Ciberespaço:
Além da Sociedade da Informação?


David Lyon


A evolução do conceito de ciberespaço é notável. O que William Gibson imaginou em seu retrato essencialmente distópico do ciberespaço (no romance Neuromancer), é hoje melhor compreendido em termos utópicos. Muito tem sido produzido sobre a novidade da experiência cibernética, sua dependência nos reluzentes produtos de alta tecnologia pesadamente promovidos, e sua capacidade de corroer os limites tradicionais e assim criar reinos intocados de liberdade. Em países tão distantes entre si quanto a Finlândia e a Malásia, estas características do ciberespaço andam aliadas a programas de incremento sociais. Mas será que o ciberespaço realmente nos leva para além da “sociedade da informação”, o conceito preferido até alguns anos atrás?

Mesmo sofrendo contestações, como qualquer outro conceito das ciências sociais, os termos “sociedade industrial” ou “sociedade capitalista” serviram bem aos sociólogos por várias décadas do século XX. Nos anos 80 a noção de uma “sociedade da informação” se disseminou e deu origem a alguns primos conceituais, como a “economia baseada no conhecimento” e “sociedades em rede” nos anos 90 [1]. Hoje, a intenção de definir um conceito para as sociedades contemporâneas é carregada de dificuldades; no entanto, isto não impediu um bom número de teóricos de apresentar algumas tentativas, e, as mais recentes, com freqüência fazem referência ao pós-modernismo, o conceito global ou a uma “condição cibernética qualquer”.

Para aqueles sociólogos que ainda pretendem fornecer explicações empiricamente construídas para a mudança social corrente, estes últimos termos devem parecer ainda mais tolos e frágeis do que os já gastos conceitos que os precederam. Mas há uma outra maneira de enxergar a questão. Eu sugiro que, ao invés de desqualificar toda a gama de conceitos mais tardios – o ciberespaço em particular –, eles sejam estudados através do que nos mostram acerca das transformações sociais e culturais em andamento. É verdade que muito do que há disponível sobre o ciberespaço não passa de absurdo fantástico ou mesmo malicioso. Mas as idéias não surgem em um vácuo político ou social, e, paradoxalmente, é possível aprender muito sobre a realidade social contemporânea apenas observando a evolução deste conceito.

O perigo maior que envolve o uso de conceitos como o da sociedade da informação e o ciberespaço, é a compreensão errônea de que as formações sociais, padrões de consumo ou práticas políticas podem de alguma forma ser apreendidas da inovação tecnológica. A revolução da Internet! Mas a prometida sociedade sem papéis gera um consumo maior, e não menor, de papel, as comunicações globais encorajam um maior número de viagens, e – para o desapontamento de quem realmente acredita – dispositivos que supostamente servem para poupar o trabalho coexistem com um mundo repleto de problemas causados por ele. De maneira semelhante, preocupações com ciberespaço podem levar-nos a imaginar que o materialismo do dia-a-dia pode de alguma forma ser evitado, transcendendo para algum reino eletrônico etéreo. A ciência e a ficção formam novas alianças e, aparentemente, colonizam o senso comum em larga escala.

O ciberespaço, como a sociedade da informação, é um construto, um produto da imaginação, que é utilizado para tentar compreender algumas facetas importantes do mundo atual. Estes conceitos não podem, em prol de fins sociológicos, simplesmente serem despidos do afã promocional ou do desejo de que estejam corretos. O papel destas duas atitudes precipitadas precisa de explicação. Para tanto, é necessário que a compreensão sociológica não aponte apenas as origens e conseqüências sociais das tecnologias de comunicação e informação, mas também atente para as questões políticas, morais e culturais levantadas pela sociedade da informação e pelo ciberespaço [2].

O Desdobramento da História da Sociedade da Informação

É relevante que a noção de uma “sociedade da informação” tenha emergido primeiramente de afirmações entusiasmadas sobre uma suposta “revolução tecnológica da informação”. Imaginava-se que o desenvolvimento da microcomputação e sua ligação com as telecomunicações acabaria por causar transformações políticas, econômicas e sociais comparáveis àquelas freqüentemente atribuídas à difusão das máquinas no século XIX. Se a Revolução Industrial originou uma sociedade industrial, a revolução das tecnologias de informação prometia uma sociedade da informação [3]. Definições orientadas pela tecnologia são repletas de dificuldades, a exemplo do determinismo tecnológico, que sugere que o destino da sociedade é o ápice tecnológico.

Dito isso, parte da importância desta teste da “sociedade da informação” se sustenta no fato de que é precisamente através do profundo envolvimento humano com a tecnologia – e acima de tudo com todas as tecnologias da comunicação e informação – que quem concebeu o ciberespaço conseguiu tanta popularidade e proeminência. Como iremos ver, o fato de que as idéias sobre ciberespaço ecoam entre pessoas cujas interações diárias são cada vez mais mediadas por meios eletrônicos, não é mero acidente. Questões de “tecnologia e sociedade” são de fato centrais para o significado de “conviver com o ciberespaço”. Mas não é possível abordar satisfatoriamente nenhum destes fatores enquanto os conceitos em questão forem, como já foram, imunes a questionamentos

De maneira muito freqüente, as diferentes formas de compreender a “sociedade da informação” dependem dos conceitos não questionados de “informação”, “tecnologia” e “sociedade”. Frank Webster distinguiu com sucesso cinco formas de pensar sobre a sociedade da informação: tecnológica, econômica, ocupacional, espacial e cultural [4]. Cada uma destas é necessária de várias maneiras, particularmente para garantir o significado de um ou mais conceitos de informação, tecnologia e sociedade, ou para assumir que algum deles pode ser discutido sem a presença do outro. Webster, por exemplo, reclama corretamente que há uma inconsistência nos relatos da sociedade da informação que falam da tecnologia como meros artefatos e ferramentas que não possuem constituição social e ainda assim afirmam ter extenso impacto na sociedade.

As definições econômicas da sociedade da informação apontam para um imenso aumento na produção de informação e, assim, para um aumento na centralização da informação como um “fator de produção”, mas estas definições tendem a ignorar, entre outras coisas, as dificuldades envolvidas em mensurar a informação. A questão básica de o que é a informação raramente é feita. Por definição, tentativas de responder à pergunta acabam recorrendo à escola dominante da, assim conhecida, teoria da informação. Mas esta definição – com relação a sua quantificação – é ela própria o produto de um impasse que teve lugar nas “Conferências Macy” que ocorreram logo após o término da Segunda Grande Guerra. A briga era entre a escola americana, liderada por Claude Shannon, que buscava uma definição calculável e extraída do contexto em que se insere, e a escola birtânica, liderada por Donald MacKay, que insistia que um item apenas contém informação se estiver inserido em um conceito de significado [5]. É a primeira aproximação a responsável pelos prognósticos acerca da sociedade da informação que reivindicam um conceito neutro da informação e seus profundos impactos sociais.

Os estudos sobre as estruturas organizacionais são geralmente mais sofisticados, já que apresentam a sociedade da informação como um produto de uma mudança decisiva na direção da informação manipulada como uma categoria de força de trabalho. Este certamente teria de ser o eixo sobre o qual é possível analisar sociologicamente os padrões mutantes da existência social. O renomado estudo de Daniel Bell “arriscando prognósticos sociais” [6] foi uma ambiciosa tentativa de mapear os novos aspectos oriundos das reestruturações dos domínios da informação. Mas mesmo que as categorizações estivessem corretas – será um técnico em reparos de informática alguém que trabalha com a informação? – esta aproximação tem pouco a dizer sobre quais são os grupos de trabalhadores da informação que têm o poder de influenciar e controlar outros grupos. A sugestão de Bell, de que empregados de universidades seriam reconhecidos pelo seu posicionamento estratégico em sociedades da informação, parece um pouco fora de contexto no início do século XXI!

Uma variedade de teóricos que poderiam ser apontados como mais bem sucedidos em definir a sociedade da informação, introduziram um componente espacial em suas análises. Entre estes o mais notável é Manuel Castells, cujo magistral trabalho sobre as “sociedades em rede” é conhecedor das estruturas ocupacionais em mudança, mas se dedica muito mais aos fluxos informacionais dentro das redes e nós das sociedades baseadas em infra-estruturas da informação [7]. Sem tentar medir o ritmo de consumo da informação, uma preocupação de alguns analistas japoneses [8], Castells argumenta que a conexão entre fluxos e ambientes é vital para compreender como o poder, privilégio e oportunidades são distribuídos em um mundo de tráfego acelerado de informações. Castells coloca bastante ênfase nas novas tecnologias, e nem sempre abre a “caixa preta” para explorar o sentido social de seu interior, mas seu trabalho possui a grande vantagem de indicar como as questões sobre o sentido e objetivo da sua difusão devem ser feitas se pretendemos obter uma abordagem sociológica da sociedade da informação.

Cada uma das supracitadas dimensões da sociedade da informação tem sua importância, mesmo que sejam derivadas de um raciocínio imperfeito e dependam de observações tácitas de caixas pretas ainda fechadas. Há algumas conseqüências muito difundidas da ampla adoção das tecnologias de computação e comunicação, de aumentos maciços nos fluxos de informação e do reforço relativo de certos nós e redes que, juntos, constituem o que pode ser chamado de sociedade da informação. Uma delas pode ser descrita de maneira bem simples: a vida diária é profundamente dependente destas máquinas, redes e fluxos. Em casa ou no trabalho, no entretenimento, no comércio ou na viagem, a estrutura informacional é um gigantesco suporte invisível e indispensável. Basta observar os avisos preocupados e a ansiedade disseminada que tomaram conta da virada do século com a inteiramente artificial – mas não menos real para quem dela participu –, crise do bug do milênio.

Esta experiência diária de interação e comunicação mediadas por computadores também está por trás do crescimento do interesse em questões sobre ciberespaço. É a dimensão das experiências, ao invés da estatística, análise ocupacional ou comercial, da sociedade da informação, que fez surgir a especulação sobre as possibilidades do ciberespaço. Habitar o que alguns apelidaram de sociedade da informação é em um nível diário conviver com o ciberespaço. Isto gerou a atual enchente de estudos culturais de sociedades saturadas de informação, geralmente voltados ou, ao menos, se referindo ao ciberespaço. Uma das definições relativamente objetivas de ciberespaço oferecida por William Gibson, é a de estar “enrolado na mídia”, e isto expressa um aspecto vital do fenômeno. Esta definição não é limitada a e-mails, a Internet ou World Wide Web, mas sim, aponta para o papel central das interações mediadas pela mídia. Isso também nos permite discutir as novas tecnologias em termos sociais, enraizados no mundo real.

A Ambivalência do Ciberespaço

O ciberespaço é rico em ambigüidades, paradoxos e contradições. Muitas destas características podem ser traçadas voltando aos debates sobre a sociedade da informação, mesmo que agora elas apareçam em trajes culturais e experimentais. O ciberespaço, no final das contas, é o produto não de algumas “novas tecnologias”, mas do contexto mais amplo, para o qual também contribui, da pós-modernidade. Sob esta luz, iremos ver algumas das ambigüidades típicas do ciberespaço.

As teorias da sociedade da informação começam com uma suposta “revolução tecnológica” e daí se movem através de análises da estrutura ocupacional em mudança para uma exploração de fluxos de informação, tecnologia, finanças e assim em diante. Os estudos do ciberespaço têm início neste último ponto, com a questão dos fluxos. A dimensão espacial é evidente a partir da própria palavra ciberespaço, e muito tem sido dito sobre a qualidade virtual do espaço no reino cibernético. Se eu posso efetuar transações bancárias pela Internet do outro lado do mundo, ou se posso realizar uma teleconferência em lugares remotos, então o que resulta das minhas experiências pré-eletrônicas de estar “aqui” ao invés de estar “lá”? Qualquer que seja a resposta, é crucial lembrar que o ciberespaço pode ser experimentado apenas por pessoas posicionadas em algum local. O ciberespaço e o virtual não apenas operam através do espaço, mas são um fenômeno inerentemente espacial [9].

A modernidade pode ser construída em um nível como sucessivas tentativas de controlar os espaços, de organizar o território. Mas fluxos eletronicamente ativados levam isto adiante, corroendo as velhas barreiras da distância temporal e dos limites físicos. Como sugere Paul Virilio, “Com a interface de terminais de computadores e monitores de vídeo, distinções entre “aqui” e “ali” já não fazem mais sentido” [10]. É claro que Virilio seria o primeiro a saber que estas distinções só foram apagadas, ou melhor, obscurecidas, para alguns indivíduos, mas não para todos [11] Eu só posso acessar minha conta bancária em “casa” enquanto estou “fora” porque eu tenho uma conta e acesso aos meios de comunicação eletrônica, e eu só posso realizar uma teleconferência porque eu sou um membro relativamente privilegiado de um mundo acadêmico, com um alto grau de conectividade. No mundo de hoje, a velocidade crescente da comunicação acaba desconectando certos grupos com a mesma velocidade com que conecta outros [12]. Assim, o que se produz é a polarização, e não um vilarejo global homogêneo.

A contribuição palpável das tecnologias de comunicação e informação para a globalização se deve em parte ao teorema da “morte da distância”, mas isto também é ambíguo. Castells, entre outros, afirma que os espaços de fluxo tendem a dominar os espaços de lugares. Na cidade de Londres, perto da área das docas, pode ser encontrado um dos nós mais densos da sociedade em rede, com níveis altíssimos de sinais de tráfego, em faxes, e-mails, telefonemas e outras mídias eletrônicas. Há uma área física com uma infra-estrutura que viabiliza o fluxo eficiente de informações. No entanto, bem perto desta área, há distritos de relativa baixa conectividade, mobilidade e, claro, renda. Em Tower Hamlets e Newham, existe pouca experiência deste espaço de fluxos A globalização experimentada na cidade e nas docas é equilibrada pelo reforço do “espaço de lugar” em áreas geograficamente adjacentes. Experiências da proximidade relativa entre “aqui” e “ali” variam consideravelmente nas sociedades da informação e no ciberespaço.

Aqueles associados às elites da informação – os “globais” como Bauman os classifica – podem experimentar o ciberespaço como um reino de relativa liberdade. No final dos anos 80 e nos 90, o potencial de liberação do ciberespaço era freqüentemente lembrado. Não se trata apenas da conveniência banal, mas óbvia, de fazer contato com colegas distantes e parceiros comerciais sem se preocupar com a diferença de fuso horário, mas sim da liberdade para transcender as disputas insignificantes da vida local, e até mesmo as limitações do corpo. O ciberespaço possibilita experiências fora do corpo, que não são limitadas pela carne. As comunidades eletrônicas, para visionários como Howard Rheinghold, são lugares nas quais a liberdade pode ser encontrada além do corpo. Tendo se envolvido desde meados dos anos 80 em várias comunidades eletrônicas ele se entusiasma sobre as possibilidades que vê de interações entre usuários, independentes do horário ou do local. Ele acredita que isso é apenas uma pista do que está por vir; um dia a maioria das pessoas estará envolvida em comunidades deste tipo [13]. Curiosamente, algumas feministas também encontram liberdade no ciberespaço, conseguindo a oportunidade de não apenas abrir espaços para as mulheres dentro de uma cultura patriarcal, mas também de atacar a visão de mundo e a realidade material desta cultura [14].

Sem negar por nenhum momento que as novas utilidades e conveniências do ciberespaço criaram algumas formas para que a liberdade se estabeleça em certos tipos de experiências, é difícil de evitar o ceticismo sobre o amplo potencial emancipatório do ciberespaço – ou qualquer outra nova tecnologia. Aqui novamente é possível perceber os perigos de pensar nas novas tecnologias como ferramentas neutras, capazes de serem usadas para o bem ou mal. As sociedades da informação e suas experiências ciberespaciais derivam das primeiras aplicações e desenvolvimento da tecnologias para fins bélicos, pela sua utilidade em criar contextos de comando. A Internet tinha a intenção de prover uma rede à prova de ataques nucleares – e assim funciona em alguns aspectos limítrofes – mas suas contribuições para uma “revolução do controle” [15] nunca estiveram em dúvida. E novas tecnologias freqüentemente exibem características que não eram a intenção dos criadores. Mas todos os objetivos das tecnologias da informação se relacionam às várias facetas de controle instrumental da modernidade, e a liberdade destes é difícil de conceber, ao menos para as pessoas cujas vidas é tocada, direta ou indiretamente por estas tecnologias.

As tecnologias de computação e comunicação têm muito a oferecer de forma potencialmente positiva quando vistos sob a perspectiva de controle. Ninguém desejaria o caos em itinerários aéreos ou na administração interna de taxas. Os computadores ajudam a manter as coisas juntas de forma efetiva e com eficiência, mas, ainda assim, eles não podem fazê-lo sem oferecer ao menos um pouco de perigo. As informações pessoais precisam ser coletadas, armazenadas, manipuladas, recuperadas e distribuídas para tirar proveito dos benefícios do sistema, e, com isso, surgem muitos riscos, especialmente à dignidade e a democracia. Não há dúvida que, pela sua própria constituição, as sociedades da informação são sociedades da vigilância [16]

O que é verdade nas assim conhecidas sociedades na informação não é menos verdade, de fato o é até mais, quanto ao ciberespaço. Em razão de toda a propaganda da Internet como um reino em que impera a liberdade, é preciso também tomar consciência de que, interna e externamente, este meio também se caracteriza pelo controle e a vigilância. Externamente, os provedores de Internet e os governos nacionais, especialmente nos países do sudeste da Ásia, como Singapura, regulam os fluxos de assuntos morais e político. Sistemas internacionais como os que são mantidos pela Agência de Segurança Nacional Americana rastreiam constantemente mensagens comum do dia-a-dia, filtrando-as por enormes dicionários que automaticamente reconhecem palavras-chaves e frases. Internamente, a Internet e a World Wide Web se tornaram veículos de intensa vigilância, especialmente desde a sua comercialização em massa em meados dos anos 90. A atividade humana não é, necessariamente, limitada por esta vigilância rotineira, mas ela contribui para reforçar as diferenças e o afunilamento de opções através da caracterização dos consumidores como alvos para a propaganda personalizada [17].

A terceira ambigüidade se segue desta asserção: o ciberespaço, como a sociedade da informação, se comunica através da utopia e da distopia. Aqueles que utilizam o termo ciberespaço com mais liberdade e de forma mais positiva, nas páginas da revista Wired, por exemplo, raramente consideram que sua utilização original era distópica. Esta descrição de uma sociedade futurística exemplar veio à tona como um conceito que trazia, decididamente, conotações negativas, onde estar “enrolado na mídia” não era considerado como um privilégio. É claro que Gibson também retrata o ciberespaço como uma “alucinação consensual”, o que nos dá pistas sobre sonhos e percepções desordenadas que podem ser, como já foram, conscientemente dividido por adultos. No entanto, há uma diferença notável entre a sociedade da informação e sonhos e pesadelos ciberespaciais. Com a exceção das discussões em ciber-comunidades, o ciberespaço tende a ser considerado, positiva e negativamente, de maneira muito mais individual do que as teorias da sociedade da informação.

As abordagens utópicas e distópicas dos aspectos sociais de novas tecnologias são importantes. Não há dúvida que as nobres visões sobre, por exemplo, a da comunicação democrática, podem e devem atender a aplicações particulares. Ao mesmo tempo, os avisos “Owerlianos” acerca da direção perigosa das atuais tendências são, ao mesmo tempo, bem recebidos. O erro reside em assumir que as novas tecnologias podem trazer à realidade o mundo dos sonhos, ou devem ser temidas como inevitáveis precursoras do terror. Na melhor das hipóteses, discussões utópicas e distópicas servem para levantar questões éticas, políticas e culturais sobre o desenvolvimento de novas tecnologias, e para trabalhar contra o determinismo tecnológico, apresentando o papel da ação reflexiva e objetivada dentro deste desenvolvimento.

O quarto ponto ambíguo para o qual eu quero chamar a atenção, é a questão do ciberespaço e da (ir)realidade. Se reivindicações vazias de muitos cenários da sociedade da informação foram feitas acerca dos sonhos de ontem se tornarem a realidade de hoje, o mundo do ciberespaço aparenta, para alguns, inverter esta questão. A realidade de ontem é suplantada por simulações, a hiper-realidade e os sonhos de hoje. Obviamente, o fenômeno da (ir)realidade induzida pela mídia não é simplesmente um produto do ciberespaço em um sentido restrito. A Guerra do Golfo no início dos anos 90 foi uma área chave para o debate sobre a realidade, especialmente com o notório comentário de Jean Baudrillard sobre a “guerra não estar acontecendo” [18]. O ponto de sua argumentação é que o teatro da guerra ocorria mais nas telas das televisões ao redor do mundo do que em uma área física entre o Kuwait e a Arábia Saudita. Há um paralelo entre este comentário e o do general americano William C. Westmoreland, em 1969: “enquanto o campo de batalha se torna mais automatizado, a própria batalha fica mais parecida com um jogo de guerra” [19]. Para Baudrillard, a simulação da guerra suplantou o conflito real. O que era exibido nas telas de televisão foi a guerra virtual selecionada pela mídia, cujo sucesso ou fracasso era monitorado e mensurado inteiramente dentro da mídia. Na hiper-realidade não há lugar para o real.

No ciberespaço, diferentes tipos de ir(realidade) se apresentam. Uma delas pode ser encontrada nos jogos, como os Multi-User Dimensions (MUDs), onde nascem relacionamentos virtuais enquanto se joga. Alguns jogadores podem se envolver profundamente, como no exemplo: “Eu não ligo que as pessoas digam que os MUDs são jogos, eles não são apenas isso, eles são reais!!! Meus companheiros jogadores são meus melhores amigos, são as pessoas que mais gostam de mim no mundo inteiro. E talvez sejam as únicas pessoas que gostem” [20]. Tais histórias se multiplicam hoje em dia (provavelmente muito mais do que as evidências sugerem) e é preciso levá-las a sério tanto como registro de situações definidas como reais e pela estrutura social que revelam. Além disso, sugerem ser o resultado de um crescimento acelerado nas comunicações mediadas por computador, que vem ocorrendo desde os anos 90.

Outro tipo de (ir)realidade pode ser observado na “realidade virtual” do ciberespaço, onde os usuários se encontram tão imersos na mídia, que são induzidos a uma sensação de estar à beira de uma nova fronteira. Como Gibson primeiramente a descreveu, isto é de uma “complexidade inimaginável, feixes de luz direcionados no espaço inexistente da mente, aglomerados e constelações de informação. Como as luzes das cidades cedendo” [21]. Além do espaço em contração de um “vilarejo global”, estão as redes, os espaços de fluxo onde as coisas acontecem, como a Guerra do Golfo (e também como a vigilância da Agência de Segurança Nacional). Mas o próprio Gibson nunca perdeu o apego pelo mundo real enquanto descrevia isto. Como ele disse mais tarde, “Da maneira como eu descrevo o ciberespaço, você pode literalmente se enrolar na mídia e não saber o que acontece a sua volta” [22].

Enquanto alguns dos antecessores podem soar como ficção científica (e uma porção começou assim), argumentos mais sérios também podem ser encontrados para a organização virtual e governo virtual. Agências públicas podem incrementar sua capacidade de tomada de decisões com o processamento inteligente e capacidades gráficas. O efeito seria a “virtualização” da administração pública, com uma nova lógica, não a da organização burocrática, mas sim uma lógica de informar e comunicar. Nesta nova ordem, a realidade seria o “resultado não intencional das decisões, cada vez mais sendo tomadas pelas máquinas”, enquanto a política se tornaria “uma miríade de estilos, a serem decretados em vários fragmentos das vidas pública e privada” [23]. Como era de se esperar, alguns vêem tais argumentos como reducionistas. Enquanto estas poderosas ferramentas de fato “afetarem todos nossos sentidos”, diz Ravetz, elas também “embaçam ainda mais as fronteiras entre a realidade real e a realidade construída.” [24]

Mas o que é a realidade real mencionada pelos críticos da realidade virtual? Mark Slouka, por exemplo, argumenta que o “essencialismo” é um antídoto para a “irrealidade”. Para ele, afirmações feitas sobre o ciberespaço parecem oferecer uma utopia de livre mercado, mas esquecem de mencionar que “abstrair nossas vidas pode ser ruim para nós”. Será que o ciberespaço irá construir uma nova forma de exílio, “um andarilho eletrônico conectado ao mundo mas separado do que realmente importa na vida humana?” [25] O ciberespaço, ele afirma, é uma grande distração das comunidades reais, amigos e vizinhos reais, e da relevância e valor dos nossos ambientes físicos. Assim, o ciberespaço acaba revelando ser pouco mais do que um “parque temático eletrônico” [26], com um pouco de informação e, alguém poderia adicionar, com limites similares para a diversidade e a democracia. Slouka quer que seus leitores retornem às coisas essenciais, as quais podem ser experimentadas diretamente, sem a mediação da tecnologia.

Uma dificuldade desta proposta, apesar da atração exercida sobre aqueles que estão cansados da propaganda high-tech e de “infomarqueteiros”, é que a realidade real “essencial” já tem sido desqualificada por um tempo considerável. Essa não é uma idéia nova, pois pode ser traçada pelo menos até a dissociação Cartesiana entre corpo e o mundo [27], e foi paradoxalmente encorajado no Ocidente por certas abordagens teológicas que subestimaram a importância do mundo físico criado [28]. Argumentar pela realidade e relevância de corpos e lugares, da experiência e da localidade, é entrar em um conflito social que é endêmico à realidade, e que alcança seu ponto máximo na briga atual – como Slouka o observa – entre o ciberespaço e a existência do dia a dia. Uma dificuldade posterior, da qual cuidaremos abaixo, é que a evidência de Slouka parece ser um pouco enviesada. Não será o ciberespaço capaz de incrementar tanto quanto de corroer os relacionamentos reais?

Da Sociedade da Informação à Ciber-Socialidade

O ciberespaço reflete algumas das ambigüidades já visíveis nos discursos da sociedade da informação. Ele também representa um movimento além do que era conhecido sobre o aspecto social da “sociedade” da informação. O debate sobre a sociedade da informação tem suas origens no período em que a sociologia ainda confiava na idéia de que a “sociedade” é mais ou menos equivalente a um “estado nacional” e se relacionava a um “problema de ordem” [29]. No começo do século XXI, esta idéia se torna muito mais questionável porque o poder dos estados nacionais está, para alguns efeitos, se enfraquecendo e suas fronteiras estão menos claras. Como Anthony Giddens argumenta, ao invés de destacar a “ordem”, faz mais sentido perguntar como que sistemas sociais diferentes organizam o tempo e o espaço para conectar presença e ausência [30].

Ao final do século XX, se tornou muito claro que as tecnologias de computação e comunicação exercem um papel chave na maneira com que o tempo e o espaço são organizados, permitindo um estiramento das relações sociais através do tempo e do espaço. Este estiramento das conexões é experimentado como uma variedade de contatos que, com a longa distância, eram mais difíceis de manter antigamente, ou a “compressão do espaço-tempo”, como David Harvey a chama [31]. Tal compressão do tempo-espaço fica evidente acima de tudo nos espaços de fluxo que são associados com o ciberespaço. A maneira pela qual padrões e práticas do relacionamento social se transformam quando mediados por tecnologias eletrônicas é uma questão chave sobre o que pode ser denominado de ciber-socialidade.

As grandes mudanças que ocorreram nos padrões de comunicação desde o começo do século XIX não devem ser subestimadas. Até recentemente, a enorme maioria dos contatos humanos, transações e interações eram feitas cara-a-cara, e quase todos os relacionamentos envolviam contatos sem mediação. As pessoas estavam avaliáveis às outras em uma base física, e tinham a possibilidade de apertar as mãos, olhar nos olhos e perceber mudanças de humor ou feições de aprovação através da linguagem corporal. Alguns relacionamentos, como os realizados com a nobreza ou a corte real, eram mais distantes, mas para a maioria dos eventos e processos da vida diária, era o relacionamento presencial que tinha maior relevância para a lealdade, oportunidades na vida, e assim em diante. O diálogo é importante para muitos relacionamentos também na medida em que todos os participantes iniciem e respondam às conversações [32]

Maior presença física não significa um relacionamento mais forte, é claro, caso contrário teríamos de assumir que os habitantes de Tokyo se sentem emocionalmente satisfeitos com a proximidade de outros passageiros [33] em um metrô lotado na hora do rush. Mas os relacionamentos mantidos à distância, mediados por um ou outro meio, têm uma qualidade diferente daqueles realizados face-a-face. Neste tipo de relacionamento, de “interações mediadas” alguns meios técnicos como caneta e papel ou um telefone ou um modem de computador “viabilizam a transmissão da informação ou de um conteúdo simbólico para indivíduos remotamente situados no espaço, no tempo ou em ambos” [34]. A gama de informações que podem participar é afunilada na interação mediada. Se você não pode ver o resto do outro, você perde expressões e gestos e constrói um repertório de características compensatórias para aquele meio. As chances de erros de interpretação da mensagem em comunicações mediadas se tornam maiores.

Mas a interação neste nível raramente ou nunca tem lugar em um vácuo social. A ligação telefônica, a mensagem de e-mail e a carta são formas de interação que têm lugar em relacionamentos onde as expectativas já estão presentes, e onde há um tipo de integração entre aqueles que interagem. No entanto, estes relacionamentos são integrados em parte pelas agências e organizações nos quais estão inseridos. O departamento do governo ou a corporação ajudam a unir as pessoas no tempo e no espaço além do que pode ser alcançado em qualquer cenário de cara-a-cara, e isto normalmente requer interações mediadas. Por vários séculos, a escrita proveu os meios principais das interações mediadas e os limites técnicos, o que significa que pela maior parte do tempo, a presença física ainda fornecia os padrões predominantes de interação.

A mecanização da escrita com a invenção do tipógrafo e, mais tarde, do telégrafo, tornou possível uma dimensão de relacionamentos totalmente nova. Todas as formas de “quase interações” se desenvolveram – como os jornais, e então a televisão – nos quais a comunicação total não é evidente, mas onde há mais do que as mera transmissão de conteúdo simbólico de produtores para recipientes passivos [35] Mas em termos de integração, as comunicações podem ocorrer mesmo quando a presença física face-a-face e algum agente intermediário na são as características salientes da relação social [36]. Novamente, isso não significa que as interações face-a-face acabam sendo reduzidas em número, pelo contrário, novas relações são sobrepostas a elas. A escrita, juntamente com outras formas de comunicação não corporais, se presta a formas de governar mais amplas e impessoais, ao mesmo tempo em que tira a ênfase das situações cara-a-cara [37].

Neste ponto, é importante notar que um outro nível de relações, quaternário, também pode ser discernido dentro das comunicações mediadas eletronicamente. Este ocorre além da atenção ou percepção de pelo menos um grupo dentro das comunicações [38]. Eles se relacionam à vigilância e ocorrem quando algum sistema técnico-social monitora ações e palavras das pessoas, e as transforma em mensagens, sem levar em conta as intenções das pessoas envolvidas. Mas mesmo esta comunicação não corporal deve ser rastreada de volta às relações de poder do mundo real.

De quais formas pode a análise das relações cara-a-cara, mediada, quasi-mediada e quaternária ser estendida para os domínios do ciberespaço, em particular as interações da Internet? Interações cara-a-cara ainda são significativas porque elas estão interligadas com interações on-line em formas que podem passar desapercebidas se todo o foco for direcionado à comunicação “ciberespacial”. Membros do mesmo ambiente podem usar e-mails para algumas finalidades mesmo que se vejam todos os dias, e o e-mail pode ser utilizado como uma forma de marcar encontros físicos. Destas formas a interação sem o elemento físico pode ser meramente uma extensão daquela realizada face a face [39].

Enquanto muitas interações da Internet são entre indivíduos, domínios de diálogo público também permanecem abertos, como as salas de bate papo. Assim o repertório de possibilidades para interações mediadas é aumentado com o ciberespaço. De forma semelhante, quasi-interações mediadas também encontram um novo potencial on-line, por exemplo através da criação de sites, e também em novas possibilidades multimídia da Internet, onde texto, som, vídeo e imagem produzem um novo espectro de símbolos. A noção de “repertório de possibilidades” se refere ao que as pessoas fazem de fato nos diferentes contextos oferecidos pela comunicação on-line [40]. Por exemplo, usuários podem estar em locais distantes, ou no mesmo lugar (usando intranet), ou podem ter relacionamentos com pessoas não usuárias da Internet.

Uma área mais importante é a vigilância, onde as relações quaternárias são comuns. Estas são freqüentemente baesadas em comunicações de risco que se referem a dados pessoais e os transformam em mensagens, mas de cuja existência as pessoas envolvidas podem não saber. A vigilância hoje em dia está longe de se restringir a contextos organizacionais. As formas de comunicação on-line produzidas pela vigilância estão proliferando, e apesar de muitas delas se tornarem dados em tráfego dentro dos espaços de fluxo, elas tem conseqüências para as formas de integração social e para as oportunidades do dia a dia dos indivíduos e grupos envolvidos [41]. Elas organizam o tempo e o espaço, conectando ausência e presença , e se apóiam no “biopoder”, agora aumentado pelas tecnologias de comunicação e informação, as quais forjam pessoas e grupos de maneiras que são apenas fracamente percebidas.

A assunção de que nós podemos conversar termos relativamente afixados sobre as “sociedades da informação” é desafiada pelas numerosas formas com que o tempo e o espaço têm sido reorganizados no início do século XXI. O crescimento massivo das comunicações eletronicamente mediadas de vários tipos é uma chave para introduzir tal liquidez e fluência nas relações sociais. Formas do que pode ser chamado de ciber-socialidade estão brotando entre aqueles que possuem um alto grau de conectividade, embora seus padrões e sentidos ainda não sejam bem compreendidos.

A razão pela qual a primeira definição de Gibson de ciberespaço, “enrolado na mídia” é tão útil, é que funciona como um lembrete das maneiras sem precedentes nas quais parte tão grande da vida contemporânea está imersa em tecnologia. Faz pouco sentido hoje pensar em computadores e sistemas de telecomunicações como ferramentas. Eles fazem parte do contexto no qual a vida é vivida. A infra-estrutura que eles representam é tão básica que a vida diária é quase inimaginável sem ela. Em sociedades tecnologicamente avançadas, “tecnologia” não é um item separado ou um momento separado; é parte do que constitui a nossa sociabilidade. Tempo e espaço são tão profundamente organizados por meios artificiais de conectar a presença e a ausência, que é mais apropriado pensar na tecnologia como uma atividade e ambiente do que como ferramenta.

No entanto, isso não licencia a imaginação livre a considerar os domínios sociais dos relacionamentos no ciberespaço. Como nós vimos, em virtude do aspecto da “alucinação consensual” do ciberespaço, as tecnologias on-line são freqüentemente “feitichizadas” e se tornam itens de exagerada apreciação comercial, utópica e acadêmica. Em resposta, contra-ataques são realizados ao “culto da informação” e o mundo falso da realidade virtual. Mas ambas as causas são freqüentemente limitadas pela relativa falta de demonstração empírica. A reogarnização do escritório com a utilização do e-mail e linhas de conversa realmente produzem menos relacionamentos hierárquicos? Todas as utilizações de e-mails e linhas de conversa tendem na direção dos relacionamentos impessoais e abstratos e à conseguinte fragmentação das identidades culturais? Estas são algumas perguntas empíricas, e suas respostas dão fortes dicas de como responder a questão principal: o ciberespaço está ou não além da sociedade da informação.

Há pouca dúvida de que, a menos que o planeta sucumba a algum desastre inimaginável, as tecnologias de comunicação e informação irão continuar a se mesclar à vida cotidiana, de que a velocidade de conexão irá continuar a ter crucial importância (mesmo que o ritmo da aceleração diminua), o que a maioria das corporações e governos irão continuar a pressionar pela adoção destas novas tecnologias mesmo que seus benefícios culturais, econômicos e políticos não sejam demonstrados, e também não há dúvida de que a distância continuará a crescer entre aqueles habilitados a tirar vantagem das novas tecnologias e quem tem um acesso restrito a elas. Estas características estão claramente se referindo ao futuro da assim chamada sociedade da informação.

Mas estas são generalizações e como tais são particularmente frágeis a críticas. O que é realmente necessário não é mais a especulação sobre o futuro da sociedade da informação, mas sim um maior conhecimento sobre o que realmente está acontecendo em diferentes países, diferentes setores, e daí em diante, e uma maior compreensão do fato de que as perguntas chaves não têm tanto a ver com a tecnologia quanto moralidade, política e cultura. A noção de ciberespaço, como vimos, foca sua atenção na experiência de viver com as tecnologias eletrônicas, e assim representa uma área chave para uma séria análise social. Ele pode ser substituído por outros termos, tais como “sociedade da informação”, mas a questão levantada pelo ciberespaço não irá desaparecer tão cedo.

A maneira como o ciberespaço é entendido varia de lugar para lugar, por sexo, região, etnia, classe e daí em diante. Os espaços de fluxo afetam os espaços de lugares e a geografia cultural em várias formas diferentes. O crescimento da Internet e da World Wide Web permitiu uma enchente de estudos baseada em conseguir dados de fontes on-line. Após ler tais estudos, é possível que se acabe imaginando que a maioria da população está inserida em MUDs pela maior parte de seu tempo livre! É claro que estudos on-line da vida on-line são importantes, mas as mais difíceis e aprofundadas etnografias que mostram como a vida cotidiana off-line está interligada à vida on-line são mais valiosas a longo prazo e sociologicamente.

Os tipos de estudos que nos ajudarão a medir o futuro da sociedade da informação são aqueles que trabalham sobre interesses sociais clássicos para cavar a fundo na superfície e encontrar o que realmente atrapalha e retarda o crescimento de certas formas de relacionamento, e para mostrar como os problemas privados devem ser traduzidos em coisa pública. Por exemplo, em seu estudo de um ciber-café, Nina Wakeford demonstra como as relações entre sexos são construídas e reconstruídas no curso das relações diárias. Além de mostrar que o uso do computador em tais contextos é capaz de penetrar as relações machistas e patriarcais de uma forma simples, Wakefor indica que as alianças sexuais são forjadas e interrompidas de formas que dependem tanto da “cultura local de tempo e espaço quanto... dos terrenos da computação.” [42]

Em outro estudo valioso, Daniel Miller e Don Slater demonstram como o uso diário da Internet em Trinidad também modifica as relações sociais já existentes. Mais do que corroer antigos relacionamentos familiares, por exemplo, em muitos casos as oportunidades de usar a Internet para reforçar laços de relacionamento são agarradas ansiosamente. Uma abordagem etnográfica cuidadosa traz resultados que devem decepcionar aqueles tentados a acreditar na propaganda exagerada do ciberespaço. Como eles dizem, “talvez, ironicamente, se a Internet não for totalmente virtual quando se trata da vida privada (como a maioria da literatura sobre a Internet presumem que irá ser), ela é de fato virtual na política econômica.” [43].

Então este é um apelo pela continuação dos estudos sociológicos, para ajudar-nos a discernir o que “viver com o ciberespaço” e suas formas emergentes de sociabilidade significam. A sociologia tem, de forma crescente, aceitado que a tecnologia precisa ser teorizada como parte da fábrica social. No século XXI todos iremos viver em ambientes tecnológicos mesmo que o significado disto varie grandemente de um lugar para outro. O ciberespaço é a experiência de múltiplas interações mediadas, as quais, lembre-se, ainda abrangem a minoria da população mundial. Forças poderosas contribuem para moldá-lo e divisões sociais bem familiares ao freqüentemente reforçadas através dele. Mas nada disso é inevitável. Seu progresso crescente é um processo social-tecnológico, que se relaciona, de um lado, às capacidades técnicas e, de outro, a estas forças poderosas, mas também a visões compartilhadas e práticas sociais. A ética e a política são componentes cruciais. Mas saber exatamente quais capacidades, quais visões e quais práticas irão prevalecer está nas perguntas empíricas finais.


NOTAS DO AUTOR


1 Veja David Lyon, The Information Society: Issues and Illusion, Cambridge, Polity Press/Blackwell, 1988; Frank Webster, Theories of the Information Society, London, Routledge, 1995; Manuel Castells, The Rise of the Network Society, Oxford, Blackwell, 1996.
2 Veja Barry Smart, Modern Conditions: Postmodern Controversies, London , Routledge, 1992:60.
3 Veja Alvin Toffler, The Third Wave, London , Pan, 1980.
4 Webster, Theories of the Information Society.
5 N. Katherine Hayles, How We Became Posthuman, Chicago, University of Chicago Press, 1999, ch. 3
6 Daniel Bell, The Coming of Postindustrial Society: A Venture in Social Forecasting, London , Heinemann, 1974
7 Castells, Rise of the Network Society. Veja David Lyon, “The net, the self, and the future”, Prometheus, 3, 1999.
8 Veja Alistair Duff, “Jogo Shakai: the Japanese contribution to information society studies”. Keio Communication Review, 22, 2000: 41-77.
9 Mike Crang, Phil Crang e Jon May, Virtual Geographies: Bodies, Space and Relations, London , Routledge, 1999: 12-13.
10 Paul Virilio, The Lost Dimension, New York , Semiotext(e), 1991: 13;
11 Zygmunt Bauman, Globalization: The Human Consequences, Cambridge , Polity Press, 1998: 17-18.
12 William Wresch, Disconnected: Haves of Have-Nots in the Information Age, New Brunswick , NJ , Rutgers University Press, 1996.
13 Howard Rheingold, The Virtual Community, Reading , Mass. , Addison-Wesley, 1993.
14 Sadie Plant, “On the matrix: cyberfeminist simulations”, in Rob Shields (ed), Cultures of Internet: Virtual Spaces, Real Histories, Living Bodies, London , Sage, 1996: 170.
15 James Beniger, The Control Revolution, Cambridge , Mass. , Harvard Univesity Press, 1986.
16 Veja David Lyon, Survellance Society, Monitoring Everyday Life, Burckingham, Open University Press, 2001.
17 Veja David Lyon, “The world-wide-web of surveillance”, Information, Communication, and Society, 1 (1), 1998; Oscar Gandy, “It´s discrimination, stupid!”, in James Brook and Iain A. Boal (eds), Resistin the Virtual Life: The Culture and Politics of Information, San Francisco, City Lights, 1995: 35-47.
18 Jean Baudrillard, The Gulf War Did Not Take Place, trans. P. Patton, Sydney and Bloomington, Indiana Univeristy Press., 1995 [1991]
19 Citado em Benjamin Wooley , Virtual Worlds, Oxford , Blackwell, 1992: 191.
20 Citado em Elizabeth Reid , “Virtual Worlds, culture and imagination”, in Steve Jones (ed.), CyberSociety: Computer-Mediated Communication and Community, London , Sage, 1995: 175.
21 William Gibson, Neuromancer, London , Grafton, 1986: 67.
22 Late Show, BBC2, 26 de setembro de 1990, citado em Wooley, Virtual Worlds, p. 122.
23 Paul Frissen, The virtual state: postmodernisation, informatisation, and public administration”, in Brian Loader (ed.), The Governance os Cyberspace, London , Routledge, 1997:125.
24 Joe Ravetz, “The Internet, virtual and real reality”, in Brian Loader (ed.), Cyberspace Divide: Equality, Agency, and Equality in the Information Society, London , Routledge, 1998: 121.
25 Mark Slouka, War of the Worlds: Cyberspace and the High-Tech Assault on Reality, New York , Basic Books, 1995: 132.
26 Ibid., p.141
27 Charles Taylor, Sources of the Self, Cambridge , Cambridge University Press, 1989:155.
28 Veja Colin Gunton, The One, The Three, and the Mary, Cambridge , Cambridge University Press, 1993:210
29 Veja Anthony Giddens, The Consequences of Modernity, Cambridge , Polity Press, 1990:13.
30 Ibid., p.14
31 David Harvey, The Condition of Postmodernity, Oxford , Blackwell, 1990.
32 Veja John Thompson, Media and Modernity, Cambridge , Polity Press, 1995:83.
33 Veja Paul James, Nation Formation, London , Sage, 1996:25.
34Thompson, Media and Modernity, pp. 82-7.
35 Ibid., p.85.
36 James, Nation Formation, p.31.
37Jack Goody, The Domestication of the Savage Mind, Cambridge , Cambridge University Press, 1997, 15-16, citado em James, Nation Formation, p.32.
38 Craig Calhoun. “The infrastructure of modernity: indirect social relationships, information technology and social integration”, in Hans Haferkamp and Neil Smelser (eds), Social Change and Modernity, Berkeley, Univeristy of California Press, 1992: 219.
39 James Slevin, The Internet and Society, Cambridge , Polity Press, 2000: 78-89.
40 Pierre Bourdieu, The Field of Cultural Production, Cambridge, Polity Press, 1993, citado em Slevin, Internet and Society, pp. 78, 81. Os “contextos” são, nos termos de Slevin, “arenas de circulação”
41 Veja Lyon, Surveillance Society
42 Nina Wakeford, “Gender and the landscape of computing”, in Crang, Crang e May, Virtual Geographies, p.200.
43 Daniel Miller and Don Slater, The Internet: An Ethnographick Approach, Oxford , Berg, 2000: 172.

LYON, David (2002). Cyberespace: Beyond the Information Society? In: John Armitage & Joanne Roberts (Eds), Livin With Cyberspace. (pp. 21-34). Bodmin, Cornwall . Tradução: Luiz Carlos Damasceno Junior.








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