A Teoria da Elite Virtual

Arthur Kroker e Michael A. Weinstein


A Wired pretende lucrar com a Internet. Assim como tantos outros. "As pessoas est�o se dando conta de que a Rede � outro meio de comunica��o. Isto quer dizer que deve haver responsabilidade comercial e que os participantes do jogo sigam as regras do mercado", diz John Battelle, editor-gerente de 28 anos da Wired. "Voc� ainda ter� que ter patroc�nios, publicidade sob as regras do jogo, porque � necess�rio trabalhar comercialmente." "Penso que muito do que alguns dos originais Deuses-ut�picos da Rede pensavam," continuou Battellle, "� que existiria apenas este tipo de anarquismo grandioso, ut�pico, meio bem-aventurado, onde n�o h� regras e tudo � apenas um tanto aberto. Este � um �timo pensamento que n�o vai funcionar. E quando a Time Warner entrar na Rede de forma pesada, ser�o as pessoas quem primeiro criaram o com�rcio e o ambiente, como a Wired, que ser�o os l�deres de mercado."
Andrew Leonard, "Hot-Wired"
The Bay Guardian

O fim do s�culo 20 coincide com o crescimento do ciberautoritarismo, um movimento espalhafatoso pr�-tecnot�pico, especialmente dos meios de comunica��o de massa, caracterizado por uma obsess�o hist�rica por tecnologias emergentes, al�m de um consistente e muito deliberado esfor�o de encarcerar, silenciar e excluir qualquer perspectiva cr�tica � tecnotopia. N�o uma cultura de fios, mas uma cultura virtual que � totalmente conectada: compulsivamente fixada na tecnologia digital como uma esp�cie de salva��o face a realidade de uma cultura solit�ria e � radical desconex�o social da vida di�ria, determinada a excluir do debate p�blico qualquer perspectiva que n�o a eleve ao status de construir uma perspectiva animadora para o futuro da sociedade plenamente tecnol�gica. A elite virtual � habitada por pretensos astronautas que nunca tiveram a chance de ir para a lua e que n�o aceitam facilmente cr�ticas sobre este novo projeto Apollo para a telem�tica corporal.

Isso � lament�vel uma vez que n�o se trata de uma quest�o de ser "pr�" ou "anti" tecnologia, mas de desenvolver uma perspectiva cr�tica da �tica da virtualidade. Quando tecnologia se transforma em virtualidade, a dire��o de um debate pol�tico se torna mais clara. Se n�o podemos sair da total conex�o de nossos corpos para uma cultura sem fio, ent�o como podemos inscrever consci�ncias �ticas prim�rias no futuro da virtualidade? Como podemos levar o horizonte virtual na dire��o dos consistentes valores humanos: criatividade est�tica, solidariedade social, discurso democr�tico e justi�a econ�mica? Ligar a implac�vel investida ao ciberespa�o com preocupa��es �ticas �, sem d�vida, desmentir o liberalismo tecnol�gico. Para insistir, eis que, o que est� por vir no futuro, e com isso o aparecimento do nosso duplo destino, seja com o esvaziamento corporal ou com corpos hipert�picos, virtualizados ou informatizados com coisas sem valor, n�o abranda a tradicional injun��o humana de dar primazia os fins �ticos dos prop�sitos tecnol�gicos que escolhemos (ou ao futuro da virtualidade que nos escolheu).

Privilegiar a quest�o da �tica da virtualidade exp�e o impulso para o niilismo que � central para a elite virtual. Para isso, o avan�o na dire��o do dom�nio planet�rio representado pelo futuro da virtualidade relega a �tica rompida � lixeira eletr�nica. Afirmando com orgulho monumental j� estar al�m do bem e do mal, assume equival�ncia perfeita entre o futuro da virtualidade e o futuro do bem (virtual). Se o bem equivale � desintegra��o da experi�ncia pela interatividade cibern�tica ou ao desaparecimento da mem�ria e da reflex�o solit�ria diante da emerg�ncia de maci�as esta��es solares de informa��o arquivada, ent�o a elite virtual � o principal expoente da �rea da �tica na telem�tica. Longe de ter abandonado preocupa��es �ticas, a elite virtual remendou um coerente, din�mico e compreensivo sistema de �ticas para os processadores massivos do futuro da virtualidade. Contra a justi�a econ�mica, a elite virtual pratica uma mistura de capitalismo predat�rio e racionaliza��es tecnocr�ticas gung-ho para destruir preocupa��es sociais com emprego, com exig�ncia insistente por "reestrutura��o econ�mica", com "pol�ticas p�blicas de ajuste laboral" e com "corte de d�ficit", tudo com a finalidade do lucro m�ximo. Contra o discurso democr�tico, a elite virtual instituiu novamente o pensamento autorit�rio, projetando os interesses da sua classe para o ciberespa�o do qual o ponto de vista � esmagar toda e qualquer diverg�ncia relacionada � ortodoxia da tecnotopia. Para a elite virtual, pol�tica � sobre controle absoluto, sobre propriedade intelectual por meios estrat�gicos b�licos da comunica��o, sobre controle e comando. Contra a solidariedade social, a elite virtual promove uma forma horrenda de materialismo social natural pelo qual a experi�ncia social � reduzida � especializa��o dos seus efeitos: o corpo se torna um arquivo passivo para ser processado, entretido e recheado pela sedu��o da complexa realidade virtual. E, finalmente, contra a criatividade est�tica, a elite virtual promove o valor da manuten��o padr�o (de escolha deles mesmos), onde intelig�ncia humana � reduzida ao meio circulante da flutuante troca cibern�tica na interface das m�quinas de anima��o cultural. A chave para o sucesso da elite virtual est� na promo��o de uma vis�o radical diminu�da da experi�ncia humana e de uma concep��o desintegrada do bem humano: para virtualizadores, o bem � afinal de contas o que desaparece com a subjetividade humana, substituindo a m�quina de guerra do ciberespa�o pelo lixo de dados da experi�ncia. Al�m disso, a elite virtual pode alcan�ar dom�nio hoje porque sua vis�o reduzida da experi�ncia humana consiste na imagem de uma superauto-estrada digital, cena fat�dica da circula��o e congestionamento, consagrada como a �ltima opini�o de que o s�culo 20 gosta sobre si mesmo.

Niilismo inverso: n�o o futuro niil�stico como projetado para um objeto externo, mas o futuro niil�stico voltado para dentro, decompondo subjetividade, reduzindo o ser a um objeto da consci�ncia e do corpo vivisseccionado. O que isso significa quando o corpo � virtualizado sem uma vis�o �tica consistente? Pode algu�m ser forte o suficiente para isso? O resultado � uma f�ria contra o corpo: um �dio da exist�ncia que apenas pode ser satisfeito por um abandono da carne e da subjetividade e, com isso, com um v�o para a virtualidade. Virtualidade sem �tica � uma cena prim�ria do suic�dio social: um local de criogenia de massa onde corpos s�o rapidamente congelados para um resseq�enciamento futuro pelos dados arquivados no sistema. A elite virtual pode ser t�o din�mica porque j� � o choque tardio do zumbi: corpos vivisseccionados e mentes prematuramente abandonadas em uma viagem na estrada para o inferno virtual.

"ADAPTE-SE OU VOC� EST� FRITO"

A elite virtual tem se voltado � constru��o de um poder global ao longo da auto-estrada. Representando perfeitamente os interesses expansionistas da forma acomodada recombinada, a elite virtual tem tomado de assalto a imagina��o da cultura contempor�nea ao conceber uma tecnotopia da rede cibern�tica de alta velocidade para viajar pela fronteira eletr�nica. Nesta mitologia da nova fronteira tecnol�gica, a sociedade contempor�nea n�o est� preparada para viagens r�pidas por baixo das principais travessas da auto-estrada informacional, nem simplesmente para parar de existir como membro funcional da tecnotopia. Assim como os CEOs e os consultores da triunfante elite virtual proclamam: "Adapte-se ou voc� est� frito".

Vivemos agora na era da informa��o morta, do espa�o (eletr�nico) morto e da ret�rica (cibern�tica) morta. Informa��o morta? � como somos cooptados para assumir pap�is de mecanismos escravos da rede cibern�tica (a auto-estrada digital) que engole corpos, al�m de sociedades inteiras, para o momento din�mico da sua l�gica telem�tica. Sempre trabalhando na base da ilus�o da interatividade real�ada, a auto-estrada digital versa realmente sobre a imers�o total da carne em seu clone virtual. Assim como o espa�o (eletr�nico) morto, a auto-estrada digital constitui um imenso risco patrimonial em forma cibern�tica, onde competir exige direitos de propriedade intelectual em que a exibi��o de uma tecnologia multim�dia est� na fogueira. T�o longe do capitalismo sob o signo duplo do consumidor e dos modelos de produ��o, a auto-estrada digital representa o desaparecimento do capitalismo para espa�o virtual colonizado. E a ret�rica (cibern�tica) morta? Esta � a subordina��o da Internet aos interesses predat�rios de neg�cios da elite virtual, os quais pagariam propaganda "boca-a-boca" virtual para o crescimento das comunidades eletr�nicas em uma base global, mas que se dedica, na verdade, em acabar com a anarquia na Rede em favor da troca (com�rcio) virtualizada. Como uma imagem no espelho, a auto-estrada digital sempre significa seu oposto: n�o uma auto-estrada telem�tica e aberta a uma circula��o r�pida pela gal�xia eletr�nica, mas uma imensamente sedutora m�quina de colheita para entregar corpos, culturas e trabalho � virtualiza��o. A auto-estrada da informa��o � pavimentada com nossa carne. Ent�o, conseq�entemente, a teoria da elite virtual consiste na acomoda��o cultural na dire��o de uma tecnotopia como seu objetivo, na consolida��o pol�tica (em torno dos pedidos da elite virtual) como seu m�todo, nos sistemas nervosos multim�dia como seu controle e em nosso desaparecimento para virtualidade pura como seu destino est�tico.

Que h� uma heran�a pol�tica contradit�ria entre a tentativa da elite virtual em liquidar a rede alastrada da Internet em favor da vis�o telem�tica leviana da auto-estrada digital � aparente. A auto-estrada da informa��o � a ant�tese da Rede, da mesma forma como a elite virtual deve destruir a dimens�o p�blica da Internet para a sua pr�pria sobreviv�ncia. A tecnologia informacional da Internet como uma nova for�a da produ��o virtual mant�m as condi��es sociais necess�rias para fundamentalmente instituir novas rela��es da cria��o eletr�nica. De forma espont�nea e certamente contra os interesses a longo prazo da elite virtual, a Internet tem sido inundada de demandas por sentido. Agora, eruditos difundidos na tela sonham com vis�es da Universidade Virtual; a popula��o de Amsterd� torna-se Cidade Digital on-line; ambientalistas tornam-se internautas quando formam uma rede informacional cibern�tica mundial Verde; e uma nova gera��o de escritores ficcionistas desenvolve uma forma de escrita telem�tica que reflete as estruturas cristalinas e as conex�es multifrasais do hipertexto.

Est� claro, para a elite virtual, que satisfa��o atrasa a velocidade da troca virtualizada, e sentido � a contradi��o de dados. Por essa raz�o, a id�ia de demandas por sentido deve ser imediatamente contraposta como somente outra estrada da morte ao longo da auto-estrada virtual. Assim sendo, a elite virtual exerce seu dirigismo obsessivo-compulsivo sobre uma sociedade subordinada � mitologia telem�tica da auto-estrada digital. As possibilidades democr�ticas da Internet e seu eminente apelo a novas formas de comunica��o global deveriam ter sido a estrat�gia/sedu��o apropriada para a constru��o da auto-estrada digital, mas agora que a rede cibern�tica est� sob forte controle, a elite virtual deve se mexer para liquidar a Internet. Este � um velho roteiro, apenas diferente por sua forma virtual. Marx foi quem entendeu isto primeiro: toda tecnologia apresenta possibilidades opostas de emancipa��o e domina��o. Como seus adiantados precursores burgueses no nascimento do capitalismo, a elite virtual batiza o nascimento da tecnotopia atrav�s da supress�o das rela��es emancipat�rias potenciais da produ��o liberada pela Internet em favor da for�a predat�ria tradicional da produ��o manifestada pela auto-estrada digital. Os dados s�o o antiv�rus do sentido - informa��o telem�tica que n�o pode ser parada pelo lastro do conte�do. E a elite virtual procura exterminar as possibilidades sociais da Internet. Estas s�o as primeiras li��es da teoria da elite virtual.

Auto-estrada da Informa��o X Media-Net: Poder Pastoral Virtual

A "auto-estrada da informa��o" tem se constitu�da como a rota-chave para a virtualidade. A "auto-estrada da informa��o" � outro termo para o que chamamos de "media-net". Trata-se de uma quest�o de estar viajando em uma auto-estrada ou de ser alcan�ado em uma Rede, sempre prontamente dispon�vel para processar; portanto, a "auto-estrada" j� tem se (des)materializado no mundo imposs�vel para al�m dos monitores: no ciberespa�o. Para derrubar a teoria, h� uma ironia: a auto-estrada � uma imagem falsa do individualismo possessivo que encobre o individual possu�do pela Rede, sugado para a implos�o, para o mundo imposs�vel al�m da tela - relacionado ao mundo d�bio da percep��o ordin�ria atrav�s do ciberespa�o.

Auto-estrada da Informa��o X Media-Net

O profeta da auto-estrada da informa��o, do Presidente Bill Clinton, EUA, ao Presidente Bill Gates, Microsoft, proclama a revolu��o para um n�vel mais elevado de consci�ncia burguesa. A auto-estrada � a utopia de um individualismo possessivo que reside agora na tecnotopia.

� assim que o n�vel mais elevado da consci�ncia burguesa chega ao patamar da perfei��o. Primeiramente, entramos em uma auto-estrada informacional que promete acesso "individual" para a "informa��o" do arquivo universal instantaneamente, e, a respeito de qualquer coisa. A capacidade da Rede de deter informa��o � virtualmente infinita e, com o inevit�vel avan�o dos microprocessadores, sua capacidade de reunir, combinar e retransmitir informa��o ser� igual a qualquer demanda por acesso. Voc� est� curioso sobre alguma coisa? A resposta est� bem na ponta dos seus dedos. Mais precisamente voc� precisa saber algo? O toque de um bot�o levar� at� voc� o que voc� precisa e, eventualmente, suas ondas cerebrais sozinhas o far�o (fantasia telecin�sica). Aqui est� o mundo como informa��o completamente dispon�vel ao individual possu�do (o individual, isto �, quem � possu�do pelo informa��o). Aqui, todo mundo � um deus que, se n�o estiver onisciente o tempo todo, pode, no m�nimo, receber qualquer informa��o que desejar a qualquer hora que quiser. Informa��o n�o � o tipo de coisa que deve ser dividida. Se de repente todo mundo quisesse saber quem venceu a Copa Stanley em 1968, a informa��o poderia ser acessada simultaneamente: ciberespa�o como o local da pan-anarquia de Unamunos, onde cada um � rei.

No n�vel seguinte de perfei��o, a auto-estrada n�o apenas prover� acesso ao que j� est� � disposi��o, como permitir� ao "indiv�duo" "interagir" com outros "indiv�duos", para criar uma sociedade no ciberespa�o. A liberdade de acessar informa��es ser� desafiada pela liberdade de acessar indiv�duos onde quer que seja e em qualquer momento, desde que eventualmente todos estejam conectados. A hibridiza��o da televis�o, do telefone e do computador produzir� todo o refinamento poss�vel da presen�a mediada, permitindo aos interagentes uma gama nunca antes vista de op��es para ajustar adequadamente � dist�ncia as suas rela��es. Atrav�s do uso de perfis, bancos de dados e quadros de avisos, as pessoas estar�o aptas a conectar-se exatamente com aqueles que lhes dar�o maior satisfa��o, com quem dividem interesses, opini�es, projetos e prefer�ncias sexuais, assim como por aqueles que precisem dessas op��es. Da mesma forma que os "indiv�duos" poder�o acessar o reino da "informa��o" (tudo desde seus arquivos financeiros e previdenci�rios at� qualquer filme), eles tamb�m poder�o acessar o dom�nio dos comunicadores "humanos" para achar aqueles que melhor se encaixam em seus perfis. Como Bill Gates, da Microsoft, afirma: "A oportunidade das pessoas se libertarem e dividir � fant�stica".

A auto-estrada da informa��o como tecnotopia � o lugar onde os "indiv�duos" ordenam informa��es para quaisquer prop�sitos que queiram e para acharem outros com os quais combinem para perseguir tais prop�sitos. Como Gates coloca, isso � "algo fortificante". A tecnotopia � a sedu��o pela qual a carne � jogada para dentro da rede. O que seduz � a fantasia da "fortifica��o", o centro do complexo possessivo individual contempor�neo. Disponibilizada qualquer informa��o que se necessite instantaneamente e sem esfor�o e, estando ligado aos associados, poupa-se uma imensa quantidade de tempo e energia, al�m de facilitar a tomada de decis�es. Quem pode reclamar de ter mais informa��o, especialmente se ela pode ser acessada facilmente e apropriadamente por um sistema de sele��o que fornece apenas aquilo que voc� solicita e nada mais ou, melhor ainda, que conhece voc� t�o bem que lhe d� o que voc� realmente quer (precisa?) (� bom pra voc�?), mas que voc� nem percebeu que queria?

A auto-estrada da informa��o significa a morte do agente (humano) e o triunfo do programa inteligente, a sabedoria que o maior especialista poderia lhe oferecer. Programas inteligentes fazem diagn�sticos a seu respeito. Exames m�dicos podem ser feitos em casa enquanto voc� est� ligado em um computador que passa a informa��o para ser interpretada por um programa inteligente. Para servir voc�, a "auto-estrada" vai pedir informa��es a seu respeito. Os sistemas de sele��o ter�o que conhec�-lo, decifr�-lo, monitor�-lo, testar voc� periodicamente. O programa inteligente ser� o novo centro do poder pastoral. Isto fica ainda mais claro diante da perspectiva de que o tal arsenal continua a ser desenvolvido sob a for�a do capitalismo. Voc� ter� que pagar pela informa��o e haver� uma s�rie de restri��es � sua acessibilidade. Tome essa como uma das contradi��es da elite virtual, entre a organiza��o capitalista da auto-estrada e sua vis�o tecnot�pica: a contradi��o dentro do individualismo possessivo. Mais importante: voc� pagar� por informa��o com informa��o; na verdade, voc� ser� a informa��o.

A auto-estrada torna-se a Rede. O que parece "fortifica��o" � uma sedu��o, uma armadilha numa la�ada Baudrillardiana na qual a Rede extrai informa��o do "usu�rio" e devolve de maneira que a sele��o diga que � uma forma apropriada para aquele usu�rio. Agora, o grande agente de possibilidades torna-se a ferramenta principal de normatiza��o, mas uma micronormatiza��o com alta especificidade...talvez algo �nico! Cada "indiv�duo" tem uma �nica solu��o disciplinar para se prender rapidamente na Rede, onde lhe s�o bombardeados processamento e recep��o de imagens. A auto-estrada da informa��o � a via pela qual cada corpo � jogado no ciberespa�o atrav�s da sedu��o da fortifica��o.

A masculinidade de Bourgeois aparece como pr�-pubescente; os pensamentos de jovens garotos sobre o que eles fariam se controlassem o mundo mudou, pois agora o mundo � o ciberespa�o. O sonho de ser o Deus do ciberespa�o - p�blica ideologia como a fantasia dos machos pr�-pubescentes: uma regress�o do sexo sob a dire��o do poder art�stico.

A Elite Virtual e o Capitalismo

A ind�stria dos computadores � um intensivo est�gio da "destrui��o criativa", o termo cunhado por Schumpeter e usado pelos apologistas do capitalismo do macho neodarwinista para se referir aos campos econ�mico-assassinos produzidos pela r�pida mudan�a tecnol�gica. A Rede est� sendo trazida � realidade atrav�s dos escrit�rios de competi��o capitalista selvagem, nos quais vastos imp�rios caem e surgem em uma �nica d�cada (Big Blue/Microsoft). Sob a disciplina liberal dos guardas-noturnos dos direitos de propriedade, franco-atiradores capitalistas destroem uns aos outros enquanto competem pela primazia de ser aqueles que atualizam a Rede, assim como os desbravadores do s�culo 19 disputavam continentes. Isso significa que a elite virtual tem uma r�gida determina��o capitalista, e o seu tipo de representante social deve ser um capitalista, algu�m que est� pavimentando a auto-estrada para vencer uma competi��o financeira, nada mais. Se uma pessoa n�o est� t�o ligada � ind�stria de computadores atual, ela ser� comida viva. Voc� s� ser� capaz de ter seus toques pessoais e perseguir suas vis�es ideal�sticas na democracia computadorizada dessa ind�stria, se voc� vender. Ent�o, voc� moderniza suas id�ias, e os seus ideais tornam-se mercadoria - essa � a distor��o psicol�gica da elite virtual: n�o, ideologia, mas algo de e para a Rede: moderniza��o ideol�gica.

H� capitalistas puros na ind�stria cibern�tica assim como capitalistas que tamb�m s�o especialistas vision�rios em computa��o. Estes �ltimos, em um esp�rito de ingenuidade viciosa, geram a hipnose ideol�gica, um elemento messi�nico, de que os primeiros se apropriam cinicamente. � a velha hist�ria do bom e do mau policial. Como os bons policiais toleram os maus? T�o somente pela democracia computadorizada de ciberindiv�duos possessivos. A base econ�mica da elite virtual � toda a ind�stria das comunica��es - todo lugar que ela alcan�a. Como um todo, essa ind�stria processa hipnose ideol�gica para fins capitalistas. Isto � mais significativamente constitu�do por cinismo, n�o por uma vis�o ingenuamente viciante. Ademais, embora um pequeno grupo na propor��o num�rica de toda a elite virtual, os vision�rios s�o essenciais para o cibercapitalismo porque prov�em a media��o ideol�gica para atrair o org�nico para a Rede. Nesse sentido, os capitalistas c�nicos e os bem-providos de tecnologia s�o simples parasitas, limpando o caminho para a parada de Pied Piper.

Uma mentalidade fronteiri�a domina o caminho at� o ciberespa�o. � uma suprema ironia o fato de que uma forma primitiva de capitalismo, um capitalismo retr�, esteja atualizando a virtualidade. O cibercapitalista vision�rio � um monstro h�brido do darwinismo social e do individualismo tecnopopulista. � apenas uma figura iminentemente revers�vel que pode prover o mecanismo de altera��o para o passado e o futuro entre o ciberespa�o e o espa�o em colapso da (destru�da) percep��o.

O melhor representante da elite virtual � o capitalista vision�rio armado de todas as suas contradi��es e quem, inclusive, esconde sua hipnose ideol�gica. O resto da elite tende a ter contradi��es parciais: os c�nicos capitalistas sem vis�o de mercado e talvez os vision�rios, quem sabe orientados conforme suas habilidades, indiferentes � intelig�ncia tecnicista dos cientistas cognitivos, dos engenheiros, dos cientistas da computa��o, dos desenvolvedores de videogames e de todos os outros especialistas em comunica��es, divididos em hierarquias, mas todos dependentes do suporte econ�mico a caminho da virtualiza��o. Sejam quais forem as contradi��es existentes na elite virtual - isto �, contradi��es advindas do conflito entre burguesia e proletariado - a elite como um todo garante suporte ao caminho at� o ciberespa�o atrav�s do mundo dos cabos. Assim as coisas funcionam no capitalismo p�s-moderno, onde o complexo das comunica��es est� repetindo o padr�o de colabora��o de classes que marcou o antigo complexo militar industrial. O caminho para a Rede � um daqueles grandes tecnoprojetos capitalistas que depende de uma converg�ncia de interesses para se manter, enquanto consome energia social para dentro de si. Os fen�menos de um complexo colaboracionista amparando uma competi��o retrodarwiniana � algo novo, mas estabilizado, em uma an�lise final, por um largo consenso entre os componentes capitalistas da elite virtual da qual a estrutura fascista-liberal de estado merece apoio. Na verdade, nos Estados Unidos dos anos 90, o Estado � o grande produtor da hipnose ideol�gica da "auto-estrada da informa��o". A elite virtual tem a Casa Branca como sede administrativa. O caminho para o ciberespa�o prossegue em nome do desenvolvimento econ�mico e da utopia imagin�ria do indiv�duo possessivo.

O Corpo em Hipertexto ou Nietzsche Compra um Modem

Mas por que a nostalgia? O tipo antigo de corpo foi sempre OK, mas o corpo com cabo, que � microrg�nico, com portas de canais multim�dia, dedos cibern�ticos e um c�rebro com interface para o "sistema de opera��es padr�o" da Internet � infinitamente melhor. N�o exatamente o corpo com cabo da fic��o cient�fica com seu desenho mutante ou o corpo org�nico com lembran�as fantasmag�ricas da filosofia do s�culo 19, mas o corpo em hipertexto como ambos: um sistema nervoso conectado por cabos embebido em carne (consagrada) viva.

O corpo em hipertexto est� com sua parte inorg�nica consagrada? Eis nosso futuro telem�tico que n�o � necessariamente t�o sombrio. Tecnologia sempre foi nosso abrigo: n�o uma natureza de segunda ordem, mas de primeira ordem para o corpo do s�culo 21. No final, a elite virtual � bem ultrapassada. Ela tem uma forma hist�rica antiquada - capitalismo - e, em seu interesse, quer acabar com as possibilidades criativas da Internet. A encarna��o consagrada se rebela contra a elite virtual. Ela n�o quer ser conectada � Rede atrav�s de modens ou caixas-pretas de softwares externos, mas na verdade quer ser uma Internet. A elite virtual quer se apropriar das tecnologias emergentes para prop�sitos autorit�rios em rela��o ao ciberespa�o. Ela quer trazer a tecnotopia de volta para a idade das pol�ticas primitivas de capitalismo predat�rio. Mas a consagra��o encarnada (geek) quer algo muito diferente. Rejeita (tipicamente europeu) a tecnotopia em favor de uma nostalgia emergente sob o signo de "de volta ao vinil" no som digital ou "de volta � caneta" na literatura; � encarna��o consagrada que "imediatiza" profundamente a era da tecnotopia. Operando por meio da estrat�gia antiest�tica de superidentifica��o com o temido e desejado objeto, o corpo em hipertexto insiste que a nossa � ainda a era do p�s-capitalismo e at� mesmo da p�s-tecnologia. Considerando seriamente a vontade de virtualiza��o, ele reclama seus direitos telem�ticos em nome de ser um corpo de interface utiliz�vel: ser um pensador multim�dia, para colocar portas USB no seu corpo ciberorg�nico enquanto navega bem pela for�a da gravidade apropriada da Internet, para criar vis�es est�ticas equivalentes �s puras virtualidades encontradas por todo lado na j� ent�o superauto-estrada digital, e para levar a aquisi��o de dados a um ponto de violenta implos�o com o que o corpo finalmente acabar� livre do mito confinat�rio da "cultura dos cabos" para ser sem-cabos.

O corpo sem-cabos? Esse � um corpo flutuante, boiando em torno dos destro�os da tecnotopia: org�nico envolto num mar de dados. O perfeito sucessor evolucion�rio da encarna��o do s�culo 21, o corpo sem-cabos funde a velocidade da troca virtual a uma estrutura celular. Dados qualificados como DNA s�o inseridos diretamente atrav�s de inser��es espinhais no consagrado corpo org�nico para melhor navega��o atrav�s dos baixios trai�oeiros da gal�xia eletr�nica. N�o um corpo sem mem�ria ou sentimentos, mas o contr�rio. O corpo sem-cabos � o campo de batalha dos maiores conflitos pol�ticos e �ticos do final do s�culo 20 e in�cio do 21.

Talvez o corpo sem-cabos ser� apenas entulho de dados em branco, uma placa de Petri flutuante onde todos os res�duos brilhantes da tecnotopia est�o misturados em novas formas de combina��o. Nesse caso, o corpo sem-cabos seria um chip indefinidamente reprogram�vel org�nico-male�vel onde o "sistema de opera��es padr�o" da nova era eletr�nica vem de cima do aparelho de TV, gira sob o corpo org�nico e � levemente cabeado � espera de um instante para lembrar-se de sua parte de carne.

No entanto, o corpo sem-cabos pode ser, e j� �, algo muito diferente. N�o o corpo como uma rede org�nica para samplear todos os bytes flutuantes da cultura recombinante, mas o corpo sem-cabos como um lugar teor�tico e pol�tico de alta carga: um campo movedi�o de contesta��o est�tica para remapeamento do imp�rio gal�ctico da tecnotopia. Dados org�nicos podem informar de forma t�o confiante sobre as possibilidades da democracia multim�dia, sobre sexo sem secre��es e sobre (ciber)relacionamentos porque ele j� passou para o outro lado da tecnotopia: para aquele ponto de brilhante dissolu��o onde a Rede fica viva e passa a falar a l�ngua dos corpos sem-cabos em um mundo sem cabos.

J� existem muitos corpos sem-cabos na Internet: muitos carregadores de dados na via virtual t�m sido administrados sob o jugo do capitalismo predat�rio da elite virtual e sob os at� mais pesados preconceitos humanos contra a cultura da preserva��o do que � org�nico, para fazer da Internet um lugar encantado para fundir ondas de part�culas de todos os dados em movimento a um novo tipo de corpo: corpos em hipertexto circulando como "tecel�es da rede" no espa�o eletr�nico.

Negando-se a ser relembrado como encarna��o rejeitada pela elite virtual, o corpo em hipertexto produz virtualidade para seus prop�sitos. Aqui, o amor pela virtualidade cessa para tornar-se unidimensional, formando um processo duplo que abarca criatividade pavorosa, espacialmente memorizada, e uma jogada de pura viol�ncia como corpo em hipertexto. Sempre c�clico e inteiramente integrado, o corpo em hipertexto engole seu modem, corta suas conex�es por cabo com a auto-estrada da informa��o e torna-se seu pr�prio sistema operacional, combinando e remutando os dados em novas virtualidades. E por que n�o? A encarna��o humana n�o mais existe, a n�o ser como um antepassado do mundo sem-cabos. Recusa, ent�o, a nostalgia do passado e faz do hipertexto sua via para o corpo da Web: o corpo que na verdade dan�a conforme seus pr�prios dados org�nicos, que v� com telas de multimeios gr�ficos, que faz novos e melhores teleamigos na MOO, que escreve poesia eletr�nica nos espa�os vagos do v�deo, do som e das interfaces de texto, al�m de insistir em ir al�m do tedioso mundo das divis�es bin�rias para a nova cibermatem�tica do FITS (serve). O corpo em hipertexto, ent�o, � o precursor de um novo mundo de pol�ticas multim�dia, de economia fragmentada, de personalidades reclusas e de relacionamentos cibern�ticos. Afinal, por que a elite virtual deveria monopolizar a realidade digital? Ela quer apenas suprimir as possibilidades criativas da virtualiza��o, privilegiando novas e v�rias formas de ciberautoritarismos no lugar das tend�ncias da tecnotopia. A elite virtual quer t�o somente subordinar a realidade digital ao sabor do capitalismo. O corpo em hipertexto responde ao desafio da virtualiza��o fazendo de si um monstro de duas cabe�as: pura virtualidade/pura encarna��o. Conseq�entemente, nosso futuro telem�tico �: o corpo sem-cabos na Rede como um chip seq�enciado microprogramado pela elite virtual para m�ximos prop�sitos (seus) de m�xima lucratividade ou o corpo sem-cabos como o limite m�ximo da subjetividade cr�tica no s�culo 21. Se a elite virtual � a sucessora p�s-hist�rica da antiga burguesia do capitalismo primitivo, ent�o o corpo em hipertexto � o equivalente � Comuna de Paris: anarquista, ut�pica e em plena revolta contra a supress�o das possibilidades (tele)humanas gerais na Rede em favor de interesses espec�ficos (monet�rios) da elite virtual. Do passado ao futuro do hipertexto, a elite virtual constitui o interesse particular que deve ser vencido pelo corpo em hipertexto dos dados in�teis se a Rede estiver pronta para abrir as portas a �ticas male�veis.

�ticas male�veis? Nietzsche comprou um modem e ele j� est� reescrevendo as �ltimas p�ginas de O Tratado do Poder e O Tratado da Virtualidade. Assim como o santo patrono do corpo em hipertexto, Nietzsche � dado desprez�vel para a refinada superf�cie inquebr�vel da elite virtual.

The Theory of the Virtual Class. In: Data Tash: the theory of the virtual class. St. Martin's Press, Inc. New York, 1994. Arthur Kroker � professor de Ci�ncias Pol�ticas na Universidade de Concordia e editor do jornal on-line C-THEORY. Michel Weinstein � professor de Filosofia Pol�tica na Universidade Purdue. Traduzido por Dayene H�erlle Giuliander Carpes. Revisado por Cl�vis Vict�ria; Dionei Valler e Maur�cio Cossio.








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