado

Mesmo com a emancipação dos escravos e as vitórias do movimento de direitos civis, a segregação racial ainda está presente no centro da política americana - especialmente na costa oeste. Nas eleições de 1994 para o governo da Califórnia, Pete Wilson, o candidato republicano, venceu por meio de uma perversa campanha anti-imigrantes. Nacionalmente, o triunfo do Partido Republicano de Gingrich nas eleições legislativas se baseou na mobilização dos "homens brancos revoltados" contra uma suposta ameaça dos negros achacadores do sistema de bem-estar social, imigrantes mexicanos e outras minorias salientes. Estes políticos ceifaram os benefícios eleitorais da polarização crescente entre a abundante suburbanidade branca - que na maior parte vota - e os habitantes mais pobres das zonas centrais, em geral não-brancos - que em sua maioria não votam(33). Apesar de eles guardarem alguns dos ideais hippies, muitos ideólogos californianos descobriram ser impossível tomar um posição clara contra a política divisiva dos republicanos. Isto porque as indústrias de mídia e alta tecnologia são um elemento chave da coalizão eleitoral da Nova Direita. Em parte, tanto os capitalistas quanto os seus trabalhadores bem pagos temem que o conhecimento aberto do financiamento público de suas companhias justificaria aumentos de impostos, para custear gastos desesperadamente necessários em saúde, proteção ambiental, habitação, transporte público e educação. Mais importante, muitos membros da "classe virtual" querem ser seduzidos pela retórica libertária e entusiasmo tecnológico da Nova Direita. Trabalhando para companhias de mídia e alta tecnologia, eles gostariam de acreditar que o mercado eletrônico pode de alguma maneira resolver os complicados problemas sociais e econômicos americanos sem nenhum sacrifício de sua parte. Em meio às contradições da Ideologia Californiana, Gingrich é - como um colaborador da Wired colocou - ao mesmo tempo seu "amigo e inimigo" (34).

Nos EUA, uma grande distribuição da riqueza é urgentemente necessária para o bem-estar econômico de longo prazo da maioria da população. Entretanto, isto vai contra os interesses de curto prazo dos brancos ricos, incluindo muitos membros da "classe virtual". Em vez de compartilharem com seus vizinhos pobres negros ou hispânicos, os yuppies se retiram para seus afluentes subúrbios, protegidos por guardas armados e seguros com seus serviços privados de previdência social (35). Os desvalidos só participam da era da informação fornecendo mão-de-obra barata e não sindicalizada para as insalubres fábricas das manufaturas de chips do Vale do Silício(36). Mesmo a construção do ciberespaço pode tornar um fator essencial da fragmentação da sociedade americana em classes antagonistas racialmente determinadas. Já isolados por companhias telefônicas sedentas de lucro, os habitantes das áreas urbanas centrais pobres são agora ameaçados de exclusão dos novos serviços on-line pela falta de dinheiro(37). Em contraste, membros da "classe virtual" e outros profissionais podem brincar de ser ciberpunks dentro da hiperrealidade sem ter de encontrar algum de seus vizinhos empobrecidos. Em paralelo às sempre maiores divisões sociais, outro apartheid está sendo criado entre os "ricos de informação" e os "pobres de informação". Nesta democracia jeffersoniana de alta tecnologia, a relação entre senhores e escravos resiste sob uma nova forma.

 

Mestres Ciborgues e Escravos Robôs

O medo da "subclasse" rebelde agora corrompeu o mais fundamental dogma da Ideologia Californiana: sua crença no potencial emancipador das novas tecnologias. Enquanto os proponentes da ágora eletrônica e do mercado eletrônico prometem libertar os indivíduos das hierarquias do estado e monopólios privados, a polarização social da sociedade americana está trazendo para diante uma visão mais opressiva do futuro digital. As tecnologias da liberdade estão se tornando os instrumentos da dominação.

Em sua propriedade em Monticello, Jefferson inventou muitas bugigangas espertas para sua casa, como uma bandeja mecânica para levar a comida da cozinha até a sala de jantar. Mediando o contato com seus escravos através da tecnologia, este individualista revolucionário poupou a si mesmo de encarar a realidade de sua dependência do trabalho forçado de seus companheiros humanos(38). No final do século XX, a tecnologia está sendo mais uma vez utilizada para reforçar a diferença entre os senhores e os escravos.

De acordo com alguns visionários, a busca pela perfeição da mente, corpo e espírito vai inevitavelmente levar ao surgimento do "pós-humano": uma manifestação biotecnológica dos privilégios sociais da "classe virtual". Enquanto os hippies enxergavam o auto-desenvolvimento como parte da libertação social, os artesãos hi-tech da Califórnia contemporânea são mais propensos a procurar auto-satisfação através da terapia, da espiritualidade, dos exercícios ou outras perseguições narcisistas. Seu desejo de escapar para dentro do subúrbio gradeado do hiperreal é apenas um aspecto desta profunda auto-obsessão(39). Estimulado por supostos avanços em "Inteligência Artificial" e ciência médica, o culto Extropiano fantasia abandonar em conjunto o "wetware"(C) do estado humano para se tornarem máquinas vivas(40). Igual a Virek e os Tessier-Ashpools, na literatura sprawl(D) de Gibson, eles acreditam que o privilégio social vai mais cedo ou mais tarde dotá-los de imortalidade(41). Em vez de predizer a emancipação da humanidade, esta forma de determinismo tecnológico pode somente conjeturar um aprofundamento da segregação social.

Apesar destas fantasias, os brancos da Califórnia continuam dependentes de seus colegas humanos de pele mais escura para trabalhar em suas fábricas, colher seus cereais, cuidar de suas crianças e cultivar seus jardins. Após os tumultos de Los Angeles, eles cada vez mais temem que esta "subclasse" vá um dia exigir sua libertação. Se escravos humanos não são totalmente confiáveis, então escravos mecânicos terão de ser inventados. A busca pelo Santo Graal da "Inteligência Artificial" revela este desejo pelo Golem - um forte e leal escravo cuja pele tem a cor da terra e cujas entranhas são feitas de areia. Como nas histórias de robôs de Asimov, os tecno-utópicos imaginam ser possível obter mão-de-obra como a escrava por meio de máquinas inanimadas(42). Porém, apesar de a tecnologia poder armazenar ou amplificar o trabalho, ela não pode nunca remover a necessidade de os humanos inventarem, construírem e manterem estas máquinas em primeiro lugar. Trabalho escravo não pode ser obtido sem escravizar alguém.

Por todo o mundo, a Ideologia Californiana foi aceita como uma forma otimista e emancipadora de determinismo tecnológico. Porém, esta fantasia utópica da costa oeste depende de sua cegueira frente à - e dependência de - polarização social e racial da sociedade em que nasceu. Apesar de sua retórica radical, a Ideologia Californiana é totalmente pessimista a respeito de mudanças sociais fundamentais. Diferentemente dos hippies, estes defensores não estão lutando para criar a "ecotopia", ou nem mesmo para ajudar a ressuscitar o New Deal. Em vez disso, o liberalismo social da Nova Esquerda e o liberalismo econômico da Nova Direita convergiram no sonho ambíguo de uma "democracia jeffersoniana". Interpretado generosamente, este retro-futurismo poderia ser a visão de uma fronteira cibernética em que artesãos hi-tech descobrem sua satisfação individual ou na ágora eletrônica, ou no mercado eletrônico. Entretanto, como o Zeitgeist da "classe virtual", a Ideologia Californiana é ao mesmo tempo uma fé exclusiva. Se apenas algumas pessoas podem ter acesso às novas tecnologias da informação, a "democracia jeffersoniana" pode se tornar uma versão de alta tecnologia da economia de latifúndios do Velho Sul. Refletindo esta profunda ambigüidade, o determinismo tecnológico da Ideologia Californiana não é simplesmente otimista e emancipador. É simultaneamente um visão profundamente pessimista e repressiva do futuro.

 

Existem Alternativas

Apesar de suas profundas contradições, pessoas por todo o mundo acreditam que a Ideologia Californiana expressa o único caminho adiante para o futuro. Com a cada vez maior globalização da economia mundial, muitos membros da "classe virtual" na Europa e Ásia sentem mais afinidade com seus pares californianos do que com outros trabalhadores de seu próprio país. Mas, na verdade, o debate nunca foi tão possível ou necessário. A Ideologia Californiana foi desenvolvida por um grupo de pessoas vivendo em um país específico, com uma mistura particular de escolhas sócio-econômicas e tecnológicas. Seu coquetel contraditório e eclético de economia conservadora e radicalismo hippie reflete a história da costa oeste - e não o futuro inevitável do resto do mundo. Por sinal, as assunções anti-estatistas dos ideólogos californianos são bem paroquiais. Em Cingapura, o governo não apenas está organizando a construção de uma rede de fibra ótica, mas também está tentando controlar a adequação ideológica da informação distribuída pela mesma. Pelas taxas de crescimento muito maiores dos "tigres" asiáticos, o futuro digital não vai necessariamente chegar primeiro na Califórnia(43).

Mesmo com as recomendações neoliberais do Relatório Bangemann, a maior parte das autoridades européias estão determinadas a se envolver intimamente no desenvolvimento das novas tecnologias da informação. A Minitel - primeira rede on-line de sucesso no mundo - foi uma criação deliberada do estado francês. Em resposta a um relatório oficial sobre o impacto potencial da hipermídia, o governo resolveu destinar recursos ao desenvolvimento de tecnologias de ponta. Em 1981, a France Telecom lançou o sistema Minitel, que ofereceu uma mistura de informação baseada em texto e utilitários de comunicação. Como um monopólio, esta companhia estatal de telefone foi capaz de criar uma massa crítica de usuários para seu sistema on-line pioneiro, distribuindo terminais grátis para qualquer um que quisesse esquecer as listas telefônicas em papel. Uma vez que o mercado foi criado, fornecedores comerciais e comunitários puderam encontrar consumidores ou participantes suficientes para prosperar com o sistema. Desde então, milhões de franceses de todos os estratos alegremente reservaram ingressos, bateram papo uns com os outros e organizaram-se politicamente on-line sem perceber que estavam quebrando os preceitos libertários da Ideologia Californiana (44).

Longe de demonizar o estado, a grande maioria da população francesa acredita que mais intervenção pública é necessária para uma sociedade eficiente e saudável(45). Nas recentes eleições presidenciais, quase todo candidato teve de defender - ao menos retoricamente - maior intervenção do estado para terminar com a exclusão social dos desempregados e sem-teto. Ao contrário do equivalente americano, a revolução francesa passou ao largo do liberalismo econômico, rumo à democracia popular. Após a vitória dos Jacobinos sobre seus oponentes liberais em 1792, a república democrática da França tornou-se a materialização da "vontade da maioria". Sendo assim, acreditava-se que o estado deveria defender os interesses de todos os cidadãos, em vez de proteger apenas os direitos dos proprietários individuais. O discurso da política francesa permite à ação coletiva do estado mitigar - ou mesmo remover - os problemas encontrados pela sociedade. Enquanto os ideólogos californianos tentam ignorar os dólares de contribuintes subsidiando o desenvolvimento da hipermídia, o governo francês pode intervir abertamente neste setor da economia (46).

Mesmo que sua tecnologia esteja defasada, a história da Minitel claramente refuta os preconceitos anti-estatistas dos ideólogos californianos - e do comitê Bangemann. O futuro digital será um híbrido de intervenção estatal, empreendedorismo capitalista e cultura faça-você-mesmo. Decisivamente, se o estado puder fomentar o desenvolvimento da hipermídia, ações conscientes poderiam também ser tomadas para evitar o surgimento do apartheid social entre os "ricos de informação" e os "pobres de informação". Não deixando tudo aos caprichos das forças mercadológicas, a União Européia e seus estados membros podem assegurar que todo cidadão tenha a oportunidade de estar conectado à banda-larga de uma rede de fibra ótica ao menor preço possível.

Em primeira instância, este seria um plano muito necessário de criação de empregos para trabalhadores semi-capacitados em um período de desemprego em massa. Como medida keynesiana de emprego, nada bate cavar buracos na estrada e depois enchê-los de novo(47). Ainda mais importante, a construção de uma rede de fibra ótica em lares e escritórios poderiam dar a todos acesso a novos serviços on-line e criar uma grande e vibrante comunidade de troca de conhecimentos. Os ganhos a longo prazo para a economia e para a sociedade com a construção da "Infobahn" seriam imensuráveis. Permitiria à indústria trabalhar mais eficientemente e comercializar novos produtos. Asseguraria que os serviços de educação e informação estivessem disponíveis a todos. Sem dúvida a "Infobahn" vai criar um mercado de massas para que as empresas privadas possam vender os produtos de informação existentes - filmes, programas de televisão, música e livros - pela Rede. Ao mesmo tempo, uma vez que as pessoas possam tanto distribuir quanto receber hipermídia, uma mídia comunitária florescente e grupos de interesse surgirão rápido. Para que tudo isto aconteça, intervenção coletiva será necessária para assegurar que todos os cidadãos estejam incluídos no futuro digital.

 

O Renascimento do Moderno

Mesmo não sendo em circunstâncias de sua própria escolha, é necessário que os europeus afirmem sua própria visão do futuro. Há caminhos variados rumo à sociedade da informação - e alguns são mais desejáveis do que outros. Para fazer uma escolha embasada, os artesãos digitais europeus precisam desenvolver uma análise mais coerente do impacto da hipermídia do que a que pode ser encontrada na Ideologia Californiana. Os membros da "classe virtual" européia devem criar sua própria identidade distinta. Este entendimento alternativo do futuro passa por uma rejeição de qualquer forma de apartheid - tanto dentro quanto fora do ciberespaço. Qualquer projeto para desenvolver a hipermídia deve assegurar que toda a população possa ter acesso aos novos serviços on-line. Em lugar do anarquismo da Nova Esquerda ou da Nova Direita, uma estratégia européia para o desenvolvimento das novas tecnologias da informação deve reconhecer abertamente a inevitabilidade de algum tipo de economia mista - a mistura criativa e antagonista de iniciativas estatais, corporativas e faça-você-mesmo. A indeterminação do futuro digital é resultado da ubiqüidade desta economia mista no mundo moderno. Ninguém sabe exatamente como serão as forças relativas de cada componente, mas a ação coletiva pode assegurar que nenhum grupo social seja deliberadamente excluído do ciberespaço.

Uma estratégia européia para a era da informação deve também celebrar as forças criativas dos artesãos digitais. Porque seu trabalho não pode ser simplificado ou mecanizado, membros da "classe virtual" exercem grande controle sobre a sua própria obra. Em vez de sucumbir ao fatalismo da Ideologia Californiana, nós deveríamos abraçar as possibilidades prometéicas da hipermídia. Dentro das limitações de uma economia mista, os artesãos digitais são capazes de inventar algo totalmente novo - algo não predito em nenhuma história de ficção científica. Estas formas inovadoras de conhecimento e comunicação vão copiar os sucessos de outras, incluindo alguns aspectos da Ideologia Californiana. É impossível agora, para qualquer movimento de emancipação social sério, não incluir as demandas do feminismo, da cultura de drogas, da liberação gay, da identidade étnica e outras questões levantadas pelos radicais da costa oeste. Do mesmo modo, qualquer tentativa de desenvolver a hipermídia dentro da Europa precisará de algum zelo empresarial e uma atitude você-quer-você-pode da Nova Direita californiana. Mas, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da hipermídia significa inovação, criatividade e invenção. Não há precedentes para todos os aspectos do futuro digital.

Como pioneiros do novo, os artesãos digitais precisam reconhecer a si mesmos com a teoria e prática da arte produtiva. Eles não são apenas funcionários dos outros - ou mesmo candidatos a empreendedores cibernéticos. Eles são também engenheiros-artistas - os criadores do próximo estágio de modernidade. Repetindo a experiência dos Saint-Simonistas e Construtivistas, os artesãos digitais podem criar uma nova máquina estética para a era da informação(48). Os músicos têm usado computadores para desenvolver formas puramente digitais de música, como o jungle e o techno (49). Artistas interativos têm explorado as potencialidades das tecnologias de CD-ROM, como é mostrado pelo trabalho de Anti-ROM. O Hypermdia Research Centre construiu experimentalmente um espaço social virtual chamado J's Joint (50). Em cada instância, engenheiros-artistas estão tentando expandir os limites tanto das tecnologias quanto de sua própria criatividade. Acima de tudo, estas novas formas de expressão e comunicações estão conectadas a uma cultura mais ampla. Os desenvolvedores de hipermídia devem reafirmar a possibilidade de controle racional e consciente sobre a forma do futuro digital. Diferente do elitismo da Ideologia Californiana, os engenheiros-artistas europeus devem construir um ciberespaço inclusivo e universal. Agora é a hora para o renascimento da Modernidade.

"As circunstâncias presentes favorecem tornar a luxúria nacional. A luxúria vai se tornar útil e moral quando for desfrutada por toda a nação. A honra e a vantagem de se empregar diretamente, em arranjos políticos, o progresso das ciências exatas e das artes nobres (...) foram reservadas para o nosso século." (51)

 

 

Richard Barbrook e Andy Cameron são membros do Hypermedia Research Centre da Universidade de Westminster, Londres. Gostaríamos de agradecer a Andrej Kerlep, Dick Pountain, Helen Barbrook, Les Levidow, Jeremy Quinn, Jim McLellan, John Barker, John Wyver, Rhiannon Patterson e aos membros do HRC pela sua ajuda na elaboração deste artigo.

 

 

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1. GABO, Naum, PEVSNER, Anton. The Realistic Manifesto, 1920. In: BOWLT, John E. Russian Art of the Avant-Garde: Theory and Criticism. London: Thames & Hudson, p. 214, 1976.
2. Por mais de 25 anos, os experts vêm predizendo a chegada iminente da era da informação. Ver TOURAINE, Alain. La Societé post-industrielle. Paris: Éditions Denoäl, 1969; BRZEZINSKI, Zbigniew. Beetween Two Ages: America's Role in the Technetronic Era. New York: Viking Press, 1970; BELL, Daniel. The Coming of the Post-Industrial Society. New York: Basic Books, 1973; TOFFLER, Alvin. The Third Wave. London: Pan, 1980; NORA, Simon, MINC, Alain. The Computerisation of Society. Cambridge Massachussets: MIT Press, 1980; e DE SOLA POOL, Ithiel. Technologies of Freedom. Harvard: Belknap Press, 1983.
3. Ver BANGEMANN, Martin. Europe and the Global Information Society. Bruxelas: 1994; e os resumos da programação da Virtual Futures Conference, da Universidade Warwick.
4. KAPOR, Mitch. Where is the Digital Highway Really Heading?. Wired, jul/ago 1993.
5. Ver DAVIS, Mike. City of Quartz. London: Verso, 1990; WALKER, Richard. California rages Against the Dying of the Light. New Left Review, jan/fev 1995; e os discos de Ice T, Snoop Dog, Dr. Dre, Ice Cube, NWA e muitos outros rappers da costa oeste.
6. KATSIAFICAS, George. The Imagination of the New Left: a global analysis of 1968. Boston: South End Press, p.124,1987.
7. RUBIN, Jerry. An Emergency Letter to my Brothers and Sisters in the Movement. In: STANSILL, Peter, MAIROWITZ, David Zane (org). BAMN: Outlaw Manifestos and Ephemera 1965-70. London: Penguin, p. 244, 1971.
8. Sobre o papel chave desempenhado pela cultura popular na identidade da Nova Esquerda americana, ver KATSIAFICAS, George. The Imagination of the New Left: a global analysis of 1968. Boston: South End Press, 1987; e REICH, Charles. The Greening America. New York: Random House, 1970. Para uma descrição da vida dos trabalhadores de escritório nos anos 50 na América, ver WHYTE, William. The Organization Man. New York: Simon & Schuster, 1956.
9. No romance best-seller da metade dos anos 70, a metade norte da costa oeste separa-se do resto dos EUA, para formar uma utopia hippie. Ver CALLENBACH, Ernest. Ecotopia. New York: Bantam, 1975. Esta idealização da vida comunitária californiana pode ser encontrada também em BRUNNER, John. The Shockwave Rider. London: Methuen, 1975; e mesmo em trabalhos posteriores, como em ROBINSON, Kim Stanley. Pacific Edge. London: Grafton, 1990.
10. Para uma análise das tentativas de criação da democracia direta através da mídia, ver BARBROOK, Richard. Media Freedom: the contradictions of communications in the age of modernity. London: Pluto, 1995.
11. MCLUHAN, Marshall. Understanding Media. London: Routledge & Kegan Paul, p. 255-6, 1964. Ver também MCLUHAN, Marshall, FIORE, Quentin. The Medium is the Massage. London: Penguin, 1967; e STERN, Gerald Emanuel (org). McLuhan: Hot & Coll. London: Penguin, 1968.
12. DOWNING, John. Radical Media. Boston: South End Press, 1984.
13. KROKER, Arthur, WEINSTEIN, Michael A. Data Trash: the theory of the virtual class. Montreal: New World Perspectives, p. 15, 1994. Esta análise segue aquela dos futurologistas que pensaram que os "trabalhadores do conhecimento" eram embriões de uma nova classe dominante: BELL, Daniel. The Coming of the Post-Industrial Society. New York: Basic Books, 1973. E economistas acreditam que "analistas simbólicos" se tornarão a parte dominante da força de trabalho sob um capitalismo globalizado: REICH, Robert. The Work of Nations: a blueprint for the future. London: Simon & Schuster, 1991. Em contraste, nos anos 60, alguns teóricos da Nova Esquerda acreditavam que estes trabalhadores técnico-científicos estavam liderando a luta pela libertação social, através de ocupações de fábricas e demandas por autogestão: MALLET, Serge. The New Working Class. Nottingham: Spokesman Books, 1975.
14. Para uma descrição do contrato de trabalho no Vale do Silício, ver HAYES, Dennis. Behind the Silicon Curtain. London: Free Association Books, 1989. Para um tratamento ficcional do mesmo assunto, ver COUPLAND, Douglas. Microserfs. London: Flamingo, 1995. Para mais exames teóricos da organização do trabalho pós-fordista, ver LIPIETZ, Alain. L'Audace ou l'Enlisement. Paris: Éditions La Découverte, 1984; LIPIETZ, Alain. Mirages and Miracles. London: Verso, 1987; CORIAT, Benjamin. L'Atelier et le Robot. Paris: Christian Bourgois Éditeur, 1990; e NEGRI, Toni. Revolution Retrieved: selected writings on Marx, Keynes, capitalist crisis & new social subjects 1967-83. London: Red Notes, 1988.
15. Há uma considerável confusão política e semântica quanto ao significado de "liberalismo", nos dois lados do Atlântico. Os americanos, por exemplo, utilizam liberalismo para descrever quaisquer políticas que por acaso sejam apoiadas pelo - supostamente à esquerda do centro - Partido Democrata. Entretanto, como Lipset demonstra, este sentido estreito da palavra esconde a quase universal aceitação do liberalismo em seu sentido clássico nos EUA. Como ele diz: "estes valores [liberais] eram evidentes no século XX pelo fato de que (...) os EUA não apenas não tinham um partido socialista viável, mas também nunca desenvolveram um partido Conservador ou Tory no estilo Bretão ou Europeu". Ver LIPSET, Seymor Martin. American Exceptionalism: a double-edged sword. New York: W. W. Norton, p. 31-2, 1996. A convergência da Nova Esquerda e da Nova Direita em torno da Ideologia Californiana, portanto, é um exemplo específico do consenso mais amplo em torno do liberalismo anti-estatista enquanto discurso político nos EUA.
16. A respeito do sucesso de McLuhan no circuito corporativo festivo, ver WOLFE, Tom. E se ele estiver certo?. In: The Pumo House Gang. Londres: Bantam Books, 1968. Sobre o uso de suas idéias por pensadores conservadores, ver BRZEZINSKI, Zbigniew. Between Two Ages: America's Role in the Technetronic Era. New York: Viking Press, 1970; BELL, Daniel. The Coming of the Post-Industrial Society. New York: Basic Books, 1973; TOFFLER, Alvin. The Third Wave. London: Pan, 1980; DE SOLA POOL, Ithiel. Technologies of Freedom. Harvard: Belknap Press, 1983.
17. Machos heróicos são comuns nas histórias de ficção científica clássicas. Por exemplo D. D. Harriman, em HEINLEIN, Robert. The Man Who sold the Moon. New York: Signet, 1950; ou os personagens principais em ASIMOV, Isaac. The Foundation Trilogy. New York: Gnome Press, 1953; ASIMOV, Isaac. I, Robot. London: Panther, 1968; ASIMOV, Isaac. The Rest of the Robots. London: Panther, 1968. Hagbard Celine - uma versão mais psicodélica deste arquétipo masculino - é o personagem central em SHEA, Robert, WILSON, Robert Anton. The Illuminati Trilogy. New York: Dell, 1975. Na cronologia da "história futura" na folha de rosto do romance de Heinlein, é predito que, depois de um período de crise social causado por um rápido avanço tecnológico, a estabilidade seria restaurada nos anos 1980-90 através de "...uma abertura de novas fronteiras e um retorno à economia do século XIX".
18. ZUBOFF, Shoshana. In the Age of the Smart Machine: the future of work and power. New York: Heinemann, 1988. É claro, esta análise é derivada de MARX, Karl. Grundrisse. London: Penguin, 1973; e RESULTS OF the Immediate Process of Production. In: DRAGSTEDT, Albert (org). Value Studies by Marx. London: New Park, 1976.
19. Ver RHEINGOLD, Howard. Virtual Communities. London: Secker & Warburg, 1994; e suas páginas na Internet. (http://www.rheingold.com)
20. Ver a efusiva entrevista com os Tofflers em SCHWARTZ, Peter. Shock Wave (Anti) Warrior. Wired, Nov., 1993; e, sobre a ambigüidade característica da revista a respeito do programa político reacionário do Presidente da Câmara, ver a entrevista adequadamente titulada com Newt Gingrich em DYSON, Esther. Friend and Foe. Wired, Ago., 1995.
21. THE PROGRESS and Freedom Foundation. Cyberspace and the American Dream: a magna carta for the knowledge age. p.5.
22. Ver KELLY, Kevin. Out of Control: the new biology of machines. London: Fourth State, 1994. Para uma crítica do livro, ver BARBROOK, Richard. The Pinnochio Theory.
23. PROGRESS AND Freedom Foundation. Cyberspace and the American Dream: a magna carta for the knowledge age. p.13. Toffler e seus amigos também proclamam orgulhosamente que: "A América (...) continua sendo a terra da liberdade individual, e esta liberdade claramente se estende ao ciberespaço", na página 6 do mesmo Cyberspace and the American Dream. Ver também KAPOR, Mitch. Where is the Digital Highway Really Heading?. Wired, jul/ago, 1993.
24. Ver SCHAFFER, Simon. Babbage's Intelligence: calculating engines and the factory system. (http://cci.wmin.ac.uk/schaffer/schaffer01.html)
25. Para um relato de como a falta de intervenção estatal significou a perda da oportunidade de construir o primeiro computador eletrônico do mundo para a Alemanha nazista, ver PALFREMAN, Jonathan; SWADE, Doron. The Dream Machine. London: BBC, p. 32-6, 1991. Em 1941 o comando alemão recusou-se a continuar o financiamento para Konrad Zuze, pioneiro no uso do código binário, programas arquivados e portões lógicos.
26. RHEINGOLD, Howard. Virtual Communities. London: Secker & Warburg, 1994.
27. Como o Secretário do Trabalho de Clinton diz: "Lembrem-se de que durante o pós-guerra o Pentágono silenciosamente esteve encarregado de ajudar as corporações americanas a deslanchar com tecnologias como motores a jato, turbinas, transistores, circuitos integrados, novos materiais, lasers e fibras óticas (...) O Pentágono e os 600 laboratórios nacionais que trabalham com ele e com o Departamento de Energia são a coisa mais próxima que a América tem do famoso Ministério do Comércio Internacional e Indústria do Japão". Ver REICH, Robert. The Work of Nations: a blueprint for the future. London: Simon & Schuster, p.59, 1991.
28. Para um relato de como estas inovações culturais sugiram dos primórdios da cena do ácido, ver WOLFE, Tom. The Electric Kool-Aid Acid Test. New York: Bantam Books, 1968. É interessante que um dos motoristas do famoso ônibus era Stewart Brand, hoje um dos principais colaboradores da Wired.
29. HAYES, Dennis. Behind the Silicon Curtain. Londres: Free Association Books, p. 21-2, 1989. Ele aponta que a indústria de computadores americana foi encorajada pelo Pentágono a formar cartéis contra a competição estrangeira. Gates admite que apenas recentemente ele percebeu a "massiva mudança estrutural" sendo causada pela Rede. Ver THE BILL GATES Column. The Guardian, 20 jul. 1995.
30. Ver as páginas de Howard Rheingold na Rede; e KAPOR, Mitch. Where is the Digital Highway Really Heading?. Wired, Jul/ago, 1993. Apesar dos instintos libertários dos dois escritores, sua paixão pela era dos Pais Fundadores é compartilhada pelas milícias neo-fascistas e movimentos patrióticos. Ver BERLET, Chip. Armed Militias, Right Wing Populism & Scapegoating.
31. Ver os heróis hackers em GIBSON, William. Neuromancer. London: Grafton, 1984; GIBSON, William. Count Zero. London: Grafton, 1986; e GIBSON, William. Mona Lisa Overdrive. London: Grafton, 1989; ou em STERLING, Bruce (org). Mirrorshades. London: Paladin, 1988. Um protótipo desta variedade de anti-herói é Deckard, o caçador de replicantes existencial em Blade Runner, de Ridley Scott.
32. De acordo com Miller, Thomas Jefferson acreditava que os negros não podiam ser membros do contrato social lockeano que ligava os cidadãos da república americana. "Os direitos do homem (...) enquanto teórica e idealmente direitos de nascença de cada ser humano, eram aplicados na prática nos Estados Unidos apenas aos homens brancos: os escravos negros eram excluídos da consideração porque, mesmo admitidos como seres humanos, eram também propriedade, e onde os direitos do homem conflitavam com os direitos da propriedade, a propriedade tinha precedência". Ver MILLER, John. The Wolf by the Ears: Thomas Jefferson and Slavery. New York: Free Press, p. 13, 1977. A oposição de Jefferson à escravidão era, na melhor das hipóteses, retórica. Em uma carta de 22 de abril de 1820, ele pouco ingenuamente sugeriu que a melhor maneira de encorajar a abolição da escravatura seria legalizar a propriedade privada de seres humanos em todos os estados da União e nos territórios da fronteira! Ele afirmava que "... sua difusão por uma superfície maior os faria individualmente mais felizes, e proporcionalmente facilitaria que a sua emancipação se concretizasse, dividindo o fardo sobre um número maior de coadjuvantes [i.e., proprietários de escravos]". Ver PETERSON, Merril (org). The Portable Thomas Jefferson. New York: Viking Press, p. 568, 1975. Para uma descrição da vida em seu latifúndio, ver também WILSTACH, paul. Jefferson and Monticello. London: William Heinemann, 1925.
33. Sobre a virada à Direita da Califórnia, ver WALKER, Richard. California rages Against the Dying of the Light. New Left Review, Jan/fev de 1995.
34. DYSON, Esther. Friend and Foe. Wired, Ago., 1995. Esther Dyson colaborou com os Tofflers na elaboração de Cyberspace and the American Dream, da The Peace and Progress Foundation, um manifesto futurista feito para angariar votos para Gingrich entre os membros da "classe virtual".
35. Sobre o surgimento dos subúrbios fortificados, ver DAVIS, Mike. City of Quartz. Londres: Verso, 1990; e DAVIS, Mike. Urban Control: the ecology of fear. New Jersey: Open Magazine, 1992. Estes "subúrbios gradeados" fornecem inspiração para o cenário alienado de muitas histórias de ficção científica ciberpunks, como em STEPHENSON, Neal. Snow Crash. New York: Roc, 1992.
36. HAYES, Dennis. Behind the Silicon Curtain. London: Free Association Books, 1989.
37. STUART, Reginald. Hi-Tech Redlining. Utne Reader, n. 68, Mar/abr, 1995.
38. WILSTACH, Paul. Jefferson and Monticello. London: William Heinemann, 1925.
39. HAYES, Dennis. Behind the Silicon Curtain. London: Free Association Books, 1989.
40. Para uma exposição de seu retro-futurismo, ver a FAQ Extropiana. ( A página indicada por Barbrook está fora do ar. Há uma análoga em http://www.lucifer.com/~exi/faq/whatis.html )
41. GIBSON, William. Neuromancer. London: Grafton, 1984; GIBSON, William. Count Zero. London: Grafton, 1986.
42. ASIMOV, Isaac. I, Robot. London: Panther, 1968; ASIMOV, Isaac. The Rest of the Robots. London: Panther, 1968.
43. GIBSON, William, SADFORT, Sandy. Disneyland with a Death Penalty. Wired, Set/out, 1993. Sendo estes artigos um ataque a Singapura, é irônico que a verdadeira Disneylândia fique na Califórnia - cujo código penal repressivo inclui a pena de morte!
44. Sobre o relatório que levou à criação da Minitel, ver NORA, Simon, MINC, Alain. The Computerisation of Society. Cambridge Massachussets: MIT Press, 1990. Um relato dos primeiros anos da Minitel pode ser encontrado em MARCHAND, Michael. The Minitel Saga: a french sucess history. Paris: Larousse, 1988.
45. De acordo com uma pesquisa feita durante as eleições presidenciais de 1995, 67% da população francesa apoiava a proposição de que "o estado deve intervir mais na vida econômica de nosso país". Ver UNE MAJORITÉ de Français souhaitent un vrai 'chef' pour un vrai 'Etat'. Le Monde. p.6, 11 abr. 1995.
46. Sobre a influência do jacobinismo na concepção francesa dos direitos democráticos, ver BARBROOK, Richard. Media Freedom: the contradictions of communications in the age of modernity. London: Pluto, 1995. Alguns economistas franceses acreditam que uma história muito diferente da Europa criou um modelo específico - e especialmente, superior - de capitalismo. Ver ALBERT, Michael. Capitalism v. Capitalism. New York: Four Wall Eight Windows, 1993; e DELMAS, Philippe. Le Maötre des Horloges. Paris: Éditions Odile Jacob, 1991.
47. Como o próprio Keynes diz: "'Cavar buracos no chão', pago pela poupança, vai aumentar não apenas o emprego, mas os dividendos reais de bens úteis e serviços". Ver KEYNES, J. M. The General Theory of Employment, Interest and Money. London: Macmillan, p. 220, 1964.
48. TAYLOR, Keith (org). Henri Saint-Simon 1760-1825: selected writings in science, industry and social organisation. London: Croom Helm, 1975; e BOWLT, John E. Russian Art of the Avant-Garde: theory and criticism. London: Thames & Hudson, 1976.
49. Como Goldie, um produtor de música jungle, diz: "Nós temos de levar adiante e pegar os tambores e baixos e forçar e forçar e forçar. Eu lembro quando eles estavam dizendo que não poderia ser levado mais além. Foi levado dez vezes mais além desde então...". Ver MARCUS, Tony. The War is Over. Mixmag, p. 46, Ago. 1995.
50. Para maiores informações a respeito de Anti-ROM e a J's Joint, ver suas contribuições para o sítio do Hypermedia Research Centre. ( http://www.hrc.wmin.ac.uk )
51. SAINT-SIMON, Henri. Sketch of the New Political System. In: TAYLOR, Keith (org). Henri Saint-Simon 1760-1825: selected writings on science, industry and social organisation. London: Croom Helm, p. 203, 1975.


NOTAS DE TRADUÇÃO
A. Extropia é um neologismo cunhado por T. O. Morrow a partir do termo entropia, como uma metáfora, para descrever um conjunto de valores que negam - mas não são o contrário de - a noção de entropia. O termo extropia foi aplicado a um grupo de pessoas que tem como objetivo combater a decadência entrópica da sociedade através do aumento da inteligência, expectativa de vida, agudez dos sentidos, refinamento da personalidade e melhora da ordem social. Os extropianos pretendem alcançar este ideal através de um conjunto de atitudes e valores de cunho humanista e do uso da tecnologia, inclusive as técnicas que envolvem interferência direta no organismo humano. No limite, os extropianos pretendem que o homem alcance a imortalidade e possua poderes sobre-humanos.
B. A sigla MUD significa Multiple User Dungeon. São programas de computador, geralmente hospedados em redes Telnet de universidades ou corporações, em que usuários podem se conectar para jogar Role Playing Games, ou RPG. Em um RPG - que não necessariamente precisa ser jogado em computadores -, cada jogador assume um personagem e explora um mundo fictício ou baseado em paisagens reais, interagindo com outros personagens, coletando itens, combatendo monstros e criando seus próprios espaços de jogo. O primeiro MUD foi criado por Richard Bartle.
C. Aqui optou-se por manter a expressão em inglês, já que a tradução de sprawl, "espraiar-se", não denota o sentido correto. Trata-se de um rótulo atribuído aos livros de Gibson por David Mead, no estudo Technological Transfiguration in William Gibson's Sprawl Novels: Neuromancer, Count Zero, and Mona Lisa Overdrive. O termo sprawl refere-se à maneira como as cidades se desenvolvem nestes romances. A decadente Cidade Global não tem fronteiras, tampouco existem marcos de referência, porque a paisagem muda constantemente, devido ao acúmulo de lixo por toda a história humana. Os planos funcionam mais como redes do que como mapas, os caminhos são definidos por seus transeuntes através das montanhas de entulho. A arquitetura sprawl toma a forma de um hipertexto.
D. Wetware é uma expressão derivada de software e hardware, para designar organismos vivos. (o corpo humano, por exemplo, tem 70% de água em sua composição.) Os extropianos utilizam um termo análogo aos termos da informática por acreditarem que a mente funciona como um software, com a diferença de rodar em um organismo, ou wetware, em vez de em um hardware comum. Um dos principais objetivos extropianos é que os seres humanos possam, através do avanço tecnológico, descarregar suas mentes em um hardware que misture partes biológicas e artificiais - como eles mesmos dizem, pós-biológicos - ou totalmente artificial. Daí, abandonar o wetware.




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